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Mateus e o trabalho

Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do Trabalho
Matthew

Introdução ao livro de Mateus

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O trabalho é um componente essencial do Reino de Deus. Mateus, o coletor de impostos que se tornou apóstolo, relata as ações e os ensinamentos de Jesus com o propósito de nos mostrar como Deus deseja que vivamos e trabalhemos em seu novo Reino. Como seguidores de Jesus Cristo, vivemos em dois mundos. Posicionamo-nos com um pé no mundo humano, onde nosso trabalho pode estar sujeito a expectativas não declaradas que podem ou não estar de acordo com os caminhos de Deus. Ao mesmo tempo, como cristãos, estamos sujeitos ao Reino de Deus, comprometidos com seus valores e expectativas. Ao contar a história de Jesus, Mateus nos mostra como navegar pelo mundo humano usando a bússola de Deus. Por meio disso, ele constantemente nos aponta para a verdadeira identidade do mundo como “Reino dos céus” (Mateus usa “Reino dos céus” e “Reino de Deus” de forma intercambiável; ver Mateus 19.23-24). Esse reino “está próximo”, muito embora ainda não esteja completamente concretizado aqui na terra. Até que chegue à sua finalização, os seguidores de Jesus devem viver e trabalhar de acordo com o chamado de Deus como “estrangeiros”[1] no mundo presente.

Com o propósito de nos guiar nessa maneira de viver e trabalhar, Jesus discute questões relacionadas ao ambiente de trabalho como liderança e autoridade, poder e influência, práticas comerciais justas e injustas, verdade e engano, tratamento de funcionários, resolução de conflitos, riqueza e necessidades da vida, relações no ambiente de trabalho, investimento e poupança, descanso e o trabalho em organizações com políticas e práticas que estão em desacordo com as normas bíblicas.

O Reino dos céus está próximo (Mateus)

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No início do seu ministério terreno, Jesus anuncia que “o Reino dos céus está próximo” (Mateus 4.17). Ao ler a expressão “Reino dos céus”, podemos pensar em harpas, nuvens e corais de anjos, mas Jesus é claro ao dizer que o Reino dos céus se refere ao reinado de Deus sobre a terra. O Reino dos céus “está próximo”. Ele chegou aqui, a este mundo.

As consequências de se viver o Reino de Deus no ambiente de trabalho são profundas. Os reinos estão preocupados com governança, economia, agricultura, produção, justiça, defesa — questões que vemos na maioria dos locais de trabalho. Os ensinamentos de Jesus, conforme registrados por Mateus, falam diretamente à nossa vida no trabalho. No Sermão do Monte, ele inicia seus seguidores nos valores, na ética e nas práticas de seu novo reino. Na oração do Pai-Nosso, ele os instrui a orar “venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mateus 6.9-10). O Evangelho de Mateus conclui com Jesus comissionando seus seguidores a irem trabalhar por todo o mundo, uma vez que ele recebeu “toda a autoridade no céu e na terra” e estará presente junto deles em seu trabalho na terra (Mateus 28.18-20). Mateus deixa claro que este reino não está completamente estabelecido na terra neste momento, mas alcançará sua plena realização quando virmos “o Filho do homem vindo nas nuvens do céu com poder e grande glória” (Mateus 24.30). Enquanto isso, damos as costas à antiga maneira de trabalhar, de modo que o novo modo de ser do Reino dos céus seja visível em nós à medida que vivemos. Até mesmo neste momento, trabalhamos de acordo com seus valores e práticas.

Trabalhando como cidadãos do Reino de Deus (Mateus 1—4)

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Vivemos naquilo que os teólogos chamam de “já, mas ainda não”. O Reino dos céus já foi inaugurado por Jesus em seu ministério terreno, mas ainda não foi plenamente concretizado — não até que Cristo volte em pessoa como Rei. Enquanto isso, nossa vida — incluindo trabalho, lazer, adoração, alegrias e tristezas — está emoldurada pela realidade de viver em um mundo parcialmente controlado pelos caminhos antigos e corruptos da Queda (Gênesis 3), mas parcialmente governado por seu verdadeiro Senhor, Cristo. Como cristãos, colocamo-nos completamente sob o senhorio de Jesus. Nossos hábitos na terra devem agora refletir o Reino vindouro do céu. Não devemos fazer isso para nos orgulhar de sermos mais piedosos do que outros, mas para aceitar o desafio de crescer nos caminhos de Deus. Deus chama seu povo para desempenhar vários papéis e ocupações diferentes na terra. Em todos esses papéis e ocupações devemos viver a verdadeira realidade: o Reino de Deus que está vindo do céu para a terra.

Ao mesmo tempo, não podemos escapar dos males do mundo trazidos pela Queda, incluindo a morte (1Coríntios 15.15-26), o pecado (João 1.29) e Satanás (Apocalipse 12.9). O próprio Jesus experimentou um sofrimento terrível, ainda que temporário, nas mãos de homens pecadores, e o mesmo pode acontecer conosco. Em nossa ocupação, podemos sofrer grandemente por meio de trabalho forçado, desemprego permanente, até mesmo morte relacionada ao trabalho. Ou podemos sofrer de maneiras menores à medida que lidamos com colegas de trabalho desafiadores, condições de trabalho desagradáveis, promoções merecidas mas não recebidas ou milhares de outros contratempos. Às vezes sofremos as consequências de nosso próprio pecado no trabalho. Outros podem sofrer muito mais do que nós, mas todos podemos aprender a partir do Evangelho de Mateus como viver como seguidores de Cristo em um mundo caído.

Jesus, o Messias (Mateus 1—2)

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Os capítulos iniciais do Evangelho de Mateus narram com rapidez uma sucessão de histórias que demonstram que Jesus é o Senhor cuja vinda inaugura o Reino dos céus na terra. Elas explicam quem é Jesus em termos de cumprimento das Escrituras (o Messias) e mostram que sua entrada no mundo é o epicentro de todas as relações de Deus com a humanidade. O Evangelho de Mateus começa com uma descrição da genealogia e do nascimento de Jesus: o bebê deitado numa manjedoura em Belém faz parte da linhagem de Davi, o grande rei de Israel, e é um hebreu verdadeiro, com ascendência que chega até Abraão (Mateus 1.1—2.23). Em cada história, as referências de Mateus às Escrituras do Antigo Testamento mostram como a vinda de Jesus reflete um texto antigo em particular[1]. Damos ouvido a Jesus porque ele é o ungido de Deus, o Messias prometido, Deus que entra no mundo em carne humana (João 1.14).

A história dos magos (“sábios”, na NVT], “homens que estudavam as estrelas”, na NTLH) tem relevância especial para o trabalho. De acordo com Daniel 1.20; 2.27 e 5.15 e Atos 8.9; 13.6-8, os magos eram astrólogos que observavam as estrelas com o objetivo de interpretar sonhos e praticar outras magias. Tanto Daniel quanto Lucas (no livro de Atos) lançam um olhar de reprovação a essa profissão, vendo-os como charlatães ou falsos profetas. Todavia, enquanto realizam seu trabalho de observação das estrelas, eles vislumbram a realidade do poder de Deus no mundo. O trabalho deles, falho como era, os leva a reconhecer Jesus como o Filho de Deus. A resposta deles é adorar da melhor maneira que podem. Perceba sua generosidade, uma virtude que Deus valoriza grandemente por toda a Bíblia. Contraste-os com Herodes, que, embora sendo da comunidade da fé, reage à descoberta dos sábios com hostilidade. É difícil imaginar uma resposta mais gananciosa do que a dele. Esse contraste destaca como a graça de Deus se estende a todas as pessoas e a todo o cosmos, não apenas aos que creem. Por outro lado, o povo de Deus continua a cair em pecado, enquanto a moralidade dos descrentes pode ser exemplar.

Será possível que Deus ainda hoje atraia descrentes para si por meio de seu trabalho, incluindo realizações na ciência, na natureza ou no mundo material? Como Paulo coloca, “desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas” (Romanos 1.20). Isso pode ser aplicado quando falamos sobre Cristo no ambiente de trabalho. Podemos até pensar que estamos falamos sobre Cristo para pessoas que não o conhecem, mas a verdade é que Deus talvez já esteja se fazendo conhecido a essas pessoas por meio do trabalho delas, assim como fez com os magos. Podemos ser mais eficientes se reconhecermos que aquilo que estamos de fato fazendo é ajudar os colegas de trabalho a reconhecer e desfrutar a presença de Deus que seu trabalho já está lhes revelando. E nós mesmos faremos muito bem em reconhecer a presença de Deus em nosso trabalho. Os cristãos costumam tratar o trabalho secular com desconfiança, como se o conhecimento e as habilidades empregadas ali de alguma forma diminuíssem a fé. Em vez disso, que tal reconhecermos que todo tipo de trabalho revela a obra e a presença de Deus? Será que o reconhecimento da presença de Deus no trabalho comum de fato fortalece a nossa fé?

Jesus chama os discípulos (Mateus 3—4)

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Cerca de trinta anos se passaram entre os capítulos 2 e 3. João Batista revela a verdadeira identidade de Jesus como o Filho de Deus para as multidões junto ao rio Jordão (Mateus 3.17). Então, logo depois de ser batizado por João, Jesus é bem-sucedido em resistir às tentações do diabo no deserto (Mateus 4.1-11), em contraste com Adão e os israelitas, que falharam. (Para saber mais sobre as tentações de Jesus, veja “Lucas 4.1-13” em Lucas e o trabalho em www.teologiadotrabalho.org). Temos aqui uma antevisão das raízes antigas do reino que vem: é “Israel” como Deus originalmente desejou. E vemos também seus aspectos revolucionários; ele traz vitória sobre o príncipe do mundo caído.

O trabalho é um elemento essencial do intento de Deus para o mundo. Quando Deus criou Adão, imediatamente deu a ele um trabalho para realizar (Gênesis 2.15); por todo o Antigo Testamento, o povo de Deus recebeu um trabalho para fazer (Êxodo 20.9). Não deveríamos nos surpreender com o fato de Jesus também ter sido um trabalhador (Mateus 13.55). O batismo de Jesus, sua tentação no deserto e sua experiência anterior como carpinteiro o prepararam para o trabalho público ao qual daria início agora (Mateus 4.12).

Encontramos aqui a primeira passagem que fala diretamente sobre a questão do chamado. Pouco depois de começar a pregar sobre a vinda do Reino dos céus, Jesus chama seus quatro primeiros discípulos para segui-lo (Mateus 4.18-21). Mais tarde, outros respondem ao seu chamado, formando os Doze — o grupo daqueles que foram chamados à parte por Jesus para servir como seus alunos íntimos e os primeiros líderes-servos do povo de Deus regenerado (cf. Mateus 10.1-4; 19.28; Efésios 2.19-21). É exigido de cada um dos Doze que deixe sua ocupação anterior, sua renda e seus relacionamentos com o objetivo de viajar com Jesus por toda a Galileia. (Os sacrifícios pessoais, familiares e sociais que isso exigiu são discutidos em “Marcos 1.16-20” em Marcos e o trabalho em www.teologiadotrabalho.org). A estes e a outros seguidores Jesus não oferece esperança de segurança ou de laços familiares. Quando, mais tarde, Jesus chama o coletor de impostos Mateus, a implicação é que Mateus vai abandonar a atividade de recolher impostos (Mateus 9.9).[1]

Um chamado de Jesus significa que precisamos parar de trabalhar no nosso emprego atual e nos tornar pregadores, pastores ou missionários? Esta passagem estaria nos ensinando que o discipulado significa abandonar redes e barcos, serras e formões, folhas de pagamento e lucros?

A resposta é não. Esta passagem descreve o que aconteceu a quatro homens junto ao mar da Galileia naquele dia. Mas ela não prescreve a mesma coisa para todos os seguidores de Jesus Cristo. Para os Doze, seguir Jesus de fato significou deixar suas profissões e suas famílias com o objetivo de viajar com seu mestre itinerante. Tanto naquela época quanto agora existem profissões que exigem sacrifícios similares, incluindo o serviço militar, o comércio marítimo ou a diplomacia, entre muitas outras. Ao mesmo tempo, sabemos que no próprio ministério terreno de Jesus nem todos os que creram verdadeiramente nele abandonaram seus trabalhos diários para segui-lo. Muitos de seus seguidores permaneceram em seus lares e ocupações. Com frequência valeu-se da habilidade dessas pessoas para fornecer refeições, abrigo e apoio financeiro para ele e seus companheiros (p. ex., Simão, o leproso, em Marcos 14.3, ou Maria, Marta e Lázaro em Lucas 10.38, João 12.1-2). Em muitos casos, essas pessoas abriram as portas para que ele entrasse em suas comunidades locais, algo que seus companheiros de viagem não poderiam ter feito. O interessante é que Zaqueu também era coletor de impostos (Lucas 19.1-10) e, embora sua vida como coletor de impostos tenha sido transformada por Jesus, não encontramos evidências de que ele foi chamado para deixar sua profissão.

Mas esta passagem também nos leva a uma verdade mais profunda sobre nosso trabalho e o seguir a Cristo. Talvez não tenhamos de abandonar nosso emprego, mas precisamos abrir mão da lealdade a nós mesmos, a qualquer pessoa ou a qualquer sistema contrário aos propósitos de Deus. Em certo sentido, nós nos tornamos agentes duplos do Reino de Deus. Podemos continuar em nosso ambiente de trabalho. Podemos realizar as mesmas tarefas. Agora, porém, utilizamos nosso trabalho para servir ao novo Reino e ao nosso novo Mestre. Ainda trabalhamos para colocar comida sobre a mesa do nosso lar, mas, em um nível mais profundo, também trabalhamos para servir pessoas, como nosso mestre fez. Ao servir pessoas por causa da lealdade a Cristo, “é a Cristo, o Senhor, que vocês estão servindo”, como Paulo disse (Colossenses 3.24).

Isso é mais radical do que pode aparecer de início. Somos desafiados no trabalho que realizamos. Até onde for possível, devemos procurar fazer aquelas coisas que geram o despertamento humano, seja através de nossa parte em cumprir o mandato da criação ou nossa parte em cumprir o mandato da redenção. Em resumo, fazemos coisas que apoiam os sonhos das pessoas e trazemos cura para a dor ao nosso redor.

Desse modo, vemos que, apesar de um chamado de Jesus poder ou não mudar aquilo que fazemos como meio de subsistência, ele sempre muda o por que trabalhamos. Como seguidores de Jesus, trabalhamos acima de tudo para servi-lo. Por sua vez, isso leva a uma mudança no modo como trabalhamos, e especialmente como tratamos as outras pessoas. Os caminhos do novo Rei incluem compaixão, justiça, verdade e misericórdia; os caminhos do velho príncipe deste mundo são devastação, apatia, opressão, engano e vingança. Este último não pode mais ter qualquer papel em nosso trabalho. Isso é mais desafiador do que possa parecer, e jamais devemos esperar conseguir fazer isso sozinhos. As práticas exigidas para viver e trabalhar de acordo com esses novos caminhos podem surgir somente do poder de Deus ou de sua bênção em nosso trabalho, como ficará claro nos capítulos 5 a 7.

O Reino dos céus em ação em nós (Mateus 5—7)

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Os capítulos 5 a 7 do Evangelho de Mateus nos apresentam a versão mais completa do Sermão do Monte de Jesus. Muito embora esta passagem bastante longa (111 versículos) seja frequentemente tratada como uma série de segmentos distintos (considerada por alguns como tendo sido compilados a partir de momentos de ensino diferentes), existe uma coesão e um fluxo de pensamento no sermão que aprofundam nossa compreensão de como o Reino dos céus trabalha dentro de nós, em nosso trabalho e em nossa vida familiar e comunitária.

As bem-aventuranças (Mateus 5.1-12)

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O Sermão do Monte começa com as bem-aventuranças — oito declarações que iniciam com a expressão bem-aventurados.[1] Esta expressão afirma um estado de bênção que já existe. Cada bem-aventurança declara que um grupo de pessoas normalmente consideradas afligidas são, na verdade, abençoadas. Os abençoados não precisam fazer nada para obter essa bênção. Jesus simplesmente declara que eles já foram abençoados. Assim, as bem-aventuranças são antes de mais nada declarações da graça de Deus. Não são condições de salvação ou orientações para obter entrada no Reino do Deus.

Aqueles que pertencem a cada um dos grupos abençoados experimentam a graça de Deus porque o Reino dos céus chegou. Considere a segunda bem-aventurança — “Bem-aventurados os que choram” (Mateus 5.4). Normalmente as pessoas não pensam no choro como uma bênção. É uma tristeza. Mas, com a chegada do Reino dos céus, chorar se torna uma bênção porque aqueles que choram “serão consolados”. A implicação é que o próprio Deus proverá o consolo. A aflição do chorar se torna a bênção do profundo relacionamento com Deus. Isso é de fato uma bênção!

Embora o propósito original das bem-aventuranças seja declarar as bênçãos concedidas pelo Reino de Deus, a maioria dos estudiosos também considera que elas pintam um retrato do caráter desse reino.[2] Ao entrarmos no Reino de Deus, esperamos nos tornar mais semelhantes àqueles que são chamados de bem-aventurados — mais humildes, mais misericordiosos, com mais fome e sede de justiça, mais aptos a promover a paz e assim por diante. Isso dá às bem-aventuranças um imperativo moral. Mais tarde, quando Jesus diz “façam discípulos de todas as nações” (Mateus 28.19), as bem-aventuranças descrevem o caráter que esses discípulos devem assumir.

As bem-aventuranças descrevem o caráter do Reino de Deus, mas não são condições de salvação. Jesus não diz, por exemplo, que “apenas os puros de coração podem entrar no Reino dos céus”. Essa é uma boa notícia, pois as bem-aventuranças são absurdamente difíceis de serem cumpridas. Uma vez que Jesus diz que “qualquer que olhar para uma mulher para desejá-la, já cometeu adultério com ela no seu coração” (Mateus 5.28), quem poderia ser verdadeiramente “puro de coração” (Mateus 5.8)? Se não fosse pela graça de Deus, ninguém seria verdadeiramente bem-aventurado. As bem-aventuranças não são um julgamento contra todo aquele que deixa de atingir um padrão. Em vez disso, são uma bênção para qualquer um que consentir em se juntar ao Reino de Deus uma vez que ele “está próximo”.

Uma graça adicional das bem-aventuranças é o fato de que elas abençoam a comunidade de Deus, e não apenas os indivíduos de Deus. Ao seguirmos Jesus, nós nos tornamos bem-aventurados membros da comunidade do Reino, mesmo que nosso caráter ainda não esteja formado na semelhança a Deus. Individualmente, deixamos de cumprir as características de algumas ou de todas as bênçãos. Mas somos abençoados, todavia, pelo caráter da comunidade inteira ao nosso redor. A cidadania no Reino de Deus começa agora. O caráter da comunidade do Reino será aperfeiçoado quando Jesus retornar, “vindo nas nuvens do céu com poder e grande glória” (Mateus 24.30).

De posse dessa compreensão, estamos prontos para explorar o caráter específico de cada uma das bem-aventuranças e analisar como elas se aplicam ao trabalho. Não podemos tentar discutir cada uma das bem-aventuranças de maneira exaustiva, mas esperamos poder lançar o fundamento para receber as bênçãos e colocar em prática as bem-aventuranças em nosso trabalho diário.[3]

“Bem-aventurados os pobres em espírito, pois deles é o Reino dos céus” (Mateus 5.3)

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Os “pobres em espírito” são aqueles que se lançam na graça de Deus.[1] Reconhecemos pessoalmente nossa falência espiritual diante de Deus. É o publicano no templo, batendo no peito e dizendo “Deus, tem misericórdia de mim, que sou pecador” (Lucas 18.13). É uma confissão honesta de que somos pecadores e totalmente destituídos das virtudes morais necessárias para agradar a Deus. É o oposto da arrogância. Em sua forma mais profunda, reconhece nossa necessidade desesperada de Deus. Jesus está declarando que é uma bênção admitir que carecemos de ser cheios da graça de Deus.

Assim, logo no início do Sermão do Monte aprendemos que não temos em nós mesmos os recursos espirituais necessários para colocar os ensinamentos de Jesus em prática. Não podemos cumprir o chamado de Deus por nossos próprios meios. Bem-aventurados são aqueles que percebem que são espiritualmente falidos, pois essa percepção os leva até Deus, sem o qual não podemos cumprir aquilo que fomos criados para ser e fazer. A maior parte do restante do sermão arranca de nós a ilusão de que somos capazes de conquistar um estado de bênção por nossas próprias forças. O objetivo é produzir em nós uma genuína pobreza de espírito.

Qual é o resultado prático dessa bênção? Se somos pobres em espírito, então temos a capacidade de produzir uma avaliação honesta de nós mesmos em relação ao nosso trabalho. Não inflamos nosso currículo nem nos vangloriamos de nossa posição. Sabemos quão difícil é trabalhar com pessoas que não conseguem aprender, crescer ou aceitar a correção porque estão tentando manter uma imagem envaidecida de si próprias. Assim, nos comprometemos com a honestidade em relação a nós mesmos. Lembramo-nos de que até mesmo Jesus, quando começou a trabalhar com madeira, deve ter precisado de orientação e instrução. Ao mesmo tempo, reconhecemos que apenas tendo Deus trabalhando dentro de nós é que podemos colocar os ensinamentos de Jesus em prática no nosso emprego. Procuramos a presença e a força de Deus em nossa vida a cada dia ao vivermos como cristãos no lugar onde trabalhamos.

No mundo caído, a pobreza de espírito pode aparentar ser um impedimento para o sucesso e o avanço. É comum que isso seja uma ilusão. Quem tem mais probabilidade de ser bem-sucedido no longo prazo: um líder que diz “não tenha medo, eu consigo lidar com qualquer coisa, simplesmente faça o que eu digo” ou um líder que diz “juntos conseguiremos fazer isso, mas todo mundo terá de se esforçar muito mais do que antes”? Se já houve um tempo em que um líder arrogante e em busca de autopromoção foi considerado maior do que um líder humilde e capacitador, este tempo está passando, pelo menos dentro das melhores organizações. Um líder humilde, por exemplo, é a primeira marca característica de empresas que alcançam grandeza sustentável, de acordo com a renomada pesquisa de Jim Collins.[2] Naturalmente, muitos ambientes de trabalho permanecem presos ao velho reino da autopromoção e da autovalorização exagerada. Em algumas situações, o melhor conselho prático pode ser encontrar outro lugar para trabalhar, se isso for possível. Em outros casos, deixar o emprego pode não ser possível, ou pelo menos não desejável, porque, ao permanecer, um cristão pode ser uma força importante para o bem. Nessas situações, os pobres de espírito são uma bênção ainda maior para os que estão ao redor deles.

“Bem-aventurados os que choram, pois serão consolados” (Mateus 5.4)

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A segunda bem-aventurança aprofunda o reconhecimento mental que fazemos de nossa pobreza de espírito ao adicionar uma resposta emocional de tristeza. Quando enfrentamos o mal em nossa própria vida, ele nos entristece; quando encaramos o mal no mundo — o que inclui possíveis males em nosso local de trabalho — isso também toca nossas emoções com o lamento. O mal pode vir de nós mesmos, de outros ou de fontes desconhecidas. Seja qual for o caso, quando choramos honestamente por palavras, ações e políticas malignas no trabalho, Deus vê a nossa tristeza e nos conforta com o reconhecimento de que não será sempre dessa maneira.

Os que são abençoados pelo choro em relação aos seus próprios fracassos podem receber conforto ao admitir seus erros. Se cometermos algum erro para com um colega de trabalho, um aluno, um cliente, um funcionário ou outra pessoa, admitimos isso e pedimos o perdão da outra parte. É uma atitude que exige coragem! Sem a bênção emocional da tristeza relacionada às nossas ações, provavelmente jamais reuniríamos as forças para admitir nossos erros. Mas, se o fizermos, podemos nos surpreender com a prontidão das pessoas em nos perdoar. E se, ocasionalmente, outros tirarem vantagem de nossa admissão de uma falha, podemos contar com a bênção da não arrogância que flui da primeira bem-aventurança.

Algumas empresas descobriram que expressar tristeza é uma maneira eficiente de operar. A empresa Toro, que fabrica de tratores e cortadores de grama, adotou a prática de mostrar preocupação pelas pessoas que se feriram ao usar seus produtos. Assim que toma conhecimento de alguém que se feriu, a empresa entra em contato com a pessoa afetada para expressar sua tristeza e oferecer ajuda. Ela também pede sugestões sobre como melhorar o produto. Por mais surpreendente que possa parecer, essa abordagem diminuiu o número de processos legais por parte de consumidores considerando um período de muitos anos.[1] O Hospital Virginia Mason alcançou resultados semelhantes a partir do reconhecimento de seu papel na morte de pacientes.[2]

“Bem-aventurados os humildes, pois eles receberão a terra por herança” (Mateus 5.5)

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A terceira bem-aventurança intriga muitas pessoas no ambiente de trabalho, em parte porque não entendem o que significa ser humilde. Muitos presumem que o termo significa ser fraco, domesticado ou sem coragem. Mas o entendimento bíblico de humildade é poder sob controle. No Antigo Testamento, Moisés foi descrito como o homem mais humilde da terra (Números 12.3, NVT). Jesus descreveu a si mesmo como alguém “manso e humilde” (Mateus 11.28-29), o que era condizente com sua ação vigorosa na purificação do templo (Mateus 21.12-13).

Poder sob o controle de Deus significa duas coisas: 1) uma recusa a inflar nossa autoavaliação e 2) uma reserva em nos impormos em favor de nós mesmos. Paulo captura o primeiro aspecto perfeitamente em Romanos 12.3: “Pois pela graça que me foi dada digo a todos vocês: ninguém tenha de si mesmo um conceito mais elevado do que deve ter; mas, pelo contrário, tenha um conceito equilibrado, de acordo com a medida da fé que Deus lhe concedeu”. As pessoas humildes veem a si próprias como servas de Deus, sem se consideraram superiores além do que deveriam pensar. Ser humilde é aceitar nossas forças e limitações exatamente como são, em vez de constantemente tentarmos retratar a nós mesmos sob a melhor luz possível. Mas isso não significa que devemos negar nossos pontos fortes e habilidades. Quando perguntado se era o Messias, Jesus respondeu: “Os cegos veem, os mancos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e as boas-novas são pregadas aos pobres; e feliz é aquele que não se escandaliza por minha causa” (Mateus 11.4-6). Ele não tinha nem uma autoimagem inflada nem um complexo de inferioridade, mas o coração de um servo fundamentado naquilo que Paulo mais tarde chamaria de “conceito equilibrado” (Romanos 12.3).

O coração de um servo é o ponto crucial do segundo aspecto da humildade: reserva em nos impormos em favor de nós mesmos. Exercemos o poder, mas para benefício de todas as pessoas, não apenas de nós mesmos. O segundo aspecto é captado pelo texto de Salmos 37.1-11a, que começa com “não se aborreça por causa dos homens maus” e termina com “os humildes receberão a terra por herança”. Significa que refreamos nosso desejo de vingar os erros cometidos contra nós e, em vez disso, usamos qualquer poder que tenhamos para servir os outros. Flui da tristeza de nossa própria fraqueza, que compreende a segunda bem-aventurança. Se nos sentirmos tristes por causa de nossos próprios pecados, poderemos realmente nos sentir vingativos em relação aos pecados dos outros?

Pode ser bastante desafiador colocar nosso poder em ação debaixo do controle de Deus. Em um mundo caído, parece que o agressivo e o que se autopromove é quem segue adiante. “Você não recebe o que merece, você recebe o que negocia.”[1] No ambiente de trabalho, o arrogante e o poderoso parecem vencer, mas, no final, eles perdem. Eles não ganham nos relacionamentos pessoais. Ninguém quer um amigo arrogante e autocentrado. Homens e mulheres famintos por poder costumam ser pessoas solitárias. Também não alcançam segurança financeira. Pensam que possuem o mundo, mas o mundo é que as possui. E quanto mais dinheiro têm, menos segurança financeira sentem.

Em contraste, Jesus disse que os humildes “receberão a terra por herança”. Como já vimos, a terra se tornou o local do Reino dos céus. Nossa tendência é pensar no Reino dos céus como céu, um lugar completamente diferente (ruas de ouro, portões de pérola, mansões em colinas) daquilo que conhecemos aqui. Mas a promessa de Deus ligada ao Reino é um novo céu e uma nova terra (Apocalipse 21.1). Aqueles que submeterem seu poder a Deus herdarão o Reino perfeito que vem à terra. Nesse Reino, recebemos pela graça de Deus as coisas boas pelas quais o arrogante luta inutilmente na terra atual, e muito mais. E isso não é apenas uma realidade futura. Até mesmo em um mundo caído aqueles que reconhecem suas verdadeiras forças e fraquezas podem encontrar paz ao viver de forma realista. Aqueles que exercem o poder em benefício de outras pessoas normalmente são admirados. O humilde envolve outros no processo de decisão e experimenta melhores resultados e relacionamentos mais profundos.

“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois serão satisfeitos“ (Mateus 5.6)

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A compreensão da quarta bem-aventurança requer um entendimento daquilo que Jesus chamou de justiça. No judaísmo antigo, justiça significava “inocentar, vindicar, restaurar a um relacionamento correto”.[1] Os justos são aqueles que mantêm relacionamentos justos — com Deus e com as pessoas ao redor deles. Com base em relacionamentos justos, aqueles que cometem infrações são inocentados da culpa.

Você recebeu a bênção de relacionamentos justos em abundância? Isso é resultado da humildade (a terceira bem-aventurança), porque só podemos formar relacionamentos justos com outras pessoas quando deixamos de fazer com que todas as nossas ações girem em torno de nós mesmos. Você tem fome e sede de relacionamento justos — com Deus, com seus colegas de trabalho, com sua família e com sua comunidade? A fome é um sinal de vida. Seremos genuinamente famintos por bons relacionamentos se ansiarmos por outros por causa deles próprios, não apenas como petiscos para satisfazer nossas próprias necessidades. Se entendermos que temos a graça de Deus para isso, teremos fome e sede de relacionamentos justos, não apenas com Deus, mas também com as pessoas com quem trabalhamos ou vivemos.

Jesus disse que aqueles que têm essa fome terão seu apetite satisfeito. É fácil ver os erros em nosso local de trabalho e querer batalhar para consertá-los. Se fizermos isso, estaremos famintos e sedentos por justiça, desejando que os erros sejam corrigidos. A fé cristã tem sido a fonte de muitas das maiores reformas realizadas no mundo do trabalho, talvez sendo as mais notáveis a Abolição da Escravatura na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos e a gênese do Movimento dos Direitos Civis. Mais uma vez, porém, o fluxo das bem-aventuranças é importante. Não nos envolvemos nessas batalhas com base em nossas próprias forças, mas apenas em reconhecimento de nosso próprio vazio, chorando nossa própria injustiça e submetendo nosso poder a Deus.

“Bem-aventurados os misericordiosos, pois obterão misericórdia” (Mateus 5.7)

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Se você for bem-aventurado pela tristeza que sente por suas próprias falhas (a segunda bem-aventurança) e pelos relacionamentos justos (a quarta bem-aventurança), então não encontrará dificuldade para mostrar misericórdia aos outros, tanto no trabalho como em qualquer outro lugar. A misericórdia consiste em tratar as pessoas de um modo melhor do que elas merecem de nós. O perdão é um tipo de misericórdia. O mesmo vale quanto a acudir alguém a quem não temos obrigação de ajudar, ou refrear-nos de explorar a vulnerabilidade de uma pessoa. Em todos esses sentidos, a misericórdia é a força motriz da encarnação, da morte e da ressurreição de Cristo. Através dele, nossos pecados são perdoados e nós mesmos recebemos ajuda por meio do dom do espírito de Deus (1Coríntios 12). A razão de o Espírito nos mostrar essa misericórdia é simplesmente o fato de Deus nos amar (João 3.16).

No trabalho, a misericórdia tem um aspecto altamente prático. Devemos ajudar os outros a alcançar seus melhores resultados, independentemente de como nos sintamos em relação a essas pessoas. Quando ajuda um colega de trabalho, de quem você talvez não goste e que talvez possa até mesmo tê-lo prejudicado no passado, você está mostrando misericórdia. Quando você é o primeiro participante de uma audição e adverte os demais de que o juiz está de mau humor, você está mostrando misericórdia, ainda que isso possa dar a eles vantagem em relação a você. Quando o filho de um concorrente está adoentado e você concorda em remarcar sua apresentação para o cliente de modo que o seu concorrente não tenha de escolher entre cuidar do filho e concorrer a um negócio, você está mostrando misericórdia.

Esses tipos de misericórdia podem lhe custar uma vantagem que, em outras circunstâncias, estaria disponível a você. Contudo, elas beneficiam o resultado do trabalho, assim como a outra pessoa. Auxiliar uma pessoa de quem você não gosta ajuda sua unidade de trabalho a alcançar seus objetivos, ainda que isso não beneficie você pessoalmente. Ou, como no caso do concorrente com um filho adoentado, se isso não beneficia a sua empresa, certamente traz um benefício para o cliente ao qual você pretende servir. A realidade subjacente da misericórdia é que a misericórdia beneficia alguém além de você mesmo.

Um ambiente de perdão em uma empresa oferece outro resultado surpreendente. Ele melhora a performance da organização. Se alguém comete um erro numa empresa na qual a misericórdia não é demonstrada, é bem provável que a pessoa não diga nada em relação àquilo, na esperança de que o erro não seja notado e que a pessoa não seja responsabilizada.

Isso diminui o desempenho de duas maneiras. A primeira é que um erro encoberto pode ser muito mais difícil de ser tratado posteriormente. Imagine um trabalho de construção no qual um trabalhador comete um erro no preenchimento de uma fundação. É fácil consertar o problema se ele for trazido à luz e reparado imediatamente. Mas será muito caro consertar depois que a estrutura estiver construída e a fundação enterrada. A segunda maneira é que a melhor experiência de aprendizado surge do aprendizado a partir dos erros. Como Soichiro Honda disse, “o sucesso só pode ser alcançado através do fracasso repetido e da introspecção. O fato é que o sucesso representa o 1% do seu trabalho que surge somente depois de 99% daquilo que é chamado de fracasso”.[1] As organizações não terão oportunidade de aprender se os erros não forem analisados.

“Bem-aventurados os puros de coração, pois verão a Deus” (Mateus 5.8)

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A sexta bem-aventurança ecoa Salmos 24.3-5:

Quem poderá subir o monte do SENHOR? Quem poderá entrar no seu Santo Lugar? Aquele que tem as mãos limpas e o coração puro, que não recorre aos ídolos nem jura por deuses falsos. Ele receberá bênçãos do Senhor, e Deus, o seu Salvador lhe fará justiça.

A frase “as mãos limpas e o coração puro” denota integridade, singeleza de devoção, lealdade plena. Ter integridade vai muito além de evitar o engano e o mau comportamento. A raiz da integridade é a inteireza, o que significa que nossas ações não são escolhas que fazemos ou deixamos de fazer em função da conveniência, mas que se baseiam na totalidade do nosso ser. Perceba que Jesus pronuncia a bênção de ser puro de coração não imediatamente depois da bênção de ter fome de justiça, mas depois da bênção de mostrar misericórdia. A pureza de coração surge não da perfeição de nossa vontade, mas do recebimento da graça de Deus.

Podemos determinar o quanto dessa bênção temos recebido ao perguntarmos a nós mesmos: qual é o meu compromisso com a integridade naquelas ocasiões em que consigo me livrar através de um engano habilidoso? Recuso-me a deixar que minha opinião sobre alguém seja moldada pela fofoca e pela insinuação, por mais atraente que isso possa ser? Até que ponto minhas ações e palavras são um reflexo preciso daquilo que está no meu coração?

É difícil argumentar contra a integridade pessoal no ambiente de trabalho, mas, em um mundo caído, ela costuma ser alvo de piadas. Assim como a misericórdia e a humildade, ela pode ser vista como fraqueza. Mas são as pessoas de integridade que “verão a Deus”. Embora a Bíblia seja clara ao afirmar que Deus é invisível e que “habita em luz inacessível” (1Timóteo 1.17; 6.16), o puro de coração pode perceber e sentir a realidade de Deus em sua vida. De fato, sem integridade, a falsidade que propagamos contra outras pessoas terminará nos tornando incapazes de perceber a verdade. Inevitavelmente começamos a acreditar em nossas próprias falsificações. Isso leva à ruína no ambiente de trabalho, porque trabalho baseado em algo irreal logo se torna ineficiente. O impuro não tem desejo de ver a Deus, mas aqueles que fazem parte do Reino de Cristo são bem-aventurados porque enxergam a realidade como ela verdadeiramente é, incluindo a realidade de Deus.

“Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus” (Mateus 5.9)

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A sétima bem-aventurança leva todo cristão à tarefa da resolução de conflitos. Os conflitos surgem toda vez que pessoas têm diferenças de opinião. Em um mundo caído, a tendência é ignorar o conflito ou suprimi-lo usando força, ameaça ou intimidação. Mas todas essas são violações da integridade (a sexta bem-aventurança) das pessoas em conflito. No Reino de Deus, é uma bênção reunir pessoas que estão em conflito. Somente assim é possível resolver o conflito e restaurar os relacionamentos. (Mais adiante neste artigo exploraremos o método de Jesus para a resolução de conflitos, apresentado em Mateus 18.17-19).

O resultado da resolução do conflito é a paz, e os pacificadores serão chamados “filhos de Deus”. Eles refletirão o caráter divino em suas ações. Deus é o Deus da paz (1Tessalonicenses 5.23) e mostramos que nós mesmos somos seus filhos quando buscamos promover a paz no ambiente de trabalho, na comunidade, em nosso lar e no mundo inteiro.

“Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça“ (Mateus 5.10)

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A oitava e última bem-aventurança pode nos parecer negativa. Até este ponto, as bem-aventuranças se concentraram em humildade, mansidão, relacionamentos justos, misericórdia, pureza de coração e pacificação — todas elas qualidades positivas. Mas Jesus inclui a possibilidade de perseguição “por causa da justiça”. Isso surge em razão das sete anteriores, porque as forças que se opõem aos caminhos de Deus ainda detêm grande poder no mundo.

Perceba que a perseguição que surge a partir de um comportamento injusto não é abençoada. Se falharmos por nossas próprias faltas, devemos esperar sofrer consequências negativas. Jesus está falando sobre a bênção de ser perseguido por fazer o que é certo. Mas por que seriamos perseguidos por causa da justiça? A realidade em um mundo caído é que, se demonstrarmos justiça genuína, muitos nos rejeitarão. Jesus detalha a questão ao destacar que os profetas — que, como ele, anunciaram o Reino de Deus — foram perseguidos. “Bem-aventurados serão vocês quando, por minha causa, os insultarem, perseguirem e levantarem todo tipo de calúnia contra vocês. Alegrem-se e regozijem-se, porque grande é a recompensa de vocês nos céus, pois da mesma forma perseguiram os profetas que viveram antes de vocês” (Mateus 5.11-12). Pessoas justas no ambiente de trabalho podem estar sujeitas a perseguição ativa e até mesmo severa da parte de pessoas que se beneficiam — ou que acreditam que se beneficiam — da injustiça presente ali. Se, por exemplo, você defender pessoas que são vítimas de fofoca ou discriminação em seu ambiente de trabalho (ou se simplesmente tiver amizade com elas), espere perseguição. Se você for presidente de uma associação comercial e se opuser a um subsídio acima do normal que seus membros estejam recebendo, não espere ser reeleito. A bênção é que a perseguição ativa pelo comportamento correto indica que os poderes das trevas acreditam que você está sendo bem-sucedido em propagar o Reino de Deus.

Até mesmo as melhores organizações e as pessoas mais admiráveis ainda estão manchadas pela Queda. Ninguém é perfeito. A oitava bem-aventurança serve como um lembrete a nós de que trabalhar em um mundo caído exige coragem.

Sal e luz no mundo do trabalho (Mateus 5.13-16)

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Logo após as bem-aventuranças no Sermão do Monte, Jesus diz aos seus seguidores que as pessoas que recebem essas bênçãos são importantes:

Vocês são o sal da terra. Mas se o sal perder o seu sabor, como restaurá-lo? Não servirá para nada, exceto para ser jogado fora e pisado pelos homens. Vocês são a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade construída sobre um monte. E, também, ninguém acende uma candeia e a coloca debaixo de uma vasilha. Pelo contrário, coloca-a no lugar apropriado, e assim ilumina a todos os que estão na casa. Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus. (Mateus 5.13-16)

Se você é um seguidor de Jesus vivendo as bem-aventuranças, você é importante e tem um papel fundamental a desempenhar, porque é o sal da terra. O sal preserva, e os cristãos ajudam a preservar o que é bom na cultura. No mundo antigo, o sal era muito valioso: os gregos achavam que ele continha alguma coisa quase divina e os romanos às vezes pagavam seus soldados com sal. Um soldado que não cumpria suas tarefas “não valia o seu sal”. Você é um agente de tempero. Em certo sentido, você pode trazer o sabor distintivo dos valores de Deus a tudo na vida. Você pode tornar a vida palatável.

Perceba que, para ser eficiente, o sal deve estar em contato com a carne ou o peixe a ser preservado. Para sermos eficientes, devemos estar envolvidos com as pessoas dos locais onde trabalhamos e vivemos. Isso nos coloca em tensão, pois a cultura dominante não necessariamente gosta de nós. Na maioria das vezes, viver de acordo com as bem-aventuranças pode nos tornar mais bem-sucedidos no trabalho. Mas precisamos estar preparados para os momentos em que isso não acontece. O que faremos se o fato de mostrar misericórdia, promover a paz ou trabalhar pela justiça colocar em risco nossa posição no trabalho? Afastar-se do mundo não é uma alternativa para os cristãos. Mas é difícil viver no mundo, sempre pronto a exigir que as coisas sejam do seu modo a qualquer instante. Em Mateus 5.10-12 Jesus reconheceu a realidade da perseguição. Contudo, em nossos contatos com a cultura, devemos reter nossa “salinidade”, nossa particularidade. É um ato de equilíbrio que somos chamados a manter.

“Vocês são a luz do mundo.” A descrição de função de um cristão não é apenas manter a santidade pessoal, mas também tocar a vida de todos ao nosso redor. No trabalho, tocamos muitas pessoas que não encontram Cristo na igreja. Pode ser nosso lugar mais eficaz para testemunhar de Cristo. Mas precisamos ser cuidadosos em relação à maneira como testemunhamos de Cristo no trabalho. Somos pagos para realizar nosso trabalho, e seria desonesto fraudar nosso empregador usando o tempo do trabalho para fazer evangelismo. Além disso, seria desonroso criar divisões no trabalho ou um ambiente hostil para os descrentes. Devemos evitar qualquer possível mancha por buscar autopromoção por meio do proselitismo. E sempre corremos o risco de que nossos erros no trabalho possam trazer vergonha para o nome de Cristo, especialmente se parecermos entusiasmados com o evangelismo mas realizarmos nosso verdadeiro trabalho com má qualidade.

Diante de todos esses perigos, como podemos ser sal e luz no trabalho? Jesus disse que nossa luz não necessariamente está no testemunho de nossas palavras, mas no testemunho de nossos atos — as nossas “boas obras”. “Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus.” As bem-aventuranças revelaram algumas dessas boas obras. Em humildade e submissão a Deus, trabalhamos em favor dos relacionamentos justos, das ações misericordiosas e da paz. Quando vivemos como pessoas de bênção, somos sal e luz — no ambiente de trabalho, em nosso lar e em nossa nação.

O que é justiça? (Mateus 5.17-48)

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Jesus faz uma declaração surpreendente em Mateus 5.20: “Pois eu lhes digo que se a justiça de vocês não for muito superior à dos fariseus e mestres da lei, de modo nenhum entrarão no Reino dos céus”. Pessoas comuns da época de Jesus reverenciavam a justiça aparente dos líderes religiosos e não imaginavam serem capazes de se igualar a eles em sua piedade. Jesus choca seus ouvintes ao dizer que a entrada no Reino de Deus estava disponível apenas para aqueles cuja justiça excedesse à dos fariseus e mestres da lei. Sendo assim, quem poderia ser salvo? O problema reside em igualar justiça com piedade exterior, uma compreensão comum da palavra tanto naquela época quanto agora. Contudo, por toda a Bíblia, a palavra justiça (conforme destacado acima na quarta bem-aventurança) sempre denota relacionamentos justos — com Deus e com as pessoas ao nosso redor. Isso inclui aqueles que fazem parte de nosso ambiente de trabalho.

Isto fica bastante claro na ilustração que se segue. Em Mateus 5.21-26 não é suficiente não matar alguém; devemos nos precaver quanto a guardar dentro de nós a ira que leva a insultos e a relacionamentos partidos. Podemos sentir ira, mas a maneira correta de lidar com ela é buscar resolver o conflito (Mateus 18.15-19), não afastar a pessoa com insultos ou difamação. Jesus deixa claro que um relacionamento correto entre você e seu irmão ou irmã é tão vital que é necessário abster-se de práticas religiosas até que a questão entre vocês dois tenha sido resolvida.

No ambiente de trabalho, a ira pode ser usada para manipular outras pessoas. Ou então a ira pode dominar sua vida porque você sente que é tratado de forma injusta. Lide com a questão: dê o primeiro passo rumo à reconciliação, ainda que isso possa colocar você numa posição de ser humilhado. Envolver-se numa resolução de conflito justa e aberta é o caminho do novo reino. Mais uma vez, bem-aventurados os pacificadores.

Riqueza e provisão (Mateus 6)

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Jesus fala sobre riqueza com bastante frequência. Riqueza e provisão não são em si mesmas trabalho, mas costumam ser resultado do trabalho, seja nosso ou de outra pessoa. Um dos princípios da economia é que o propósito do trabalho é aumentar a riqueza, fazendo desta um assunto relacionado ao trabalho. Veja a seguir os ensinamentos de Jesus sobre riqueza e provisão diária conforme apresentados no Sermão do Monte.

Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia (Matthew 6.11)

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Imediatamente antes deste pedido pelo pão diário na Oração do Pai-Nosso lemos o seguinte: “Venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mateus 6.10). No Reino de Deus, receber nosso pão de cada dia é uma certeza, mas, no mundo desfigurado pelo pecado, o sustento é questionável. Embora Deus tenha dado à humanidade tudo de que precisamos para produzir comida suficiente para alimentar todas as pessoas da terra, não demos fim à fome. Desse modo, a primeira palavra de Jesus sobre riqueza ou provisão diária é esta petição: “Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia”. Buscamos a Deus para obter o pão de que precisamos.

Mas perceba que a petição está no plural: “Dá-NOS hoje o NOSSO pão de cada dia”. Não oramos apenas pelo nosso próprio pão, mas pelo pão para aqueles que não têm nenhum. Na condição de pessoas que desejam manter relacionamentos justos com outras, levamos em consideração a necessidade de pão das outras pessoas: compartilhamos aquilo que temos com aqueles que têm necessidade. Se cada pessoa, negócio, instituição ou governo trabalhasse de acordo com os propósitos e os princípios do Reino de Deus, ninguém teria fome.

Acumulem tesouros no céu, não na terra (Mateus 6.19-34)

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Não apenas devemos pedir a Deus a nossa provisão diária, mas também somos advertidos contra a acumulação de riqueza material e outros tesouros na terra:

Não acumulem para vocês tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e onde os ladrões arrombam e furtam. Mas acumulem para vocês tesouros no céu, onde a traça e a ferrugem não destroem, e onde os ladrões não arrombam nem furtam. Pois onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração. (Mateus 6.19-21)

“Tesouros no céu” não é uma referência etérea a pensamentos bondosos no coração de Deus nem algum tipo de clichê. O Reino de Deus terminará governando a terra. “Tesouros no céu” são coisas de valor no futuro Reino de Deus, como justiça, oportunidade para todos serem produtivos, provisão para as necessidades de todos e respeito pela dignidade de toda pessoa. A implicação é que é melhor investirmos nosso dinheiro em iniciativas que transformam o mundo do que na segurança para proteger os excedentes que acumulamos.

Então é errado ter um portfólio de aposentadoria ou até mesmo nos importar com as coisas materiais deste mundo, seja para nós ou para outras pessoas? A resposta, mais uma vez, é tanto não quanto sim. O não vem do fato de que esta passagem não é a única na Bíblia que fala sobre questões de riqueza e provisão para aqueles que dependem de nós. Outras passagens aconselham a prudência e o planejamento, como “quem o ajunta aos poucos terá cada vez mais” (Provérbios 13.11) e “o homem bom deixa herança para os filhos de seus filhos” (Provérbios 13.22); Deus orienta José a armazenar comida por sete anos antes de uma fome (Gênesis 41.25-36) e, na parábola dos talentos (Mateus 25.14-30, que será discutida mais adiante), Jesus fala favoravelmente sobre investir dinheiro. À luz do restante das Escrituras, Mateus 6.19-34 não pode ser uma proibição geral.

Mas a parte do sim da resposta é uma advertência, lindamente resumida no versículo 21: “Pois onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração”. Talvez esperássemos que essa sentença seria melhor ao contrário, algo como “onde estiver o seu coração, aí também estará o seu tesouro”. Mas as palavras reais de Jesus são mais profundas. O dinheiro muda o coração mais do que o coração decide como lidar com o dinheiro. O que Jesus quer destacar não é “você tende a colocar seu dinheiro nas coisas que importam para você”, mas “suas posses mudarão você, de modo que vai se importar mais com elas do que com outras coisas”. Escolha cuidadosamente as coisas que possui, pois você inevitavelmente começará a valorizá-las e protegê-las, até possivelmente chegar ao desprezo de tudo mais.

Podemos chamar isso de “Princípio do tesouro”, a saber, que o tesouro transforma. Aqueles que investem seus tesouros mais profundos nas coisas deste mundo descobrirão que não estão mais servindo a Deus, mas ao dinheiro (Mateus 6.24). Isso pode levar à ansiedade proveniente das incertezas do dinheiro (Mateus 6.25-34). Ele será corroído pela inflação? O mercado de ações vai desabar? Os títulos vão desvalorizar? O banco vai falir? Posso ter certeza de que aquilo que poupei será suficiente para lidar com qualquer coisa que possa vir a acontecer?

O antidoto é investir em coisas que possam satisfazer as necessidades genuínas das pessoas. Uma empresa que forneça água limpa ou roupas bem-feitas pode estar investindo no Reino de Deus, enquanto um investimento que depende de subsídios baseados em motivação política, mercado imobiliário superaquecido ou escassez de matéria-prima pode não estar. Esta passagem de Mateus 6 não é uma regra para gerenciamento de portfólio de investimento, mas de fato nos diz que nosso compromisso com os caminhos e meios do Reino de Deus se estendem para a maneira como gerenciamos a riqueza que temos.

A pergunta, então, está ligada ao tipo de atenção que você deveria dar às necessidades materiais e à acumulação de riqueza. Se você der uma atenção ansiosa, você é um tolo. Se permitir que elas destruam sua confiança em Deus, você está se tornando infiel. Se der atenção excessiva a elas, você se tornará ganancioso. Se adquirir coisas às custas de outras pessoas, você se tornará um tipo de opressor contra o qual o Reino de Deus se coloca.

Como discernir a linha entre a atenção à riqueza própria e a imprópria? Jesus responde: “Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas” (Mateus 6.33). As primeiras coisas em primeiro lugar. A despeito de nossa grande capacidade de enganarmos a nós mesmos, essa pergunta pode nos ajudar a observar cuidadosamente onde nosso tesouro nos colocou. Isso vai nos dizer alguma coisa sobre o nosso coração.

Orientação Moral (Mateus 7)

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Jesus nos chama à realidade em relação a nós mesmos, o que vai impedir que tenhamos preferências ou julguemos outras pessoas.

“Não julguem, para que vocês não sejam julgados” (Mateus 7.1-5)

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Jesus nos chama à realidade em relação a nós mesmos, o que vai impedir que tenhamos preferências ou julguemos outras pessoas:

Não julguem, para que vocês não sejam julgados. Pois da mesma forma que julgarem, vocês serão julgados; e a medida que usarem, também será usada para medir vocês.
Por que você repara no cisco que está no olho do seu irmão, e não se dá conta da viga que está em seu próprio olho? Como você pode dizer ao seu irmão: “Deixe-me tirar o cisco do seu olho”, quando há uma viga no seu? Hipócrita, tire primeiro a viga do seu olho, e então você verá claramente para tirar o cisco do olho do seu irmão. (Mateus 7.1-5)

Aparentemente isto cria um problema no ambiente de trabalho. O trabalho bem-sucedido costuma depender de avaliações do caráter e do trabalho de outras pessoas. Os chefes precisam avaliar seus subordinados e, em algumas organizações, vice-versa. É comum termos de decidir em quem confiar, quem escolher como parceiro, quem empregar, a quais organizações nos unir. Mas Mateus 7.5, com a palavra hipócrita e a admoestação “tire primeiro a viga do seu olho”, mostra que Jesus está falando contra o julgamento falso ou desnecessário, não contra a avaliação honesta. O problema é que estamos constantemente fazendo julgamentos de forma inconsciente. As imagens mentais que formamos de outros em nossos ambientes de trabalho se baseiam mais em nossas percepções tendenciosas do que na realidade. Em parte, isso acontece porque vemos nos outros qualquer coisa que sirva para nos fazer sentir melhor em relação a nós mesmos. Em parte, é para justificar nossas próprias ações quando não agimos como servos dos outros. Em parte, é porque carecemos de tempo ou disposição para reunir informação verdadeira, o que é muito mais difícil de fazer do que armazenar impressões aleatórias.

Pode ser impossível superar essa tendência de emitir falso julgamento por nossa própria iniciativa. É por isso que sistemas de avaliação consistentes e baseados em fatos são tão importantes no ambiente de trabalho. Um bom sistema de avaliação de desempenho exige que gerentes reúnam evidências reais de performance, discutam diferentes percepções com os empregados e reconheçam as propensões comuns. Em nível pessoal, com pessoas entre as quais não exista uma relação chefe-subordinado, podemos alcançar um tanto das mesmas imparcialidades perguntando a nós mesmos “que papel tenho nisso?” quando notarmos que estamos formando um julgamento contra outra pessoa. “Quais evidências me levam a essa conclusão? De que maneira esse julgamento me beneficia? O que aquela pessoa diria em resposta a esse julgamento?” Talvez a maneira mais segura de remover a viga do nosso próprio olho é levar nosso julgamento diretamente à outra pessoa e pedir-lhe que responda à nossa percepção. (Veja a seção sobre resolução de conflitos em Mateus 18.15-17, mais adiante.)

“Façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam”: a Regra de Ouro (Mateus 7.12)

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“Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam; pois esta é a Lei e os Profetas” (Mateus 7.12). Isso nos leva de volta à justiça verdadeira, o reparo e a sustentação de relacionamentos justos tanto no trabalho como em outros lugares. Se tivermos tempo para apenas uma pergunta antes de tomar uma decisão sobre uma ação, a melhor pergunta pode ser: “É isso que eu gostaria que fosse feito para mim?”.

Jesus cura várias pessoas (Mateus 8—9)

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Nos capítulos 5 a 7, ouvimos Jesus ensinar sobre o Reino dos céus que chega à terra. Nos capítulos 8 a 9, nós o vemos encenando este Reino por meio de atos de compaixão e misericórdia. Ele cura um leproso condenado ao ostracismo (Mateus 8.1-4), tem compaixão de um oficial das forças de ocupação romanas (Mateus 8.5-13) e liberta endemoninhados que estavam no meio de uma tempestade perfeita de miséria (Mateus 8.28—9.1). Em todos esses casos, a compaixão de Jesus levou-o a agir para reivindicar a criação de Deus. A compaixão de seus seguidores pode ser expressa em maneiras igualmente práticas.

Enquanto demonstra a chegada do Reino, Jesus chama aqueles que o seguem de “trabalhadores” (Mateus 9.37-38). Alguns de nós são levados a trabalhar em cura física e emocional, algo semelhante à obra de Jesus mostrada nestes capítulos. Outros são levados a trabalhar em ocupações que fornecem alimento, água, abrigo, transporte, educação, cuidados de saúde, justiça, segurança ou bom governo, similar à obra de Jesus de fornecer produtos de madeira até por volta dos trinta anos de idade. Dado o tempo que Jesus passou curando pessoas, é surpreendente que a maioria das pessoas pense nele como um pregador, em vez de como um médico. Ainda outros são levados a expressar sua criatividade na arte, no empreendedorismo, design, moda, pesquisa e desenvolvimento, feitos como somos à imagem de um Deus criativo (Gênesis 1). A questão é que, para Jesus, não existe separação entre o secular e o sagrado, entre os aspectos espiritual e físico de anunciar o Reino de Deus.

O trabalhador é digno do seu sustento (Mateus 10)

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No capítulo 10, Jesus envia seus discípulos para proclamar o Reino que chega e para demonstrá-lo por meio de atos poderosos de misericórdia e compaixão. Ele os instrui a não preparar provisões para suas necessidades (Mateus 10.9-10), mas, em vez disso, depender da generosidade das pessoas. Ele deixa claro que o evangelho não deve se tornar uma questão de comércio: “Vocês receberam de graça; deem também de graça” (Mateus 10.8).

A lição para nós aqui é que ganhar dinheiro e pensar em finanças não é algo ruim; o fato é que Deus nos provê através de nosso trabalho, porque “o trabalhador é digno do seu sustento” (Mateus 10.10). Mas a advertência é contra permitir que nossos ganhos se tornem o foco principal no trabalho. Como trabalhadores sujeitos ao Senhor do novo Reino, nosso foco principal está no valor do trabalho, não no contracheque. As instruções de Jesus aqui têm o propósito de manter Deus no lugar de destaque de nosso coração (cf. Tiago 4.13-16). Seja qual for a assinatura que aparece no nosso holerite, em última análise é Deus quem está assinando tudo.

O meu jugo é suave (Mateus 11.28-30)

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À medida que caminhamos pelo Evangelho de Mateus, vemos que a oposição a Jesus — sua mensagem e suas ações — está aumentando. Ela chega ao ápice em Mateus 12.14, diante da decisão dos líderes religiosos de pará-lo, ainda que isso significasse ter de matá-lo. Isso prefigura e dá início ao final para o qual a narrativa inteira está apontando: a crucificação de Jesus em Jerusalém. Ciente do que o espera no futuro, Jesus ainda assim diz aos seus seguidores:

Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve. (Mateus 11.28-30)

Se realizarmos nosso trabalho em união com ele, encontraremos satisfação e experimentaremos bons relacionamentos com Deus e com as pessoas.[1] Quando Deus deu uma tarefa para Adão realizar no Jardim do Éden, o trabalho era suave e o fardo era leve sob a autoridade de Deus. Quando o casal humano se rebelou contra seu Criador, o caráter do trabalho mudou para uma labuta pesada contra espinhos e ervas daninhas (Gênesis 3). Jesus nos convida a trabalhar em parceria com ele com a promessa de descanso para a nossa alma. (Você encontrará mais sobre trabalhar juntamente com Cristo em “2Coríntios 6.14-18” em 2Coríntios e o trabalho, em www.teologiadotrabalho.org.)

Trabalho no sábado (Mateus 12.1-8)

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Uma das principais áreas de conflito entre Jesus e seus oponentes era a questão da guarda do sábado. Nesta passagem, Jesus é criticado pelos líderes religiosos por permitir que seus seguidores colhessem e comessem grãos no sábado. Os fariseus consideravam que isso era um trabalho, o que era proibido no sábado. Jesus despreza tanto a interpretação quanto a motivação deles. Ele argumenta que colher apenas grãos suficientes para satisfazer a fome imediata não é uma quebra do sábado, porque tanto o rei Davi quanto os sacerdotes do templo fizeram isso sem incorrer numa repreensão por parte de Deus (Mateus 12.3-5). Além do mais, a verdadeira fidelidade à lei de Moisés deveria ser motivada pela compaixão e pela misericórdia (Mateus 12.6). O amor de Deus pela misericórdia (permitir que pessoas famintas colhessem grãos para comer) é maior do que o desejo de Deus pelos sacrifícios (seguir as regulamentações do sábado), como já havia sido revelado em Miqueias 6.6-8. O presente de um dia de descanso a cada semana é uma promessa de Deus de que não temos de trabalhar incessantemente apenas para nos sustentar. Não é um julgamento contra aliviar a fome ou a necessidade de alguém no sábado.

A conexão entre o sábado judaico e a adoração cristã no domingo, bem como a aplicação da lei do sábado judaico à vida cristã, são discutidas em maior profundidade nas seções “Marcos 1.21-45” e “Marcos 2.23—3.6” em Marcos e o trabalho, nas seções “Lucas 6.1-11; 3.10-17” em Lucas e o trabalho e no artigo Descanso e trabalho em www.teologiadotrabalho.org.

Parábolas do Reino (Mateus 13)

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A partir do capítulo 13, em razão da oposição, o estilo de ensino de Jesus muda. Em vez de proclamar o Reino claramente, ele começa a falar por meio de parábolas, as quais são significativas para os crentes, mas incompreensíveis para os descrentes. A maioria dessas histórias breves tem relação com trabalhadores: um semeador lançando sementes (Mateus 13.3-9); um mulher misturando fermento numa massa (Mateus 13.33); um caçador de tesouros (Mateus 13.44); um negociante de pérolas (Mateus 13.45-46); alguns pescadores (Mateus 13.47-50) e o dono de uma casa (Mateus 13.52). Em sua maioria, não são histórias que tratam do trabalho que mencionam. Jesus não nos diz como semear adequadamente um campo, como assar um pão ou como investir em commodities. Em vez disso, Jesus usa objetos materiais e trabalho humano como elementos de histórias que nos dão insights sobre o Reino de Deus. Nosso trabalho é capaz de produzir significado, mesmo na ilustração de realidades eternas. Isso nos lembra que nós e o mundo ao nosso redor brotamos da criação de Deus e continuamos sendo parte do Reino de Deus.

Pagamento de impostos (Mateus 17.24-27 e 22.15-22)

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Nos dias de Jesus, os judeus pagavam impostos tanto localmente, ao templo judaico, quanto ao governo pagão, de Roma. Mateus registra dois casos distintos que descrevem a visão de Jesus sobre o pagamento desses impostos. O primeiro incidente é registrado em Mateus 17.24-27, quando os coletores do imposto do templo perguntam a Pedro se Jesus pagava esse tributo. Ciente dessa conversa, Jesus indaga a Pedro: “O que você acha, Simão? De quem os reis da terra cobram tributos e impostos: de seus próprios filhos ou dos outros?”. Pedro responde: “Dos outros”. Jesus então lhe diz: “Então os filhos estão isentos. Mas para não escandalizá-los, vá ao mar e jogue o anzol. Tire o primeiro peixe que você pegar, abra-lhe a boca, e você encontrará uma moeda de quatro dracmas. Pegue-a e entregue-a a eles, para pagar o meu imposto e o seu”.

O segundo incidente, envolvendo o imposto romano, está registrado em Mateus 22.15-22. Aqui, fariseus e herodianos querem enganar Jesus fazendo-lhe a seguinte pergunta: “É certo pagar imposto a César ou não?”. Jesus percebe a malícia no coração deles e responde com uma pergunta penetrante: “Hipócritas! Por que vocês estão me pondo à prova? Mostrem-me a moeda usada para pagar o imposto”. Quando lhe entregam um denário, ele pergunta: “De quem é esta imagem e esta inscrição?”. Eles respondem: “De César”. Jesus, então, põe fim à conversa com estas palavras: “Então, deem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

Nossa verdadeira cidadania é a do reino de Deus, a cujos propósitos dedicamos nossos recursos. No entanto, entregamos aos poderes terrenos o que é devido. O pagamento de impostos é uma das obrigações fundamentais que nós, cidadãos ou residentes, assumimos pelos serviços que desfrutamos em qualquer sociedade civilizada. Esses serviços incluem o trabalho dos que prestam socorro (polícia, bombeiros, médicos e assim por diante), bem como as estruturas sociais em vigor que garantem justiça ou ajudam pobres, idosos e outros necessitados. O governo do Império Romano não tinha como foco principal o benefício do povo, mas, mesmo assim, fornecia estradas, água, policiamento e, às vezes, ajuda aos pobres. Talvez nem sempre concordemos quanto ao tipo ou à extensão dos serviços que nosso governo deve fornecer, mas sabemos que os impostos são essenciais para garantir nossa proteção pessoal e a ajuda àqueles que não podem se manter sozinhos.

Embora nem todas as atividades governamentais sirvam aos propósitos de Deus, Jesus não pede que desrespeitemos as exigências fiscais das nações onde residimos (Rm 13.1-10; 1Ts 4.11-12). Jesus está dizendo, em essência, que não precisamos necessariamente resistir ao pagamento de impostos por uma questão de princípio. A todo momento devemos fazer “todo o possível para viver em paz com todos” (Rm 12.18; Hb 12.14; cf. 1Pe 2.12), ao mesmo tempo em que também devemos viver como luzes que brilham nas trevas (Mt 5.13-16; Fp 2.15). Termos emprego e nos recusarmos a pagar os impostos, uma atitude que desonra o reino de Deus, não seria pacificador nem simpático.

Isso tem relação direta com o trabalho. Os ambientes de trabalho estão sujeitos às leis e aos poderes governamentais, além de aos impostos. Alguns governos têm leis e práticas que podem violar a ética e os propósitos cristãos, como era o caso de Roma no primeiro século. Governos ou seus funcionários podem exigir subornos, impor regras e regulamentos antiéticos, sujeitar pessoas a sofrimento e injustiça, e usar os impostos para fins contrários à vontade de Deus. Como acontece com os impostos, Jesus não exige que resistamos a cada um desses abusos. Somos como espiões ou guerrilheiros em território inimigo. Não podemos ficar atolados, lutando contra o reino inimigo em todas as frentes. Em vez disso, devemos agir estrategicamente, sempre perguntando o que mais promoverá o estabelecimento do reino de Deus na terra. É claro que nunca devemos nos envolver em práticas abusivas para benefício próprio. (Esse tópico também é discutido em Questões com impostos (Lucas 19.1-10; 20.20-26) em Lucas e o trabalho em www.teologiadotrabalho.org.)

Vivendo no Novo Reino (Mateus 18—25)

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Nos capítulos 18 a 25 do Evangelho de Mateus, Jesus apresenta imagens concretas de como é a vida no reino de Deus. Em muitos casos, essas imagens se aplicam particularmente ao trabalho.

Resolução de conflitos (Mateus 18.15-35)

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Todos os locais de trabalho experimentam conflitos. Nesta passagem, Jesus nos dá um modelo para lidar com alguém que nos prejudicou. Ele não diz “vingue-se!” ou “revide!”. Em vez disso, apresenta um processo que começa com a busca individual da reconciliação. A bem-aventurança da humildade (Mt 5.5) significa deixar sua autojustificação de lado por tempo suficiente para que você possa se expressar de maneira respeitosa e factual à pessoa que o feriu, bem como para se abrir à perspectiva dela (Mt 18.15). Isso não significa submeter-se a mais abusos, mas abrir-se para a possibilidade de que sua percepção não seja universal. Mas suponha que isso não resolva o conflito. O segundo passo alternativo é pedir a pessoas que conhecem ambas as partes que o acompanhem enquanto você retoma o problema com a pessoa que lhe causou dor ou feriu-o. Se o conflito ainda não for resolvido, leve o assunto à liderança (a igreja, em Mateus 18.16, passagem que aborda especificamente o conflito na igreja) para um julgamento imparcial. Se esse julgamento não resolver o problema, o ofensor que não acatá-lo deve ser removido da comunidade (Mt 18.17).

Embora Jesus estivesse falando sobre conflito com outro membro da igreja (Mt 18.15), seu método é um notável precursor daquela que agora é reconhecida como a melhor prática a ser adotada no local de trabalho. Mesmo os melhores ambientes de trabalho vivenciam conflitos. Quando isso acontece, a única solução eficaz é que aqueles em desacordo conversem diretamente, em vez de reclamarem com outros. Em lugar de tornar público um conflito pessoal, converse com a pessoa em particular. Na era da comunicação eletrônica, a abordagem de Jesus é mais importante do que nunca. Basta um ou dois nomes na linha “cc:” ou um toque no botão “responder a todos” para transformar uma simples diferença em uma briga no escritório. Mesmo que duas pessoas consigam manter a troca de e-mails apenas entre si, as possibilidades de mal-entendidos se multiplicam quando um meio impessoal, como o e-mail, é usado. Talvez seja melhor seguir o conselho de Jesus de forma literal: “Vá e, a sós com ele, mostre-lhe o erro” (Mt 18.15).

Apontar falhas é uma via de mão dupla. Também precisamos estar abertos a ouvir as falhas que nos são atribuídas. Ouvir — Jesus menciona três vezes a palavra “ouvir” nesses três versículos — é o elemento crucial. Os modelos contemporâneos de resolução de conflitos geralmente se concentram em fazer com que as partes se ouçam, preservando a opção de discordarem. É comum que a escuta atenta leve à descoberta de uma resolução mutuamente aceitável. Caso contrário, outras pessoas com as habilidades e a autoridade apropriadas são convidadas a se envolver.

O jovem rico (Mateus 19.16-30)

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A questão do dinheiro, discutida anteriormente em Mateus 6, surge novamente aqui, com a história do jovem rico que foi atraído a Jesus. O jovem pergunta a Jesus: “Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna?”. Jesus lhe diz que guarde os mandamentos, e ele responde que já tem feito isso. Um elemento distintivo na narrativa de Mateus é que o jovem então pergunta a Jesus: “O que me falta ainda?”. Ele mostra grande perspicácia ao fazer essa pergunta. Podemos fazer tudo que parece certo, e ainda assim ter consciência de que algo não está certo. Jesus responde: “Venda os seus bens e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro nos céus. Depois, venha e siga-me” (Mt 19.21).

Sabemos pelos quatro Evangelhos que Jesus não chamou todos os seus ouvintes a doarem todos os seus bens. Nem todas as pessoas estão de tal forma sobrecarregadas por suas posses quanto esse jovem estava. Em seu caso, o desafio foi radical em razão de seu forte apego à riqueza (Mt 19.22). Deus sabe exatamente o que está em nosso coração e o que é necessário para que o sirvamos.

Estaria nosso tesouro em coisas como trabalho, emprego, desempenho, habilidades e fundos de aposentadoria? Essas coisas são boas (presentes de Deus) em seu devido lugar. Mas são secundárias quando se trata de buscar em primeiro lugar o reino de Deus (Mt 6.33) e um relacionamento correto (justo) com Deus e com os outros. Devemos preservar nossa riqueza e nosso trabalho com as mãos abertas, para que, como o jovem rico, não acabemos lamentavelmente nos afastando de Deus. (Essa história é discutida em maior profundidade nos comentários de Marcos 10.17-31 e Lucas 18.18-30 em www.teologiadotrabalho.org.)

Os trabalhadores da vinha (Mateus 20.1-16)

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Esta parábola é exclusiva do Evangelho de Mateus. O proprietário de uma vinha contrata diaristas em vários horários ao longo do dia. Os contratados às seis horas da manhã trabalham um dia inteiro. Os contratados às cinco horas da tarde trabalham apenas uma hora. Mas o proprietário paga a todos o salário de um dia inteiro (um denário). Ele faz questão de garantir que todos saibam que todos são pagos da mesma forma, apesar da quantidade diferente de horas trabalhadas. Não é surpresa que os primeiros contratados reclamem ao proprietário por trabalharam mais tempo sem ganhar mais que aqueles que começaram no final do dia. “Mas ele respondeu a um deles: ‘Amigo, não estou sendo injusto com você. Você não concordou em trabalhar por um denário? [...] Não tenho o direito de fazer o que quero com o meu dinheiro? Ou você está com inveja porque sou generoso?’ Assim, os últimos serão primeiros, e os primeiros serão últimos” (Mt 20.13,15-16).

Ao contrário da parábola do semeador (Mt 13.3-9; 18-23), Jesus não nos dá uma interpretação explícita. Como resultado, os estudiosos já ofereceram muitas interpretações. Como as pessoas da história são trabalhadores e gerentes, alguns supõem que ela trata de trabalho. Nesse caso, parece dizer “não compare seu salário com o dos outros” ou “não fique insatisfeito se os outros receberem mais ou trabalharem menos do que você em um cargo semelhante”. Pode-se argumentar se essas são de fato boas práticas para os trabalhadores. Se você ganha um salário decente, por que sentir-se infeliz pelo fato de outros terem um salário melhor? Mas essa interpretação da parábola também pode ser usada para justificar práticas trabalhistas injustas ou abusivas. Alguns trabalhadores podem receber salários mais baixos por razões injustas, como raça, sexo ou condição de imigrante. Jesus estaria dizendo que devemos nos contentar quando nós ou outros trabalhadores são tratados injustamente?

Além disso, pagar o mesmo às pessoas, independentemente do volume de trabalho realizado, é uma prática comercial questionável. Não seria um forte incentivo para todos os trabalhadores aparecerem às cinco horas da tarde do dia seguinte? E que tal tornar pública a remuneração de todos? Isso de fato reduziria o escopo para intrigas. Mas seria uma boa ideia forçar aqueles que trabalham mais horas a assistir àqueles que trabalharam apenas uma hora receberem um salário idêntico? Parece algo calculado para causar conflitos trabalhistas. Pagar por desempenho inferior, para levar a parábola ao pé da letra, não parece ser uma receita para o sucesso nos negócios. Será que Jesus realmente defende essa prática de pagamento?

Talvez a parábola não seja realmente sobre trabalho. O contexto geral é que Jesus está dando exemplos surpreendentes daqueles que pertencem ao reino de Deus: por exemplo, crianças (Mt 19.14), que legalmente nem sequer são donas de si mesmas. Ele deixa claro que o reino não pertence aos ricos, ou pelo menos não a muitos deles (Mt 19.23-26). Pertence àqueles que o seguem, especialmente se sofrerem perdas. “Muitos primeiros serão últimos, e muitos últimos serão primeiros” (Mt 19.30). A presente parábola é seguida imediatamente por outra que termina com as mesmas palavras: “Os últimos serão primeiros, e os primeiros serão últimos” (Mt 20.16). Isso sugere que a história é uma continuação da discussão em torno daqueles a quem o reino pertence. A entrada no reino de Deus não é conquistada por trabalho ou ação de nossa parte, mas pela generosidade de Deus.

Mesmo entendendo que a parábola trata da generosidade de Deus no reino dos céus, ainda assim podemos perguntar como ela se aplica ao trabalho. Se você está sendo pago de forma justa, o conselho sobre se contentar com seu salário permanece. Se outro trabalhador recebesse um benefício inesperado, não seria elegante se alegrar, em vez de resmungar?

Mas há também uma aplicação mais ampla. Na parábola, o proprietário paga a todos os trabalhadores o suficiente para que sustentem sua família. [1] A situação social nos dias de Jesus forçava muitos pequenos agricultores a deixarem suas terras por causa de dívidas contraídas para pagar os impostos romanos. Isso violava a ordem do Deus de Israel segundo a qual a terra não poderia ser tirada de quem a cultivasse (Lv 25.8-13), mas isso sem dúvida não tinha importância para os romanos. Consequentemente, grandes grupos de homens desempregados se formavam todas as manhãs, na esperança de que fossem contratados para o dia. Eles eram os trabalhadores deslocados, desempregados e subempregados de sua época. Aqueles que ainda esperavam às cinco horas da tarde tinham poucas chances de ganhar o suficiente para comprar comida para a família naquele dia. No entanto, o proprietário da vinha paga até mesmo a esses o salário de um dia inteiro.

Se o proprietário da vinha representa Deus, então essa é uma mensagem poderosa que proclama que, no reino de Deus, trabalhadores deslocados e desempregados encontram um trabalho que atende a suas necessidades e às daqueles que dependem deles. Já ouvimos Jesus dizer que “o trabalhador é digno do seu sustento” (Mt 10.10). Isso não significa necessariamente que os empregadores terrenos tenham a responsabilidade de atender a todas as necessidades de seus funcionários. Os empregadores terrenos não são Deus. Em vez disso, a parábola é uma mensagem de esperança para todos que lutam a fim de encontrar um emprego adequado. No reino de Deus, todos encontraremos um trabalho que atenda a nossas necessidades. A parábola também é um desafio para aqueles que participam da formação das estruturas de trabalho na sociedade de hoje. Os cristãos podem fazer algo para promover esse aspecto do reino de Deus neste momento?

Liderança servidora (Mateus 20.20-28)

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Apesar dessa parábola sobre a graça e a generosidade de Deus, apesar de ouvir Jesus comentar duas vezes que os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros, os discípulos de Jesus ainda não tinham entendido a questão. A mãe de Tiago e de João pede a Jesus que conceda a seus dois filhos os lugares de maior destaque em seu reino vindouro. Os dois homens estão ali, e Jesus se volta para eles e pergunta: “Podem vocês beber o cálice que eu vou beber?”. Eles respondem: “Podemos”. “Quando os outros dez discípulos ouviram isso, ficaram indignados”. Jesus aproveita essa oportunidade para questionar suas noções de proeminência.

Vocês sabem que os governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês. Ao contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo, e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo; como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos. (Mt 20.25-28)

A verdadeira liderança é encontrada no servir aos outros. A forma como isso acontece varia de acordo com o local de trabalho e a situação. Isso não significa que um CEO deva varrer o chão ou limpar os banheiros uma vez por mês, nem que qualquer trabalhador possa usar a ajuda a outra pessoa como desculpa para não fazer bem o seu trabalho. Significa, sim, que realizamos nosso trabalho com o objetivo de servir a clientes, colegas de trabalho, acionistas e outras pessoas a quem nosso trabalho afeta. Max De Pree foi por muito tempo CEO da Herman Miller e membro do Hall da Fama da Fortune. Ele escreveu em seu livro Liderar é uma arte: “A primeira responsabilidade de um líder é definir a realidade. A última é agradecer. Entre as duas, o líder deve se tornar um servo e um devedor. Isso resume o progresso de um líder habilidoso”. [1]

O servo é a pessoa que conhece sua pobreza espiritual (Mt 5.3) e exerce poder sob o controle de Deus (Mt 5.5) para manter relacionamentos corretos. O líder-servo pede desculpas por seus erros (Mt 5.4), mostra misericórdia quando outros falham (Mt 5.7), promove a paz quando possível (Mt 5.9) e suporta críticas imerecidas ao tentar servir a Deus (Mt 5.10) com integridade (Mt 5.8). Jesus estabeleceu o padrão em suas próprias ações em nosso favor (Mt 20.28). Mostramos que somos seguidores de Cristo ao seguir seu exemplo.

A Parábola dos Dois Filhos (Mateus 21.28-32)

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A parábola dos dois filhos (Mt 21.28-32) é a história de dois irmãos que ouvem do pai que devem ir trabalhar em sua vinha. Um diz ao pai que o fará, mas não o faz. O outro diz ao pai que não vai, mas acaba trabalhando o dia todo entre as videiras. Jesus então faz a seguinte pergunta: “Qual dos dois fez a vontade do pai?”. A resposta é clara: aquele que de fato trabalhou, embora inicialmente tivesse se recusado a fazê-lo. Essa parábola é uma continuação de histórias anteriores em Mateus sobre as pessoas que realmente fazem parte do reino de Deus. Dirigindo-se aos líderes religiosos presentes em sua audiência, Jesus diz que “os publicanos e as prostitutas estão entrando antes de vocês no Reino de Deus” (Mt 21.31). [1] As pessoas que parecem menos religiosas entrarão no reino de Deus à frente dos líderes religiosos, porque, no final, farão a vontade de Deus.

No trabalho, isso nos lembra que as ações falam mais alto que as palavras. Muitas organizações têm declarações de missão que afirmam que seus principais objetivos são atendimento ao cliente, qualidade do produto, integridade diante do Estado, e a primazia de seu pessoal entre outras coisas do gênero. No entanto, muitas dessas organizações deixam a desejar no serviço, na qualidade, na integridade e na relação com os funcionários. Os indivíduos podem fazer a mesma coisa, exaltando seus planos mas falhando em sua implementação. Organizações e indivíduos que caem nessa armadilha podem ter boas intenções e talvez não reconheçam que estão deixando de praticar sua retórica. Os locais de trabalho precisam tanto de sistemas eficazes para implementar sua missão e objetivos como sistemas de monitoramento imparciais para fornecer feedback confiável.

A Parábola dos Lavradores (Mateus 21.33-41)

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A parábola contada logo em seguida é a dos lavradores perversos (Mt 21.33-41), que se passa em um local de trabalho, a saber, uma vinha. No entanto, Jesus deixa claro que ele não está falando sobre administrar uma vinha, mas sobre a rejeição e o assassinato dos quais seria vítima por instigação das autoridades religiosas judaicas de sua época (Mt 21.45). A chave para aplicá-la ao local de trabalho de hoje é o versículo 43: “O Reino de Deus será tirado de vocês e será dado a um povo que dê os frutos do Reino”. Todos nós recebemos responsabilidades no trabalho. Se nos recusarmos a cumpri-las em obediência a Deus, estaremos trabalhando em desacordo com o reino de Deus. Em todo trabalho, nossa derradeira avaliação de desempenho vem de Deus.

O Grande Mandamento é uma Grande Estrutura (Mateus 22.34-40)

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Os líderes judeus dos dias de Jesus debatiam com frequência sobre a importância relativa dos mandamentos. Alguns sustentavam que a observância do sábado era o mais importante deles. Outros valorizavam a circuncisão acima de tudo. Ainda outros acreditavam, como muitos judeus modernos acreditam hoje, que o mandamento mais importante é encontrado em Deuteronômio 6.5: “Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todas as suas forças”.

Portanto, quando um perito da lei pede a Jesus que pondere sobre a questão “qual é o maior mandamento da Lei?” (Mateus 22.36), poderia estar pedindo a Jesus que escolhesse um lado em um debate já contencioso.

No entanto, Jesus mergulha em uma nova área de discernimento, respondendo não apenas qual mandamento é o maior, mas apresentando como as pessoas poderiam cumpri-lo. “Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento”, diz Jesus, acrescentando um segundo mandamento — de Levítico 19.18, “ame cada um o seu próximo como a si mesmo” — que ele une ao primeiro ao dizer que é “semelhante a ele”. (Veja o Comentário Bíblico PTT sobre Levítico 19.17-18). Pela lógica de Jesus, amar a Deus está ligado de forma indissociável a amar as pessoas. João ecoa essa declaração quando diz que “se alguém afirmar: ‘Eu amo a Deus’, mas odiar seu irmão, é mentiroso” (1Jo 4.20).

O trabalho é uma das principais maneiras pelas quais podemos amar as pessoas. O local de trabalho costuma ser o lugar onde encontramos a maior diversidade de pessoas, e sua proximidade conosco, dia após dia, lança-nos o desafio único de amar pessoas diferentes de nós. Também amamos os outros por meio do trabalho quando ele atende às necessidades importantes dos clientes ou de outras partes interessadas. Para obter mais exemplos, consulte Nosso trabalho cumpre o maior mandamento (Mc 12.28-34) e O bom samaritano em ação – amando o próximo como a si mesmo (Lc 10.25-37).

Jesus, porém, não apenas nos ordena que amemos os outros, mas que amemos os outros como amamos a nós mesmos. Como isso se dá no local de trabalho? É a atitude de uma cozinheira que verifica duas vezes a temperatura interna de um hambúrguer depois que alguém diz “isso parece bom para você?”, porque é o que ela faria se preparasse o hambúrguer para si mesma. É um vendedor que chama um colega mais experiente quando um cliente faz uma pergunta para a qual ele não tem certeza de saber a resposta — em vez de dar uma resposta que ele supõe ser a certa — porque ele mesmo gostaria de obter essa informação antes de fechar a compra. É um mecânico que refaz o trabalho no freio que ele acabou de concluir porque ouviu um barulho estranho e é isso que ele faria antes de dirigir seu próprio carro. É um empresário perguntando a seus colegas: “É possível que não a estejamos levando a sério o suficiente pelo fato de ela ser mulher?”, ciente de que gostaria que um colega o defendesse quando ele estivesse sendo incompreendido.

Esses são pequenos exemplos, mas cada um deles pode ter um preço — uma comissão perdida, uma hora de tempo não faturável, uma noite de sono curta, perda de acesso ao círculo interno do poder. Nosso trabalho como um todo tem o potencial de servir e, portanto, amar o próximo. Contudo, amar o próximo como a si mesmo pode exigir riscos que certamente correríamos para servir nossos próprios fins, mas que se agigantam quando são assumidos apenas em benefício de outra pessoa. É realmente um padrão alto, e talvez essa seja a razão de Jesus unir “ame o seu próximo como a si mesmo” a “ame o Senhor” no Grande Mandamento.

A Parábola do Servo Fiel (Mateus 24.45-51)

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Esta parábola é sobre um servo que foi encarregado de toda a casa, o que incluía a responsabilidade de dar a outros servos sua porção de alimento no tempo devido. Jesus diz: “Feliz o servo que seu senhor encontrar fazendo assim quando voltar” (Mt 24.46). Esse servo será promovido e assumirá uma responsabilidade adicional. Em contrapartida, Jesus observou:

Mas suponham que esse servo seja mau e diga a si mesmo: “Meu senhor está demorando”, e então comece a bater em seus conservos e a comer e a beber com os beberrões. O senhor daquele servo virá num dia em que ele não o espera e numa hora que não sabe. Ele o punirá severamente e lhe dará lugar com os hipócritas, onde haverá choro e ranger de dentes. (Mt 24.48-51)

Em um contexto de trabalho moderno, o servo da parábola seria equivalente a um gerente com um dever para com os proprietários enquanto gerencia outros trabalhadores. Os interesses do proprietário são atendidos apenas quando as necessidades dos trabalhadores são atendidas. O gerente tem responsabilidades para com aqueles que estão acima e abaixo dele em termos de autoridade. Jesus diz que é dever do líder-servo estar atento às necessidades daqueles que estão tanto abaixo quanto acima dele. Não pode justificar os maus-tratos àqueles sob sua autoridade alegando que isso de alguma forma visa ao benefício de seus superiores. Jesus retrata essa realidade de forma dramática na punição aplicada ao trabalhador que se preocupa apenas com os próprios interesses (Mt 24.48-51).

A Parábola dos Talentos (Mateus 25.14-30)

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Uma das parábolas mais significativas de Jesus a respeito do trabalho tem como contexto os investimentos (Mt 25.14-30). Um homem rico delega a administração de sua riqueza a seus servos, assim como fazem os investidores nos mercados de hoje. Ele dá cinco talentos (uma grande soma de dinheiro) [1] ao primeiro servo, dois talentos ao segundo e um talento ao terceiro. Dois dos servos ganham 100% de retorno negociando os fundos, mas o terceiro servo esconde o dinheiro no chão e não ganha nada. O rico volta, recompensa os dois que ganharam dinheiro, mas pune severamente o servo que não fez nada.

O significado da parábola vai muito além dos investimentos financeiros. Deus deu a cada pessoa uma grande variedade de dons e espera que os empreguemos em seu serviço. Não é aceitável simplesmente colocar esses presentes na prateleira do armário e ignorá-los. Assim como os três servos, não temos dons do mesmo grau. O retorno que Deus espera de nós é proporcional aos dons que recebemos. O servo que recebeu um talento não foi condenado por não alcançar a meta de cinco talentos; ele foi condenado por não fazer nada com o que lhe foi dado. O dons que recebemos de Deus incluem aptidões, habilidades, conexões familiares, posições sociais, educação, experiências e muito mais. O ponto da parábola é que devemos usar tudo que nos foi dado para os propósitos de Deus. As graves consequências para o servo improdutivo, muito além de qualquer coisa desencadeada pela pura mediocridade nos negócios, nos dizem que devemos investir nossa vida, não desperdiçá-la.

No entanto, o talento específico investido na parábola é dinheiro, da ordem de um milhão de dólares americanos em valores atuais. Em nosso idioma, essa informação é perdida, uma vez que a palavra talento passou a se referir principalmente a habilidades ou aptidões. Mas essa parábola diz respeito ao dinheiro. Ela mostra o investimento, e não a acumulação, como algo piedoso a se fazer, contanto que ele cumpra propósitos piedosos de maneira piedosa. No final, o mestre elogia os dois servos de confiança com as palavras “muito bem, servo bom e fiel!” (Mt 25.23). Vemos nessas palavras que o mestre se preocupa com os resultados (“muito bem”), os métodos (“bom”) e a motivação (“fiel”).

Apontando mais especificamente para o local de trabalho, a parábola recomenda colocar o capital em risco em busca de retorno. Às vezes, os cristãos falam como se o crescimento, a produtividade e o retorno do investimento fossem profanos para Deus. Mas essa parábola derruba essa ideia. Devemos investir habilidades e aptidões, bem como riqueza e recursos disponibilizados a nós no trabalho, enfim, tudo para os assuntos do reino de Deus. Isso inclui a produção de bens e serviços necessários. O voluntário que ensina na escola dominical está cumprindo essa parábola. O mesmo acontece com o empresário que abre um novo negócio e dá emprego a outras pessoas, o administrador de serviços de saúde que inicia uma campanha de conscientização sobre a AIDS e o operador de máquina que desenvolve uma inovação de processo.

Deus não concede às pessoas dons idênticos ou necessariamente iguais. Se fizer o melhor que puder com os dons dados a você por Deus, ouvirá seu “muito bem”. Não apenas os dons, mas também as pessoas têm o mesmo valor. Ao mesmo tempo, a parábola termina com o talento retirado do terceiro servo sendo dado ao que tinha dez talentos. Valor igual não significa necessariamente compensação igual. Algumas posições exigem mais habilidade ou aptidão e, portanto, são compensadas de acordo. Os dois servos que se saíram bem são recompensados ​​com quantias diferentes. Mas ambos são elogiados de forma idêntica. A implicação da parábola é que devemos usar todos os talentos que nos foram dados da melhor maneira possível para a glória de Deus e, quando assim fizermos, estaremos em igualdade de condições com outros servos de Deus fiéis e confiáveis.

Para uma discussão da parábola muito semelhante das dez minas, ver Lucas 19.11-27 em Lucas e o Trabalho em www.teologiadotrabalho.org.

Para ler mais sobre dons e chamado, consulte Visão geral do chamado e da vocação. Para ler mais sobre como usar nossos dons em comunidade, consulte Comunidades repletas de dons (1Coríntios 12.1—14.40).

Ovelhas e bodes (Mateus 25.31-46)

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O ensinamento final de Jesus nesta seção examina o tratamento que damos aos necessitados. Segundo este relato, quando Jesus voltar em sua glória, ele se sentará em seu trono e separará as pessoas “como o pastor separa as ovelhas dos bodes” (Mt 25.32). A separação se baseia em como tratamos as pessoas necessitadas. Para as ovelhas, ele diz:

Venham, benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que foi preparado para vocês desde a criação do mundo. Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram; necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram. (Mt 25.34-36)

Essas são todas pessoas necessitadas, a quem as ovelhas serviram, pois Jesus diz: “O que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram” (Mt 25.40). Para os bodes, ele diz:

Malditos, apartem-se de mim [...]. Pois eu tive fome, e vocês não me deram de comer; tive sede, e nada me deram para beber; fui estrangeiro, e vocês não me acolheram; necessitei de roupas, e vocês não me vestiram; estive enfermo e preso, e vocês não me visitaram [...]. O que vocês deixaram de fazer a alguns destes mais pequeninos, também a mim deixaram de fazê-lo. (Mt 25.41-43,45)

Somos chamados, individual e coletivamente, a ajudar os necessitados. Nossa vida está “firmemente segura como a dos que são protegidos pelo Senhor” (1Sm 25.29), e não podemos ignorar a situação dos seres humanos que sofrem fome, sede, nudez, falta de moradia, doença ou prisão. Trabalhamos para atender a nossas próprias necessidades e às daqueles que dependem de nós; mas também trabalhamos para ter algo para dar aos necessitados (Hb 13.1-3). Unimo-nos a outras pessoas para encontrar maneiras de nos aproximarmos daqueles que não têm as coisas básicas da vida, as quais podemos considerar como certas. Se as palavras de Jesus nesta passagem forem levadas a sério, mais coisas do que imaginamos podem depender de nossa caridade.

Jesus não diz exatamente como as ovelhas serviram aos necessitados. Pode ter sido por meio de doações e trabalho de caridade. Mas talvez parte disso tenha sido realizado por meio do trabalho comum de cultivar e preparar alimentos e bebidas; ajudar os novos colegas a se familiarizarem com o trabalho; projetar, fabricar e vender roupas. Todo trabalho legítimo serve às pessoas que precisam dos produtos e serviços do trabalho e, ao fazê-lo, ele também serve a Jesus.

A Última Ceia (Mateus 26.17-30)

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O plano para matar Jesus avança quando Judas (um dos Doze) vai até os líderes religiosos com uma oferta para entregá-lo aos soldados do templo. Com os eventos caminhando rapidamente rumo à crucificação, Jesus compartilha uma última refeição com seus discípulos. Nessa refeição, ele escolhe os itens manufaturados do pão e do vinho para representar a si mesmo e a seu sacrifício vindouro. Segurando o pão, ele diz: “Isto é o meu corpo” (Mt 26.26); então, segurando o cálice, ele diz: “Isto é o meu sangue” (Mt 26.28). O Filho de Deus não é produto da obra de ninguém, nem mesmo da obra do Pai. Nas palavras do Credo de Niceia, ele é “gerado, não criado”. Mas ele escolhe coisas comuns e tangíveis, como pão e vinho, feitas por pessoas, para ilustrar seu sacrifício. Como Alan Richardson coloca:

Sem a labuta e a habilidade do agricultor, sem o trabalho dos padeiros, dos transportadores, dos bancos e escritórios, das lojas e distribuidores – sem, de fato, a labuta das minas, dos estaleiros, das siderúrgicas e assim por diante –, este pão não estaria aqui para ser colocado sobre o altar esta manhã. Na verdade, o mundo do trabalho humano como um todo está envolvido na fabricação do pão e do vinho que oferecemos... Eis o estranho e inquebrável vínculo que existe entre o pão que se ganha com o suor do rosto do homem e o pão da vida que se compra sem dinheiro e sem preço. [1]

A comunidade inteira participa.

Não podemos ter a pretensão de saber a razão de Jesus ter escolhido produtos tangíveis do trabalho humano para representar a si mesmo em vez de artigos naturais, ideias abstratas ou imagens criadas por ele próprio. Mas o fato é que ele dignificou esses produtos do trabalho como a representação de sua própria dignidade infinita. Quando nos lembramos de que, em sua ressurreição, ele também carrega um corpo físico (Mt 28.9, 13), não pode haver espaço para imaginar o reino de Deus como um reino espiritual divorciado da realidade física da criação de Deus. Depois de nos criar (Gn 2.7; Jo 1), ele escolheu artigos feitos por nós para representar a si mesmo. Essa é uma graça quase além da compreensão.

A morte e a ressurreição de Jesus (Mateus 27—28)

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Mais do que qualquer outro autor dos Evangelhos, Mateus enfatiza as implicações devastadoras da morte e da ressurreição de Jesus Cristo e nos traz de volta ao tema central dos reinos do céu e da terra. O escurecimento dos céus, o tremor da terra e a ressurreição dos mortos (Mt 27.45-54) teriam sido sinais claros para os judeus de que a era presente estava terminando e a era vindoura havia começado. No entanto, a vida e o trabalho parecem continuar como sempre; tudo estava normal. Alguma coisa realmente mudou naquela cruz no Gólgota?

O Evangelho de Mateus responde com um retumbante sim. A crucificação de Jesus foi o golpe mortal para um sistema mundial fundado em pretensões de poder e sabedoria humanos. Sua ressurreição marca a entrada abrupta e definitiva dos caminhos de Deus no mundo. O reino de Deus ainda não tomou toda a terra, mas Cristo governa todos aqueles que o seguirão.

Vão e façam discípulos (Mateus 28.16-20)

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O ministério terreno de Jesus estava terminando. Mateus 28.16-20 narra o comissionamento daqueles que o seguiram:

Os onze discípulos foram para a Galileia, para o monte que Jesus lhes indicara. Quando o viram, o adoraram; mas alguns duvidaram. Então, Jesus aproximou-se deles e disse: “Foi-me dada toda a autoridade nos céus e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu ordenei a vocês. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos”.

Essa passagem é frequentemente chamada de Grande Comissão, e os cristãos tendem a se concentrar em seu aspecto evangelístico. Mas a comissão é, na verdade, “fazer discípulos”, não apenas “ganhar convertidos”. Como vimos ao longo deste artigo, o trabalho é um elemento essencial de ser discípulo. Compreender nosso trabalho no contexto do senhorio de Cristo é parte do cumprimento da Grande Comissão.

Temos nossas ordens de marcha. Devemos levar as boas-novas a todas as nações, batizando aqueles que creem nas boas-novas e ensinando-os “a obedecer a tudo o que eu ordenei a vocês” (Mt 28.20). Ao olharmos para trás, para esses vinte e oito capítulos de Mateus, vemos muitos mandamentos que nos afetam no local de trabalho. Esses ensinamentos são para nós e para aqueles que vierem depois de nós.

Conclusão para Mateus

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Deus se preocupa com nosso trabalho, e as Escrituras têm muito a dizer sobre isso. Como observado no início, o Evangelho de Mateus aborda a teologia e a prática do trabalho em muitas frentes: liderança e autoridade, poder e influência, práticas comerciais, verdade e engano, tratamento de trabalhadores, resolução de conflitos, riqueza e necessidades da vida, relacionamentos no local de trabalho, investir e economizar, descansar e viver no reino de Deus enquanto trabalha em lugares seculares.

Os cristãos geralmente supõem que nossa vida deve ser dividida em duas esferas, a secular e a sagrada. Nosso trabalho pode se tornar apenas uma forma de ganhar a vida, uma atividade secular sem nenhuma ligação com a piedade. Comparecimento à igreja e devoção pessoal são considerados os únicos elementos sagrados da vida. Uma leitura errada de Mateus poderia apoiar essa divisão. O reino da terra poderia representar as partes materiais e seculares da vida; o reino dos céus, as partes sagradas e etéreas. Mas uma leitura apropriada de Mateus ensina que ambos os reinos abarcam toda a vida. O reino de Deus tem aspectos materiais e espirituais, assim como o reino da Terra caída. A maneira cristã de viver é colocar toda nossa vida, incluindo a profissional, a serviço do reino de Deus, que Cristo está trazendo à Terra agora mesmo.

Jesus chama seus seguidores a viverem e trabalharem no mundo caído, enquanto se agarram aos propósitos, às virtudes e aos princípios de Deus. Para o cristão, o sagrado e o secular não podem ser separados. “Ninguém pode servir a dois senhores” (Mt 6.24). Neste universo criado e sustentado por Deus, não há espaço “secular”, imune a sua influência, fora de seu controle ou sobre o qual ele não reivindique soberania.

Contudo, ao mesmo tempo em que o reino das trevas permanece, o reino de Deus também está próximo. As pessoas e os sistemas do mundo muitas vezes não refletem os caminhos de Deus. Aqueles que foram chamados por Cristo precisam aprender a servir fielmente ao reino de Deus, enquanto aprendem a existir em meio aos poderes reais que se opõem aos caminhos de Deus. A cosmovisão cristã não pode ser de fuga ou de desconsideração por este mundo. Acima de todas as pessoas, os cristãos devem, com razão, estar engajados na criação de estruturas que reflitam o reino de Deus em todas as esferas da vida, incluindo o local de trabalho. Devemos servir de modelo das práticas do reino de Deus no trabalho, especialmente daquelas em que entregamos o poder e a riqueza a Deus, dependendo de seu poder e provisão. Isso é o que significa viver (não apenas dizer) a oração paradigmática do Senhor: “Venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu”.

Versículos e temas-chave em Mateus

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Versículo

Tema

Mateus 4.18-22 Andando à beira do mar da Galileia, Jesus viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André. Eles estavam lançando redes ao mar, pois eram pescadores. E disse Jesus: “Sigam-me, e eu os farei pescadores de homens”. No mesmo instante eles deixaram as suas redes e o seguiram. Indo adiante, viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão. Eles estavam num barco com seu pai, Zebedeu, preparando as suas redes. Jesus os chamou, e eles, deixando imediatamente seu pai e o barco, o seguiram.

O chamado de Jesus para nós é radical e profundamente transformador, mas não significa necessariamente um chamado para abandonar a profissão e o local de trabalho.

Mateus 5.1-16 Vendo as multidões, Jesus subiu ao monte e se assentou. Seus discípulos aproximaram-se dele, e ele começou a ensiná-los, dizendo:

“Bem-aventurados os pobres em espírito, pois deles é o Reino dos céus.

Bem-aventurados os que choram, pois serão consolados.

Bem-aventurados os humildes, pois eles receberão a terra por herança.

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois serão satisfeitos.

Bem-aventurados os misericordiosos, pois obterão misericórdia.

Bem-aventurados os puros de coração, pois verão a Deus.

Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus.

Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, pois deles é o Reino dos céus.

“Bem-aventurados serão vocês quando, por minha causa, os insultarem, os perseguirem e levantarem todo tipo de calúnia contra vocês. Alegrem-se e regozijem-se, porque grande é a sua recompensa nos céus, pois da mesma forma perseguiram os profetas que viveram antes de vocês.

“Vocês são o sal da terra. Mas se o sal perder o seu sabor, como restaurá-lo? Não servirá para nada, exceto para ser jogado fora e pisado pelos homens.

“Vocês são a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade construída sobre um monte. E, também, ninguém acende uma candeia e a coloca debaixo de uma vasilha. Ao contrário, coloca-a no lugar apropriado, e assim ilumina a todos os que estão na casa. Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus.”

Essas bem-aventuranças são imagens do tipo de caráter orientado para o reino que deve marcar todo crente, incluindo no local de trabalho. Às vezes o resultado será a perseguição, mas será um testemunho fiel da luz em meio às trevas.

Mateus 5.33-37 “Vocês também ouviram o que foi dito aos seus antepassados: ‘Não jure falsamente, mas cumpra os juramentos que você fez diante do Senhor’. Mas eu lhes digo: Não jurem de forma alguma: nem pelos céus, porque é o trono de Deus; nem pela terra, porque é o estrado de seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande Rei. E não jure pela sua cabeça, pois você não pode tornar branco ou preto nem um fio de cabelo. Seja o seu ‘sim’, ‘sim’, e o seu ‘não’, ‘não’; o que passar disso vem do Maligno.”

O cristão deve ser alguém cujas ações correspondem a suas palavras. Essa virtude aplica-se à vida pessoal e profissional.

Mateus 6.19-34 “Não acumulem para vocês tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e onde os ladrões arrombam e furtam. Mas acumulem para vocês tesouros nos céus, onde a traça e a ferrugem não destroem, e onde os ladrões não arrombam nem furtam. Pois onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração.

“Os olhos são a candeia do corpo. Se os seus olhos forem bons, todo o seu corpo será cheio de luz. Mas se os seus olhos forem maus, todo o seu corpo será cheio de trevas. Portanto, se a luz que está dentro de você são trevas, que tremendas trevas são!

“Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro.

“Portanto eu lhes digo: Não se preocupem com sua própria vida, quanto ao que comer ou beber; nem com seu próprio corpo, quanto ao que vestir. Não é a vida mais importante que a comida, e o corpo mais importante que a roupa? Observem as aves do céu: não semeiam nem colhem nem armazenam em celeiros; contudo, o Pai celestial as alimenta. Não têm vocês muito mais valor do que elas? Quem de vocês, por mais que se preocupe, pode acrescentar uma hora que seja à sua vida? Por que vocês se preocupam com roupas? Vejam como crescem os lírios do campo. Eles não trabalham nem tecem. Contudo, eu lhes digo que nem Salomão, em todo o seu esplendor, vestiu-se como um deles. Se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada ao fogo, não vestirá muito mais a vocês, homens de pequena fé? Portanto, não se preocupem, dizendo: ‘Que vamos comer?’ ou ‘Que vamos beber?’ ou ‘Que vamos vestir?’ Pois os pagãos é que correm atrás dessas coisas; mas o Pai celestial sabe que vocês precisam delas. Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas.

“Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã trará as suas próprias preocupações. Basta a cada dia o seu próprio mal.”

O cristão é alguém que valoriza corretamente o reino vindouro de Deus, acima do dinheiro e das posses deste mundo. Em todos os aspectos do trabalho devemos manter o reino vindouro de Deus e seus caminhos como nossa motivação central.

Mateus 8.18-22 Quando Jesus viu a multidão ao seu redor, deu ordens para que atravessassem para o outro lado do mar. Então, um mestre da lei aproximou-se e disse: “Mestre, eu te seguirei por onde quer que fores”. Jesus respondeu: “As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça”. Outro discípulo lhe disse: “Senhor, deixa-me ir primeiro sepultar meu pai”. Mas Jesus lhe disse: “Siga-me, e deixe que os mortos sepultem os seus próprios mortos”.

Mateus 9.9 Saindo, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado na coletoria, e disse-lhe: “Siga-me”. Mateus levantou-se e o seguiu.

Mateus 9.37-38 Então disse aos seus discípulos: “A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos. Peçam, pois, ao Senhor da colheita que envie trabalhadores para a sua colheita”.

O chamado de Jesus ao discipulado pode, às vezes, exigir mudança de ocupação e ruptura radical na vida.

Mateus 10.5-15 Jesus enviou os doze com as seguintes instruções: “Não se dirijam aos gentios, nem entrem em cidade alguma dos samaritanos. Antes, dirijam-se às ovelhas perdidas de Israel. Por onde forem, preguem esta mensagem: O Reino dos céus está próximo. Curem os enfermos, ressuscitem os mortos, purifiquem os leprosos, expulsem os demônios. Vocês receberam de graça; deem também de graça. Não levem nem ouro, nem prata, nem cobre em seus cintos; não levem nenhum saco de viagem, nem túnica extra, nem sandálias, nem bordão; pois o trabalhador é digno do seu sustento.

“Na cidade ou povoado em que entrarem, procurem alguém digno de recebê-los, e fiquem em sua casa até partirem. Ao entrarem na casa, saúdem-na. Se a casa for digna, que a paz de vocês repouse sobre ela; se não for, que a paz retorne para vocês. Se alguém não os receber nem ouvir suas palavras, sacudam a poeira dos pés quando saírem daquela casa ou cidade. Eu lhes digo a verdade: No dia do juízo haverá menor rigor para Sodoma e Gomorra do que para aquela cidade.”

O relacionamento do cristão com o dinheiro é delicado, e ele deve ter o cuidado de lembrar que, no trabalho, tudo o que se ganha é um dom de Deus.

Mateus 17.24-27 Quando Jesus e seus discípulos chegaram a Cafarnaum, os coletores do imposto de duas dracmas vieram a Pedro e perguntaram: “O mestre de vocês não paga o imposto do templo?” “Sim, paga”, respondeu ele. Quando Pedro entrou na casa, Jesus foi o primeiro a falar, perguntando-lhe: “O que você acha, Simão? De quem os reis da terra cobram tributos e impostos: de seus próprios filhos ou dos outros?” “Dos outros”, respondeu Pedro. Disse-lhe Jesus: “Então os filhos estão isentos. Mas, para não escandalizá-los, vá ao mar e jogue o anzol. Tire o primeiro peixe que você pegar, abra-lhe a boca, e você encontrará uma moeda de quatro dracmas. Pegue-a e entregue-a eles, para pagar o meu imposto e o seu”.

O cristão vive uma vida de dupla cidadania. A lealdade é devida apenas a Deus, mas também devemos brilhar como luzes neste mundo de trevas, vivendo de acordo com suas regras (quando possível) no trabalho, no dinheiro e nos impostos, de modo a não causar afronta.

Mateus 19.16-30 Eis que alguém se aproximou de Jesus e lhe perguntou: “Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna?” Respondeu-lhe Jesus: “Por que você me pergunta sobre o que é bom? Há somente um que é bom. Se você quer entrar na vida, obedeça aos mandamentos”. “Quais?”, perguntou ele. Jesus respondeu: “‘Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não darás falso testemunho, honra teu pai e tua mãe’ e ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’”. Disse-lhe o jovem: “A tudo isso tenho obedecido. O que me falta ainda?” Jesus respondeu: “Se você quer ser perfeito, vá, venda os seus bens e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro nos céus. Depois, venha e siga-me”. Ouvindo isso, o jovem afastou-se triste, porque tinha muitas riquezas.

Então Jesus disse aos discípulos: “Digo-lhes a verdade: Dificilmente um rico entrará no Reino dos céus. E lhes digo ainda: É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus”. Ao ouvirem isso, os discípulos ficaram perplexos e perguntaram: “Neste caso, quem pode ser salvo?” Jesus olhou para eles e respondeu: “Para o homem é impossível, mas para Deus todas as coisas são possíveis”.

Então Pedro lhe respondeu: “Nós deixamos tudo para seguir-te! Que será de nós?” Jesus lhes disse: “Digo-lhes a verdade: Por ocasião da regeneração de todas as coisas, quando o Filho do homem se assentar em seu trono glorioso, vocês que me seguiram também se assentarão em doze tronos, para julgar as doze tribos de Israel. E todos os que tiverem deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou campos, por minha causa, receberão cem vezes mais e herdarão a vida eterna. Contudo, muitos primeiros serão últimos, e muitos últimos serão primeiros”.

As riquezas deste mundo podem, de fato, dificultar a entrada no reino de Deus. A questão é o que o coração mais valoriza: o trabalho e as posses ou o reino de deus e o rei.

Mateus 20.1-16 “Pois o Reino dos céus é como um proprietário que saiu de manhã cedo para contratar trabalhadores para a sua vinha. Ele combinou pagar-lhes um denário pelo dia e mandou-os para a sua vinha. Por volta das nove horas da manhã, ele saiu e viu outros que estavam desocupados na praça, e lhes disse: ‘Vão também trabalhar na vinha, e eu lhes pagarei o que for justo’. E eles foram. Saindo outra vez, por volta do meio-dia e das três horas da tarde, fez a mesma coisa. Saindo por volta das cinco horas da tarde, encontrou ainda outros que estavam desocupados e lhes perguntou: ‘Por que vocês estiveram aqui desocupados o dia todo?’ ‘Porque ninguém nos contratou’, responderam eles. Ele lhes disse: ‘Vão vocês também trabalhar na vinha’. Ao cair da tarde, o dono da vinha disse a seu administrador: ‘Chame os trabalhadores e pague-lhes o salário, começando com os últimos contratados e terminando nos primeiros’. Vieram os trabalhadores contratados por volta das cinco horas da tarde, e cada um recebeu um denário. Quando vieram os que tinham sido contratados primeiro, esperavam receber mais. Mas cada um deles também recebeu um denário. Quando o receberam, começaram a se queixar do proprietário da vinha, dizendo-lhe: ‘Estes homens contratados por último trabalharam apenas uma hora, e o senhor os igualou a nós, que suportamos o peso do trabalho e o calor do dia’. Mas ele respondeu a um deles: ‘Amigo, não estou sendo injusto com você. Você não concordou em trabalhar por um denário? Receba o que é seu e vá. Eu quero dar ao que foi contratado por último o mesmo que lhe dei. Não tenho o direito de fazer o que quero com o meu dinheiro? Ou você está com inveja porque sou generoso?’ Assim, os últimos serão primeiros, e os primeiros serão últimos.”

Esta parábola exemplifica a virtude cristã da fé humilde na graça de Deus — sem murmurar contra a graça de Deus em relação aos outros nem se autocongratular.

Mateus 20.20-28 Então, aproximou-se de Jesus a mãe dos filhos de Zebedeu com seus filhos e, prostrando-se, fez-lhe um pedido. “O que você quer?”, perguntou ele. Ela respondeu: “Declara que no teu Reino estes meus dois filhos se assentarão um à tua direita e o outro à tua esquerda”. Disse-lhes Jesus: “Vocês não sabem o que estão pedindo. Podem vocês beber o cálice que eu vou beber?” “Podemos”, responderam eles. Jesus lhes disse: “Certamente vocês beberão do meu cálice; mas o assentar-se à minha direita ou à minha esquerda não cabe a mim conceder. Esses lugares pertencem àqueles para quem foram preparados por meu Pai”. Quando os outros dez ouviram isso, ficaram indignados com os dois irmãos. Jesus os chamou e disse: “Vocês sabem que os governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês. Ao contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo, e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo; como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”.

A verdadeira liderança não se autopromove nem advém da grandeza segundo os olhos do mundo. A verdadeira liderança é servir e cuidar dos outros.

Mateus 21.33-41 “Ouçam outra parábola: Havia um proprietário de terras que plantou uma vinha. Colocou uma cerca ao redor dela, cavou um tanque para prensar as uvas e construiu uma torre. Depois arrendou a vinha a alguns lavradores e foi fazer uma viagem. Aproximando-se a época da colheita, enviou seus servos aos lavradores, para receber os frutos que lhe pertenciam. Os lavradores agarraram seus servos; a um espancaram, a outro mataram e apedrejaram o terceiro. Então enviou-lhes outros servos em maior número, e os lavradores os trataram da mesma forma. Por último, enviou-lhes seu filho, dizendo: ‘A meu filho respeitarão’. Mas, quando os lavradores viram o filho, disseram uns aos outros: ‘Este é o herdeiro. Venham, vamos matá-lo e tomar a sua herança’. Assim eles o agarraram, lançaram-no para fora da vinha e o mataram. Portanto, quando vier o dono da vinha, o que fará àqueles lavradores?” Responderam eles: “Matará de modo horrível esses perversos e arrendará a vinha a outros lavradores, que lhe deem a sua parte no tempo da colheita”.

Mateus 24.45-51 “Quem é, pois, o servo fiel e sensato, a quem seu senhor encarrega dos demais servos de sua casa para lhes dar alimento no tempo devido? Feliz o servo que seu senhor encontrar fazendo assim quando voltar. Garanto que ele o encarregará de todos os seus bens. Mas suponham que esse servo seja mau e diga a si mesmo: ‘Meu senhor está demorando’, e então comece a bater em seus conservos e a comer e a beber com os beberrões. O senhor daquele servo virá num dia em que ele não o espera e numa hora que não sabe. Ele o punirá severamente e lhe dará lugar com os hipócritas, onde haverá choro e ranger de dentes.

Mateus 25.1-13 “O Reino dos céus será, pois, semelhante a dez virgens que pegaram suas candeias e saíram para encontrar-se com o noivo. Cinco delas eram insensatas, e cinco eram prudentes. As insensatas pegaram suas candeias, mas não levaram óleo. As prudentes, porém, levaram óleo em vasilhas, junto com suas candeias. O noivo demorou a chegar, e todas ficaram com sono e adormeceram. À meia-noite, ouviu-se um grito: ‘O noivo se aproxima! Saiam para encontrá-lo!’ Então todas as virgens acordaram e prepararam suas candeias. As insensatas disseram às prudentes: ‘Deem-nos um pouco do seu óleo, pois as nossas candeias estão se apagando’. Elas responderam: ‘Não, pois pode ser que não haja o suficiente para nós e para vocês. Vão comprar óleo para vocês’. E saindo elas para comprar o óleo, chegou o noivo. As virgens que estavam preparadas entraram com ele para o banquete nupcial. E a porta foi fechada. Mais tarde vieram também as outras e disseram: ‘Senhor! Senhor! Abra a porta para nós!’ Mas ele respondeu: ‘A verdade é que não as conheço!’ Portanto, vigiem, porque vocês não sabem o dia nem a hora!”

Mateus 25.14-30 “E também será como um homem que, ao sair de viagem, chamou seus servos e confiou-lhes os seus bens. A um deu cinco talentos, a outro dois, e a outro um; a cada um de acordo com a sua capacidade. Em seguida partiu de viagem. O que havia recebido cinco talentos saiu imediatamente, aplicou-os, e ganhou mais cinco. Também o que tinha dois talentos ganhou mais dois. Mas o que tinha recebido um talento saiu, cavou um buraco no chão e escondeu o dinheiro do seu senhor. Depois de muito tempo o senhor daqueles servos voltou e acertou contas com eles. O que tinha recebido cinco talentos trouxe os outros cinco e disse: ‘O senhor me confiou cinco talentos; veja, eu ganhei mais cinco’. O senhor respondeu: ‘Muito bem, servo bom e fiel! Você foi fiel no pouco, eu o porei sobre o muito. Venha e participe da alegria do seu senhor!’ Veio também o que tinha recebido dois talentos e disse: ‘O senhor me confiou dois talentos; veja, eu ganhei mais dois’. O senhor respondeu: ‘Muito bem, servo bom e fiel! Você foi fiel no pouco, eu o porei sobre o muito. Venha e participe da alegria do seu senhor!’ Por fim, veio o que tinha recebido um talento e disse: ‘Eu sabia que o senhor é um homem severo, que colhe onde não plantou e junta onde não semeou. Por isso, tive medo, saí e escondi o seu talento no chão. Veja, aqui está o que pertence ao senhor’. O senhor respondeu: ‘Servo mau e negligente! Você sabia que eu colho onde não plantei e junto onde não semeei? Então você devia ter confiado o meu dinheiro aos banqueiros, para que, quando eu voltasse, o recebesse de volta com juros. ‘Tirem o talento dele e entreguem-no ao que tem dez. Pois a quem tem, mais será dado, e terá em grande quantidade. Mas a quem não tem, até o que tem lhe será tirado. E lancem fora o servo inútil, nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes’.”

Em todos os aspectos da vida, incluindo o trabalho, nosso caráter deve ser marcado pela fidelidade e confiabilidade. Isso significa viver e trabalhar de tal maneira que nossa vida reflita a esperança no reino vindouro de Deus.