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Jeremias e Lamentações e o trabalho

Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do Trabalho
Jeremiah bible commentary

Introdução a Jeremias e Lamentações

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A questão fundamental no livro de Jeremias é se o povo será fiel a Deus em meio a um ambiente difícil. Jeremias está preocupado com a fidelidade em todos os aspectos da vida, incluindo religião, família, forças armadas, governo, agricultura e outras esferas da vida e do trabalho. Enfrentamos um problema semelhante como trabalhadores hoje. Somos chamados a ser fiéis a Deus em nosso trabalho, mas não é fácil seguir os caminhos de Deus em muitos ambientes de trabalho.

Jeremias teve de lidar com a infidelidade a Deus de praticamente todo o povo. De reis e príncipes a sacerdotes e profetas, todos foram infiéis a Deus. Eles ainda, em geral, vinham ao templo, ofereciam sacrifícios e invocavam o nome do Senhor, mas falhavam em reconhecer Deus na maneira como viviam o restante de sua vida (Jr 7.1-11). Isso não é diferente daqueles que frequentam a igreja no domingo, colocam suas ofertas no prato de coleta, mas vivem o restante de sua vida como se Deus não estivesse envolvido.

Dentro do contexto da fidelidade a Deus, Jeremias oferece várias passagens diretamente relacionadas ao trabalho e muitas outras passagens que tratam da fidelidade a Deus na vida como um todo, com claras implicações para nosso trabalho.

Em seus oráculos relacionados ao trabalho, Jeremias não introduziu muitos princípios ou mandamentos novos. Em vez disso, ele aceitou aqueles revelados em livros anteriores da Bíblia, especialmente na Lei de Moisés. Ele então repreendeu o povo de Deus por não estarem seguindo a lei de Deus e advertiu que isso traria um desastre sobre eles. Quando veio o desastre, ele os ensinou a viver a lei de Deus em sua nova — e sombria — situação. Ele os encorajou com a promessa de Deus de que, por fim, restauraria sua alegria e prosperidade se voltassem à fidelidade.

Embora Jeremias tenha vivido cerca de 600 anos antes do apóstolo Paulo, o que ele disse sobre o trabalho pode ser facilmente resumido nas palavras de Colossenses 3.23: “Tudo o que fizerem, façam de todo o coração, como para o Senhor, e não para os homens”.

Jeremias e seu tempo (Jeremias e Lamentações)

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A maioria de nós acha nosso ambiente de trabalho difícil, pelo menos às vezes. Um dos apelos do livro de Jeremias é que a situação do profeta era extremamente difícil. Seu ambiente de trabalho (entre as elites governantes de Judá) era corrupto e hostil à obra de Deus. Jeremias estava constantemente em perigo. No entanto, ele podia ver a presença de Deus nas situações mais difíceis. Sua perseverança nos lembra que talvez possamos aprender a experimentar a presença de Deus nos ambientes de trabalho mais difíceis.

Jeremias cresceu na pequena cidade de Anatote, a cinco quilômetros a nordeste de Jerusalém, a capital de Judá. Embora geograficamente próximas, as duas comunidades estavam distantes cultural e politicamente. Jeremias nasceu na linhagem sacerdotal de Abiatar, mas tinha pouco prestígio entre os sacerdotes em Jerusalém. Salomão havia removido Abiatar da autoridade séculos antes (1Rs 1.28—2.26) e o substituído pela linhagem sacerdotal de Zadoque, em Jerusalém.

Quando Deus chamou Jeremias para ser seu profeta em Jerusalém, o profeta se viu no meio de sacerdotes que não aceitavam seu sacerdócio herdado. Ao longo de sua longa carreira em Jerusalém, Jeremias permaneceu como um forasteiro, sendo alvo de suspeitas e ódio. Aqueles que enfrentam preconceitos culturais, étnicos, raciais, linguísticos, religiosos ou outros nos ambientes de trabalho ainda hoje podem se identificar com o que Jeremias enfrentou todos os dias de sua vida.

O chamado do profeta relutante e a descrição do trabalho (Jeremias e Lamentações)

Com vinte e poucos anos, Jeremias recebeu o chamado de Deus para ser profeta. O ano era 626 a.C., o décimo terceiro ano do reinado do rei Josias (Jr 1.2). Em sua descrição de trabalho constava levar as mensagens de Deus “sobre nações e reinos, para arrancar, despedaçar, arruinar e destruir; para edificar e plantar” (Jr 1.10). As mensagens de Deus dadas por meio de Jeremias não tinham um tom gentil e positivo, pois os judeus estavam desastrosamente perto de abandonar sua fidelidade a Deus. Por meio de Jeremias, Deus estava fazendo uma tentativa de chamá-los de volta antes que o desastre acontecesse. Como um consultor externo contratado para abalar o status quo de uma empresa, ele foi chamado para atrapalhar os negócios, como de costume, no reino de Judá. Parte de sua tarefa era se opor à idolatria e às práticas malignas que se tornaram parte da adoração em Judá.

Sua obra profética começou sob o bom rei Josias. Ela continuou ao longo dos maus sucessores de Josias: Jeoacaz, Jeoaquim, Joaquim e Zedequias; e enfrentou a destruição total de Jerusalém sob o governante babilônico Nabucodonosor (586 a.C.). Durante suas quatro décadas como profeta de Deus em Jerusalém, Jeremias foi constantemente ridicularizado, o que foi motivo de chacota para os cidadãos da cidade. Na verdade, ele escapou por pouco de várias tramas contra sua vida (Jr 11.21; 18.18; 20.1; 26.8; e capítulos 38—39).

Jeremias não se candidatou ao cargo de profeta e não lemos em nenhum lugar que ele “aceitou” o chamado de Deus para ser seu porta-voz. Isso contrasta com Isaías, que, após a visão da santidade e majestade de Deus, ouviu Deus perguntar: “Então ouvi a voz do Senhor, conclamando: ‘Quem enviarei? Quem irá por nós?’ E eu respondi: Eis-me aqui. Envia-me!” (Is 6.8). Quando Deus informou a Jeremias que ele seria seu porta-voz em Jerusalém, o profeta protestou, alegando sua juventude e inexperiência (Jr 1.6-7). Mas Deus parece ter anulado esse protesto, dando-lhe imediatamente mensagens proféticas para o povo (Jr 1.11-16). Deus então seguiu essas mensagens com instruções, um aviso e uma promessa ao profeta recém-formado:

“E você, prepare-se! Vá dizer-lhes tudo o que eu ordenar. Não fique aterrorizado por causa deles, senão eu o aterrorizarei diante deles. E hoje eu faço de você uma cidade fortificada, uma coluna de ferro e um muro de bronze, contra toda a terra: contra os reis de Judá, seus oficiais, seus sacerdotes e o povo da terra. Eles lutarão contra você, mas não o vencerão, pois eu estou com você e o protegerei”, diz o Senhor. (Jr 1.17-19)

Jeremias sabia desde o início que sua vocação como profeta era difícil. Sua designação o colocaria contra toda a nação de Judá, desde o rei, príncipes e sacerdotes até o povo nas ruas da cidade. No entanto, ele sentiu um chamado claro de Deus para fazer esse trabalho difícil e confiou em Deus para guiá-lo ao longo dele.

Uma visão geral do livro de Jeremias

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O livro de Jeremias reflete a situação cada vez pior que Jeremias encontrou. Em vários momentos, ele teve a tarefa nada invejável de desafiar a hipocrisia religiosa, a desonestidade econômica e as práticas opressoras dos líderes de Judá e daqueles que os seguiam. Jeremias era a voz da advertência, o vigia que chama a atenção para verdades duras que outros prefeririam ignorar.

Porque assim diz o Senhor a respeito do palácio real de Judá... “Farei de você um deserto, uma cidade desabitada. Prepararei destruidores contra você... De numerosas nações muitos passarão por esta cidade e perguntarão uns aos outros: ‘Por que o Senhor fez uma coisa dessas a esta grande cidade?’ E lhes responderão: ‘Foi porque abandonaram a aliança do Senhor, do seu Deus’”. (Jr 22.6-9)

Ele era o pessimista, que na realidade era o realista. Ele foi rejeitado e ridicularizado por falsos profetas, que insistiam em dizer que Deus nunca deixaria a cidade de Jerusalém cair nas mãos de um invasor.

A persistência de Jeremias em transmitir sua mensagem indesejada ao longo de quatro décadas é notável. Ele simplesmente não desistiria do que parecia ser uma tarefa impossível. Quantos de nós teriam buscado escapar de uma situação dessas? Mas uma das coisas impressionantes sobre Jeremias era sua fidelidade tenaz em cumprir as instruções de Deus, mesmo diante de oposição implacável e críticas duras. Embora tenha sido frequentemente chamado de “profeta chorão” porque lamentou os pecados de seu povo e lamentou sua própria falta de sucesso em trazer o povo de volta a Javé, Jeremias nunca vacilou em sua confiança de que Deus, que o colocou onde estava, reivindicaria a verdade de sua mensagem. O profeta poderia ser fiel ao seu chamado indesejado porque Deus havia prometido ser fiel a ele. Ele serviu com a promessa de Deus no bolso: “‘Eles lutarão contra você, mas não o vencerão, pois eu estou com você e o protegerei’, diz o Senhor” (Jr 1.17-19).

Em 605, Nabucodonosor, da Babilônia, atacou Jerusalém e levou consigo 10.000 dos judeus mais capazes (incluindo Ezequiel e Daniel). Nesse ponto, o papel de Jeremias foi expandido para levar a palavra de Deus aos judeus no exílio (capítulo 29). Entre os judeus capturados havia falsos profetas que asseguraram aos exilados que os dias da Babilônia estavam contados e que Deus nunca permitiria que Jerusalém fosse capturada. Jeremias advertiu os exilados de que eles ficariam na Babilônia por setenta anos. Em vez de agir com base em falsas esperanças, os judeus deveriam se estabelecer na terra, construir casas, plantar jardins, casar seus filhos — e parar de ouvir os falsos profetas.

Enquanto isso, os habitantes que permaneceram em Judá continuavam a recusar a mensagem de Deus. Em 586, os babilônios voltaram, saquearam Jerusalém, derrubaram seus muros, destruíram seu templo, pedra por pedra, e levaram o restante das pessoas capazes ​​como cativos. Mais uma vez, o papel de Jeremias mudou (capítulos 40—45). Deus o manteve na cidade destruída, agora governada brevemente por Gedalias, para encorajar o novo governante e ajudar o povo a entender o que havia acontecido e como eles deveriam seguir em frente em meio à destruição. No entanto, mais uma vez, apesar de seu apelo para que ouvissem a mensagem de Deus, eles depositaram sua fé em uma infeliz aliança militar com o Egito, que a Babilônia derrotou rapidamente. Jeremias foi levado ao Egito, onde morreu. Até o fim, o profeta teve de suportar a teimosa recusa dos governantes em dar ouvido às mensagens de Deus, assim como os resultados desastrosos que sobrevieram. Tanto profetas quanto cristãos no ambiente de trabalho podem descobrir que não têm a capacidade de superar todos os males. Às vezes, o sucesso significa fazer o que você sabe que é certo, mesmo quando tudo está contra você.

Os capítulos finais (46—52) tratam principalmente do juízo que Deus trará sobre todas as nações, não apenas sobre Judá. Embora Deus tenha usado a Babilônia contra Judá, a Babilônia também não escaparia do castigo.

Não podemos ler Jeremias sem uma percepção vívida dos resultados desastrosos da persistente falta de fé dos líderes de Judá — os reis, os sacerdotes e os profetas. Sua miopia e disposição em acreditar nas mentiras que contavam uns aos outros levaram à completa destruição da nação e de sua capital, Jerusalém. O trabalho que Deus nos dá para fazer é um negócio sério. Deixar de seguir a palavra de Deus em nosso trabalho pode causar sérios danos a nós mesmos e às pessoas ao nosso redor. Liderar o povo de Israel era o trabalho do rei, dos sacerdotes e dos profetas. A catástrofe nacional que logo tomou conta de Israel foi o resultado direto de suas más decisões e do fracasso em cumprir seus deveres sob a aliança.

Temas relacionados ao trabalho no livro de Jeremias

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O livro de Jeremias não está organizado como um tratado sobre o trabalho. Por causa disso, tópicos relacionados ao trabalho aparecem em lugares dispersos ao longo do livro, às vezes separados por muitos capítulos, outras vezes sobrepostos em um único capítulo ou passagem. Tomaremos esses tópicos e passagens, tanto quanto possível, na ordem em que aparecem em Jeremias.

Vimos que a maior preocupação de Jeremias é se as pessoas estão agindo com fidelidade a Deus. À medida que lemos, podemos nos perguntar se vemos nosso trabalho como uma área significativa em que Deus deseja que sejamos fiéis a ele. Se for, então podemos esperar experimentar a presença de Deus em nosso trabalho. Portanto, nossa fidelidade a Deus e a presença de Deus em nosso trabalho são temas relacionados aos quais voltaremos com frequência.

O chamado de Jeremias para o trabalho (Jeremias 1)

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Como vimos, Deus preparou Jeremias desde antes de seu nascimento para a obra de um profeta (Jr 1.5) e, no momento certo, o designou para essa obra (Jr 1.10). Jeremias respondeu fielmente ao chamado de Deus para trabalhar, e Deus lhe deu o conhecimento necessário para realizá-lo (Jr 1.17).

Embora Jeremias fosse profeta de profissão, não há razão para acreditar que o padrão do chamado de Deus, seguido por uma resposta humana fiel, seguida pelo treinamento de Deus, seja limitado aos profetas. Deus chamou e capacitou José (Gn 39.1-6; 41.38-57), Bezalel e Aoliabe (Êx 36—39) e Davi (1Sm 16.1-13) para cargos como ministro das Finanças, chefes de construção e rei, respectivamente. No Novo Testamento, Paulo diz que Deus capacita toda pessoa fiel para o trabalho que contribui para o bem da comunidade (1Coríntios 12—14). Podemos ver em Jeremias um padrão para todos aqueles que seguem a Deus fielmente em sua obra. Como William Tyndale afirmou há muito tempo:

Não há trabalho melhor do que outro para agradar a Deus: servir água, lavar a louça, ser [sapateiro] ou apóstolo, todos são um; lavar a louça e pregar são a mesma coisa, no que diz respeito à ação, para agradar a Deus. [1]

Deus sabe como nós — assim como Jeremias — estamos entrelaçados de acordo com o desígnio de Deus. Deus nos leva a empregar nossas habilidades e talentos de maneira piedosa no mundo. Provavelmente, não teremos o mesmo chamado de Jeremias. Nem nosso chamado será necessariamente tão direto, específico e inconfundível quanto o de Jeremias. Seria um erro pensar que nosso chamado para o trabalho deve ser semelhante ao de Jeremias. Talvez Deus tenha sido extraordinariamente direto com Jeremias, porque ele estava profundamente relutante em aceitar o chamado de Deus. De qualquer forma, podemos ter certeza de que Deus nos capacitará para nosso trabalho, seja ele qual for, se formos fiéis a ele. [2]

Bondade e corrupção do trabalho (Jeremias 2)

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Muito antes de Jeremias viver, Deus declarou que o trabalho é bom para as pessoas (Gênesis 1—2). Como notamos em outros lugares, o método de Jeremias era aceitar o que Deus havia revelado anteriormente e chamar a atenção para como isso está sendo vivido — ou não — em seus dias. No capítulo 2, Jeremias chamou a atenção para como o povo estava pervertendo a bondade do trabalho. Deus diz ao seu povo: “Eu trouxe vocês a uma terra fértil, para que comessem dos seus frutos e dos seus bons produtos. Entretanto, vocês contaminaram a minha terra; tornaram a minha herança repugnante” (Jr 2.7). Ele acrescenta que o povo foi atrás de coisas “inúteis” (Jr 2.8).

O Senhor levou o povo a uma terra fértil, onde seu trabalho produziria abundantemente, mas eles rejeitaram sua presença profanando sua terra. Essa é uma expressão padrão do privilégio teológico no Antigo Oriente Próximo: Deus criou a terra e a possui, mas a deu a pessoas que servem como seus administradores. [1] Deus deu a seu povo o grande privilégio de trabalhar na própria terra de Deus, a propriedade central do cosmos. Embora na época de Jeremias o povo trabalhasse a terra de Deus com desprezo, a obra em si foi criada por Deus para ser boa. “Você comerá do fruto do seu trabalho e será feliz e próspero” (Sl 128.2). Trabalhar a terra é necessário e, quando feito de acordo com os caminhos de Deus, traz prazer e um profundo senso da presença e do amor de Deus. “Para o homem não existe nada melhor do que comer, beber e encontrar prazer em seu trabalho. E vi que isso também vem da mão de Deus” (Ec 2.24). Mas o trabalho tornou-se impuro quando as pessoas deixaram de trabalhar com fidelidade. O povo profanou a terra porque pararam de seguir a Deus e “seguiram ídolos sem valor, tornando-se eles próprios sem valor” (Jr 2.5). Quando nosso trabalho vai mal, pode ser um diagnóstico de que nossa comunhão com Deus diminuiu. Podemos ter deixado de passar tempo com Deus, talvez porque estejamos ocupados trabalhando muito. No entanto, muitas vezes somos tentados a tentar resolver o problema gastando mais tempo em tarefas que se tornam “ídolos inúteis” (Jr 2.8), negligenciando ainda mais a comunhão com Deus. Nossas tarefas são pouco proveitosas, não porque não estamos trabalhando horas suficientes, mas porque, sem Deus em nosso trabalho, ele se torna infrutífero e ineficiente. O que aconteceria se fôssemos ao cerne da questão e passássemos mais tempo em comunhão com Deus? Imagine dizer a seu chefe: “Meu desempenho não esteve à altura dos meus padrões mais altos nos últimos 6 meses, então decidi chegar 30 minutos mais cedo todas as manhãs e passar metade do tempo extra orando e a outra metade começando mais cedo meu trabalho”. Isso seria mais ou menos eficaz do que simplesmente trabalhar mais horas? O chefe ficaria satisfeito ou irritado com o fato de um funcionário trazer sua fonte mais profunda de significado e apoio para o trabalho diário?

Reconhecimento da provisão de Deus (Jeremias 5)

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Jeremias reclamou que “este povo tem coração obstinado e rebelde; eles se afastaram e foram embora” (Jr 5.23). É a terra de Deus, na qual eles são administradores, chamados a trabalhá-la no “temor” do Senhor. “Temor” (hebraico yare) de Deus é frequentemente usado no Antigo Testamento como sinônimo de “viver em resposta a Deus”. [1] Mas Jeremias salientou que eles não tinham consciência de Deus como a fonte das chuvas e a garantia das colheitas. “Não dizem no seu íntimo: ‘Temamos o Senhor, o nosso Deus: aquele que dá as chuvas do outono e da primavera no tempo certo, e nos assegura as semanas certas da colheita’” (Jr 5.24). Assim, eles são infiéis, imaginando ser a fonte de suas próprias colheitas (cf. Jr 17.5-6, acima). Como resultado, eles não tiveram mais boas colheitas. “Os pecados de vocês têm afastado essas coisas; as faltas de vocês os têm privado desses bens” (Jr 5.25).

Esta seção é um dos muitos lugares nos capítulos 1—25 que falam da “poluição” da terra: “Uma coisa espantosa e horrível acontece nesta terra: Os profetas profetizam mentiras, os sacerdotes governam por sua própria autoridade, e o meu povo gosta dessas coisas” (Jr 5.30-31). Nos tempos antigos — quando a agricultura representava a fatia majoritária da economia — a poluição da terra não era apenas uma perda estética, mas uma perda de produtividade e abundância. Foi também uma rejeição ao Deus que tinha dado a terra. Chris Wright observou que a terra — como um sacramento ou um sinal visível — é um termômetro de nosso relacionamento com Deus. [2] A violação da terra (seja por corporações, exércitos ou indivíduos) nega a propriedade e o propósito de Deus em nos tornar administradores da Terra.

Sucesso e fracasso materiais (Jeremias 5)

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Deus retém o sucesso material daqueles que fazem o mal aos seus olhos? Jeremias diz o que poucos cristãos modernos ousariam dizer: o falta da provisão de Deus pode ser um sinal de que seu trabalho não é aprovado por Deus. Deus reteve as chuvas de Judá por causa do pecado de seus habitantes. “Os pecados de vocês têm afastado essas coisas [as chuvas]; as faltas de vocês os têm privado desses bens” (Jr 5.25). O profeta não diz que todos os casos de falta de provisão ou de sucesso são sinais do juízo de Deus. Essa é uma das questões em aberto que Jesus abordou quase 600 anos depois, quando disse que o cego de nascença não era cego como um sinal do juízo de Deus (Jo 9.2-3). Além disso, Deus até fornece bens materiais para aqueles que são maus. Deus “faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos”, de acordo com Jesus (Mt 5.45). Do livro de Jeremias, podemos dizer apenas que o sucesso material depende da provisão de Deus e que Deus pode — pelo menos às vezes — negar o sucesso material àqueles que praticam injustiça e opressão. [1] A verdadeira questão é: “Seria bom para mim — ou não — se Deus tirasse a renda dos injustos e opressores?”

Injustiça, ganância, o bem comum e integridade (Jeremias 5—8)

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Injustiça

Deixando de reconhecer Deus como a fonte de boas colheitas, o povo de Judá logo perdeu qualquer senso de responsabilidade perante o Senhor por sua maneira de trabalhar. Isso os levou a oprimir e enganar os fracos e indefesos:

Não há limites para as suas obras más. Não se empenham pela causa do órfão, nem defendem os direitos do pobre (Jr 5.28).
Eles apegam-se ao engano e recusam-se a voltar. Eu ouvi com atenção, mas eles não dizem o que é certo. Ninguém se arrepende de sua maldade e diz: ‘O que foi que eu fiz?’ (Jr 8.5-6)

O que deveria ter sido feito para o bem de todos na terra de Deus foi feito apenas para o benefício próprio dos indivíduos e sem o devido temor ao Deus pelo qual foram chamados a trabalhar. Então, Deus reteve a chuva, e eles logo aprenderam que não eram a fonte de seu próprio sucesso. Há paralelos aqui na crise econômica de 2008-2010 e sua relação com compensação, honestidade em emprestar e tomar empréstimos e a pressa de obter lucro rápido ao custo de colocar outras pessoas em risco. É importante não ser simplista — as principais questões econômicas de hoje são complexas demais para as máximas generalizadas extraídas de Jeremias. No entanto, há uma conexão — por mais complexa que seja — entre o bem-estar econômico de pessoas e nações e suas vidas e valores espirituais. O bem-estar econômico é uma questão moral.

Ganância

Deus chama as pessoas para um propósito maior do que o interesse econômico pessoal. Nosso objetivo mais elevado é nosso relacionamento com Deus, no qual a provisão e o bem-estar material são questões importantes, mas limitadas.

Eu me lembro de sua fidelidade quando você era jovem: como noiva, você me amava e me seguia pelo deserto, por uma terra não semeada. Israel, meu povo, era santo para o Senhor, os primeiros frutos de sua colheita (Jr 2.2-3).

Jeremias olhou em volta e descobriu que a ganância — a busca desenfreada de ganhos econômicos — havia tomado o lugar do amor de Deus como a principal preocupação do povo. “Desde o menor até o maior, todos são gananciosos; tanto os sacerdotes como os profetas, todos praticam a falsidade” (Jr 8.10). Ninguém escapou da condenação de Jeremias por sua ganância. [1] O profeta não era parcial com ricos ou pobres, pequenos ou grandes. Nós o vemos correndo pelas “ruas de Jerusalém” e “em suas praças” para tentar “encontrar alguém que aja com honestidade e que busque a verdade” (Jr 5.1). Primeiro, ele perguntou aos pobres, mas eles foram encontrados endurecidos (Jr 5.3-4). Então Jeremias voltou-se para os nobres, “mas todos eles também quebraram o jugo e romperam as amarras” (Jr 5.5).

Como Walter Brueggemann afirma: “Todas as pessoas, mas especialmente os líderes religiosos, são indiciadas por sua economia sem princípios... Esta comunidade perdeu todas as normas pelas quais avaliar e aferir sua ganância voraz e exploradora”. [2] O coração das pessoas estava inclinado a enriquecer, em vez de temer a Deus e amar os outros. Seja praticada pelos ricos (como o rei; Jr 22.17) ou pelos pobres, tal ganância despertou a ira divina.

O bem comum

A intenção de Deus é que vivamos e trabalhemos para o bem comum. [3] Jeremias criticou o povo de Judá por não cuidar de outros que não podiam oferecer algum benefício econômico em troca, incluindo órfãos e pobres (Jr 5.28), estrangeiros, viúvas e inocentes (Jr 7.6). Isso está acima e além das acusações que ele fez contra a violação de elementos específicos da Lei, como roubo, assassinato, adultério, falso juramento e adoração a deuses falsos (Jr 7.9). Jeremias fez essa acusação contra indivíduos em particular (“há ímpios no meio do meu povo”; Jr 5.26), contra todos os indivíduos (“todos vocês de Judá”; Jr 7.2), contra os líderes dos negócios (os “poderosos e ricos”; Jr 5.27) e governo (juízes; Jr 5.28), contra as cidades (Jr 4.16-18; 11.12; 26.2; etc.) e contra a nação como um todo (“Este povo ímpio”; Jr 13.10). Cada elemento da sociedade, individual e institucionalmente, havia quebrado a aliança de Deus.

A insistência de Jeremias de que o trabalho e seus produtos servem ao bem comum é uma base importante para a ética nos negócios e a motivação pessoal. Se uma ação contribui para o bem comum é tão importante quanto se a ação é legal. Pode ser legal conduzir negócios de maneiras que prejudiquem o bem comum, mas isso não o torna legítimo no julgamento de Deus. Por exemplo, a maioria das empresas faz parte de uma cadeia de suprimentos que vai das matérias-primas às peças, das montagens aos produtos acabados e ao sistema de distribuição aos consumidores. Pode ser possível que um participante da cadeia ganhe poder sobre os outros, reduza as margens dos demais e fique com todos os lucros. Mas, mesmo que isso seja feito por meios legais, significa que é bom para a indústria e a comunidade? É algo sustentável a longo prazo? Ou pode ser legal que um sindicato preserve benefícios para os trabalhadores atuais, negociando benefícios para novos trabalhadores. Mas, se os benefícios são necessários para todos os trabalhadores, isso realmente serve ao bem comum? Essas são questões complexas, e não há uma resposta rígida a ser encontrada em Jeremias. A relevância de Jeremias é que o povo de Judá, em sua maioria, pensava que estava vivendo de acordo com a Lei, incluindo, presumivelmente, suas muitas regulamentações sobre a atividade econômica e o ambiente de trabalho. [4] Mas Deus ainda os achou infiéis em seu ambiente de trabalho e em sua atividade econômica. Eles seguiam os regulamentos da Lei, mas não seu espírito. Jeremias diz que, em última análise, isso impediu que todo o povo aproveitasse o fruto de seu trabalho na terra de Deus.

Como o povo de Judá, todos temos chances de acumular ou compartilhar os benefícios que recebemos de nosso trabalho. Algumas empresas concentram bônus e opções de ações nas mãos de altos executivos. Outros os distribuem amplamente entre todos os trabalhadores. Algumas pessoas tentam levar todo o crédito por cada realização em que participaram. Outras dão crédito aos colegas de trabalho da maneira mais liberal possível. Novamente, há considerações complexas envolvidas, e devemos evitar fazer julgamentos precipitados sobre os outros. Mas poderíamos nos fazer uma pergunta simples. A maneira como lido com dinheiro, poder, reconhecimento e outras recompensas do meu trabalho beneficia principalmente a mim ou contribui para o bem de meus colegas, minha organização e minha sociedade?

Da mesma forma, as organizações podem se inclinar para a ganância ou para o bem comum. Se uma empresa explora o poder de monopólio para extrair preços altos ou usa a fraude para vender seus produtos, está agindo com base na ganância por dinheiro. Se um governo exerce o poder para promover os interesses de si mesmo sobre seus vizinhos ou de seus líderes sobre seus cidadãos, então está agindo movido por ganância pelo poder.

Jeremias tem uma compreensão ampla do bem comum e de seu oposto, a ganância. A ganância não se restringe a ganhos que violam alguma lei em particular. Em vez disso, inclui qualquer tipo de ganho que ignore as necessidades e circunstâncias dos outros. De acordo com Jeremias, ninguém em sua época estava livre de tal ganância. Será que hoje é diferente?

Integridade

A palavra “integridade” significa viver a vida de acordo com um conjunto único e consistente de ética. Quando seguimos os mesmos preceitos éticos em casa, no trabalho, na igreja e na comunidade, temos integridade. Quando seguimos preceitos éticos diferentes em diferentes esferas da vida, falta-nos integridade.

Jeremias reclama da falta de integridade que vê no povo de Judá. Eles parecem acreditar que podem violar as normas éticas de Deus no trabalho e na vida cotidiana, e então ir ao templo, agir de forma santa e ser salvos das consequências de suas ações.

Vocês pensam que podem roubar e matar, cometer adultério e jurar falsamente, queimar incenso a Baal e seguir outros deuses que vocês não conheceram, e depois vir e permanecer perante mim neste templo, que leva o meu nome, e dizer: ‘Estamos seguros!’, seguros para continuar com todas essas práticas repugnantes? Este templo, que leva o meu nome, tornou-se para vocês um covil de ladrões? Cuidado! Eu mesmo estou vendo isso”, declara o Senhor. (Jr 7.9-11)

Jeremias os está chamando para uma vida de integridade. Caso contrário, a piedade deles não significa nada para Deus. “Expulsarei vocês da minha presença”, diz Deus (Jr 7.15). Nosso coração não está bem com Deus só porque vamos ao templo. Nosso relacionamento com ele se reflete em nossas ações, no que fazemos todos os dias, incluindo o que fazemos no trabalho.

Fé na provisão de Deus (Jeremias 8—16)

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Vemos em Jeremias 5 que o povo não reconhecia a provisão de Deus. Se as pessoas não reconhecessem Deus como a fonte última das coisas boas que já possuíam, será que ainda teriam fé para depender de Deus como provedor das coisas no futuro? John Cotton, teólogo puritano, diz que a fé precisa estar na base de tudo o que fazemos na vida, incluindo nosso trabalho ou vocação:

Um cristão verdadeiro e crente... vive em sua vocação por sua fé. Não apenas minha vida espiritual, mas até minha vida civil neste mundo, e toda a vida que vivo, é pela fé no Filho de Deus: Ele não isenta a vida da ação de sua fé. [1]

Aqui, novamente, estava o fracasso fundamental do povo de Judá nos dias de Jeremias: sua falta de fé. Às vezes, Jeremias expressou isso como não “conhecer” o Senhor, um termo de fidelidade. [2] Em outras ocasiões, ele colocou isso nos termos de deixar de “obedecer” — ouvir, atender e até se importar com o que Deus disse. [3] Em outras ocasiões, ele chamou isso de falta de “temor”. Mas tudo isso é simplesmente falta de fé — uma fé viva e atuante em quem Deus é e no que ele faz ou diz. Essa falta penetrou na visão das pessoas sobre o trabalho, levando-as a violar descaradamente a lei de Deus e a explorar os outros para seu próprio ganho.

A grande ironia é que, ao depender de suas próprias ações em vez de fidelidade ao Senhor em seu trabalho, as pessoas acabaram falhando em encontrar prazer, realização e o bem da vida. Jeremias escreve que Deus acabará por lidar com sua falta de fé, e “todos os sobreviventes dessa nação má preferirão a morte à vida” (Jr 8.3). As leis de Deus visam o nosso próprio bem e são dadas para nos manter focados em nosso propósito adequado. [4] Quando deixamos de lado as leis de Deus, porque elas nos impedem de cuidar de nós mesmos à nossa maneira, acabamos nos afastando do desígnio de Deus para nos tornarmos nós mesmos. Quando trabalhamos de tal maneira que somos dependentes apenas de nós mesmos — e especialmente quando violamos as leis de Deus para fazer isso —, o trabalho deixa de alcançar seu fim adequado. Negamos a presença de Deus no mundo. Achamos que sabemos melhor do que Deus como obter as coisas que queremos. Portanto, trabalhamos de acordo com nossos caminhos, não com os dele. Mas nossos caminhos não nos rendem as coisas boas que Deus pretende nos dar. À medida que experimentamos essa falta, nos envolvemos em atos cada vez mais desesperados de interesse próprio. Cortamos custos, oprimimos os outros e acumulamos o pouco que temos. Agora, não estamos apenas deixando de receber o que Deus quer nos dar, mas também de produzir algo de valor para nós mesmos ou para os outros. Se outros membros da comunidade ou da nação agirem da mesma forma, logo estaremos lutando uns contra os outros em busca de produtos cada vez menos satisfatórios de nosso trabalho. Nós nos tornamos o oposto de quem fomos projetados para ser como povo de Deus. Agora, “‘compreenda e veja como é mau e amargo abandonar o Senhor, o seu Deus, e não ter temor de mim’, diz o Soberano, o Senhor dos Exércitos” (Jr 2.19).

O tema do povo abandonando Deus, perdendo a fé em sua provisão e, como consequência, oprimindo uns aos outros, é repetido em intervalos ao longo dos capítulos 8 a 16. “Eles se recusam a reconhecer-me”, diz o Senhor (Jr 9.6). Portanto, sua prosperidade diminui. “Não se ouve o mugir do gado; tanto as aves como os animais fugiram” (Jr 9.10). Como consequência, eles tentam compensar a perda enganando uns aos outros. “Amigo engana amigo, ninguém fala a verdade... De opressão em opressão, de engano em engano” (Jr 9.5-6).

Trabalhe dentro de uma vida equilibrada (Jeremias 17)

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Jeremias também voltou sua atenção para o ritmo de trabalho e descanso. Como sempre, o profeta começou com a autorrevelação anterior de Deus; neste caso, o descanso sabático:

No sétimo dia Deus já havia concluído a obra que realizara, e nesse dia descansou. (Gn 2.2)
Lembra-te do dia de sábado, para santificá-lo. Trabalharás seis dias e neles farás todos os teus trabalhos, mas o sétimo dia é o sábado dedicado ao Senhor, o teu Deus. (Êx 20.8-10)

Jeremias, no entanto, encontrou um povo que se recusava a honrar o sábado:

Assim diz o Senhor: “Por amor à vida de vocês, tenham o cuidado de não levar cargas nem de fazê-las passar pelas portas de Jerusalém no dia de sábado. Não levem carga alguma para fora de casa nem façam nenhum trabalho no sábado, mas guardem o dia de sábado como dia consagrado, como ordenei aos seus antepassados. Contudo, eles não me ouviram nem me deram atenção; foram obstinados e não quiseram ouvir nem aceitar a disciplina” (Jr 17.21-23).

No início do capítulo 17, falando por meio de Jeremias, Deus disse: “Maldito é o homem que confia nos homens, que faz da humanidade mortal a sua força, mas cujo coração se afasta do Senhor. Ele será como um arbusto no deserto; não verá quando vier algum bem. Habitará nos lugares áridos do deserto, numa terra salgada onde não vive ninguém. “Mas bendito é o homem cuja confiança está no Senhor, cuja confiança nele está. Ele será como uma árvore plantada junto às águas e que estende as suas raízes para o ribeiro. Ela não temerá quando chegar o calor, porque as suas folhas estão sempre verdes; não ficará ansiosa no ano da seca nem deixará de dar fruto” (Jr 17.5-8).

Em essência, Jeremias estava repetindo seu argumento sobre a fé na provisão de Deus, como já discutido acima, nos capítulos 8—16, tendo o sábado como um exemplo. Ao dependermos de nós mesmos em vez de sermos fiéis a Deus, passamos a acreditar que não podemos ter tempo para descansar. Há muito trabalho a fazer se quisermos ter sucesso em nossa carreira, em nossa casa e em nossos passatempos; portanto, quebramos o sábado para fazer isso. Mas, de acordo com Jeremias, se confiarmos em nós mesmos e fizermos daquilo que é “mortal” nossa força, isso nos levará ao “deserto”, à medida que nos esforçamos incansavelmente — 24 horas por dia, 7 dias por semana — para alcançar o sucesso. Nós não veremos “quando vier algum bem”. Em contraste, se confiarmos no Senhor, nunca deixaremos “de dar fruto”. Ignorar nossa necessidade de equilíbrio entre trabalho e descanso é, em última análise, contraproducente.

Abençoe a sociedade em geral por meio de seu trabalho (Jeremias 29)

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Em Jeremias, capítulo 29, o profeta chama a atenção para a intenção de Deus de que o trabalho de seu povo abençoe e sirva as comunidades ao seu redor, e não apenas o povo de Israel.

Assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel, a todos os exilados, que deportei de Jerusalém para a Babilônia: “Construam casas e habitem nelas; plantem jardins e comam de seus frutos. Casem-se e tenham filhos e filhas; escolham mulheres para casar-se com seus filhos e deem as suas filhas em casamento, para que também tenham filhos e filhas. Multipliquem-se e não diminuam. Busquem a prosperidade da cidade para a qual eu os deportei e orem ao Senhor em favor dela, porque a prosperidade de vocês depende da prosperidade dela”. (Jr 29.4-7)

Esse tema já estava presente em capítulos anteriores, como na ordem de Deus para não oprimir os estrangeiros que viviam dentro das fronteiras de Judá (Jr 7.6; 22.3). E é uma parte da aliança para a qual Jeremias continua chamando Judá. “Abraão será o pai de uma nação grande e poderosa, e por meio dele todas as nações da terra serão abençoadas” (Gn 18.18). No entanto, falsos profetas no exílio garantiam aos judeus exilados que o favor de Deus sempre repousaria sobre Israel, com a exclusão de seus vizinhos. A Babilônia cairia, Jerusalém seria salva e o povo logo voltaria para casa. Jeremias tentou neutralizar essa falsa proclamação com a verdadeira palavra de Deus para eles: vocês ficarão exilados na Babilônia por setenta anos (Jr 29.10). [1]

A Babilônia seria o único lar desta geração. Deus chamou o povo para trabalhar diligentemente na terra: “construam casas... plantem jardins e comam de seus frutos”. Os judeus deveriam florescer ali como povo de Deus, embora fosse um lugar de punição e arrependimento para eles. Além disso, o sucesso dos judeus na Babilônia estava ligado ao sucesso da Babilônia: “orem ao Senhor em favor dela [da cidade], porque a prosperidade de vocês depende da prosperidade dela” (Jr 29.7). Esse chamado à responsabilidade civil, há dois mil e seiscentos anos, é válido ainda hoje. Somos chamados a trabalhar pela prosperidade de toda a comunidade, não apenas por nossos interesses limitados. Como os judeus dos dias de Jeremias, estamos longe de ser perfeitos. Podemos até estar sofrendo por nossa falta de fé e corrupção. No entanto, somos chamados e equipados para ser uma bênção para as comunidades em que vivemos e trabalhamos.

Deus chamou seu povo para usar suas várias habilidades profissionais a fim de servir à comunidade ao redor. “Busquem a prosperidade da cidade para a qual eu os deportei” (Jr 29.7). Pode-se argumentar que essa passagem não prova que Deus tem algum cuidado real com os babilônios. Ele simplesmente sabe que, como cativos, os israelitas não poderiam prosperar, a menos que seus captores também prosperassem. Mas, como vimos, o cuidado com aqueles que estão além do povo de Deus é um elemento inerente à aliança e aparece nos ensinamentos anteriores de Jeremias. Construtores de casas, jardineiros, agricultores e trabalhadores de todos os tipos foram explicitamente chamados a trabalhar pelo bem de toda a sociedade em Jeremias 29. A provisão de Deus é tão grande que, mesmo quando as casas de seu povo forem destruídas, as famílias forem deportadas, as terras forem confiscadas, os direitos forem violados e a paz for quebrada, eles terão o suficiente para prosperar e abençoar os outros. Mas somente se dependerem de Deus; daí a admoestação à oração em Jeremias 29.7. À luz de Jeremias 29, é difícil ler 1Coríntios 12—14 e as outras passagens sobre dons no Novo Testamento como aplicáveis ​​apenas à igreja ou aos cristãos. Deus chama e equipa seu povo para servir ao mundo inteiro.

A presença de Deus em todos os lugares (Jeremias 29)

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Isso não deve ser surpresa, é claro, porque “do Senhor é a terra e tudo o que nela existe, o mundo e os que nele vivem” (Sl 24.1). A presença de Deus não é mais encontrada apenas em Jerusalém ou Judá, mas até mesmo na capital do inimigo. Podemos ser uma bênção onde quer que estejamos, porque Deus está conosco onde quer que estejamos. Ali, no coração da Babilônia, o povo de Deus foi chamado para trabalhar como se estivesse na presença de Deus. É difícil para nós, hoje, entender como isso seria chocante para os exilados, pois até então eles pensavam que Deus estava totalmente presente apenas no templo em Jerusalém. Agora, eles foram instruídos a viver na presença de Deus sem o templo e longe de Jerusalém.

O sentimento de exílio é familiar a muitos cristãos que trabalham. Estamos acostumados a encontrar a presença de Deus na igreja, entre seus seguidores. Mas, no ambiente de trabalho, trabalhando ao lado de crentes e descrentes, podemos não esperar encontrar a presença de Deus. Isso não significa que essas instituições sejam necessariamente antiéticas ou hostis aos cristãos, mas simplesmente que têm interesses diferentes do que trabalhar na presença de Deus. Mas Deus está presente, no entanto, sempre procurando se revelar àqueles que o reconhecerão ali. Acomode-se na terra: plante jardins e coma o que eles produzirem, trabalhe e leve para casa seu salário. Deus está lá com você.[1]

Bênção para todos os povos (Jeremias 29)

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Isso nos leva a uma noção expandida do bem comum. Ore pela Babilônia, porque Israel deve ser uma bênção para toda a humanidade, não apenas para si mesma: “por meio de você todos os povos da terra serão abençoados” (Gn 12.3). Agora, no momento da derrota total, chega o momento em que eles são chamados a abençoar até mesmo seus inimigos. Essa bênção inclui prosperidade material, pois Jeremias 29.7 deixa isso bem claro. Quão irônico é que, nos capítulos 1 a 25, Deus reteve sua paz e prosperidade de Judá por causa de sua falta de fé; no entanto, no capítulo 29, Deus queria abençoar a Babilônia com paz e prosperidade, embora os babilônios não tivessem fé no Deus de Judá. Por quê? Porque a finalidade apropriada de Israel é ser uma bênção para todas as nações.

Isso imediatamente põe em dúvida qualquer esquema projetado para o benefício especial dos cristãos. Como parte de nosso testemunho, os cristãos são chamados a competir de forma eficaz no mercado. Não podemos administrar negócios abaixo da média, esperando que Deus nos abençoe enquanto temos um desempenho abaixo do esperado. Os cristãos precisam competir com excelência em condições de igualdade, se quisermos abençoar o mundo. Qualquer organização comercial, relação de fornecedor preferencial, preferência de contratação, vantagem fiscal ou regulatória ou outro sistema projetado para beneficiar apenas os cristãos não está abençoando a cidade. Durante a fome irlandesa, em meados do século XIX, muitas igrejas anglicanas forneciam comida apenas para aqueles que se convertessem do catolicismo romano ao protestantismo. A má vontade que isso criou ainda reverbera 150 anos depois, e isso foi apenas a atitude egoísta de uma denominação cristã contra outra. Imagine o dano muito maior causado pela discriminação dos cristãos contra os não-cristãos, que preenche as páginas da história, desde a antiguidade até os dias de hoje.

A obra dos cristãos em sua fidelidade a Deus visa o bem de todos, começando com aqueles que não são o povo de Deus e se estendendo por meio deles até o próprio povo de Deus. Este é talvez o princípio econômico mais profundo em Jeremias: trabalhar para o bem dos outros é a única maneira confiável de trabalhar para o seu próprio bem. Líderes empresariais bem-sucedidos entendem que desenvolvimento de produtos, marketing, vendas e suporte ao cliente são eficazes quando colocam o cliente em primeiro lugar. Aqui, certamente, está uma prática recomendada que pode ser reconhecida por todos os trabalhadores, sejam seguidores de Cristo ou não.

A bondade do trabalho restaurado (Jeremias 30—33)

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Por vinte e três anos, Jeremias profetizou a vindoura destruição de Jerusalém (desde as palavras de Deus contra Judá, no capítulo 2, até o capítulo 28). [1] Então, nos capítulos 30 a 33, o profeta aguardava a restauração do Reino de Deus. Ele a descreveu em termos da alegria de trabalhar sem a contaminação do pecado:

Eu a edificarei mais uma vez, ó virgem, Israel! Você será reconstruída! [2] Mais uma vez você se enfeitará com guizos e sairá dançando com os que se alegram. De novo você plantará videiras nas colinas de Samaria; videiras antes profanadas pelos lavradores que as tinham plantado. Porque vai chegando o dia em que os sentinelas gritarão nas colinas de Efraim: ‘Venham e subamos a Sião, à presença do Senhor, do nosso Deus’. [3] (Jr 31.4-6)

A estrutura geral das profecias de Jeremias é pecado, depois exílio e então restauração, como vemos aqui. Enquanto a restauração em Judá ainda estava longe, [4] o profeta deu uma razão para a esperança prometida aos exilados em Jeremias 29.11. No mundo restaurado, as pessoas ainda trabalhariam, mas, embora no passado seu trabalho levasse à futilidade, agora elas aproveitariam os frutos. As pessoas restauradas teriam uma vida de trabalho, prazer, banquetes e adoração, tudo ligado em uma só coisa. A imagem de plantar, colher, tocar música, dançar e desfrutar da colheita retrata o prazer de trabalhar em fidelidade a Deus.

A fidelidade a Deus não é uma questão secundária, mas o cerne de apreciar o trabalho e as coisas produzidas por ele. A “nova aliança” descrita em Jeremias 31.31-34 e 32.37-41 repetiu a importância da fidelidade.

“Estão chegando os dias”, declara o Senhor, “quando farei uma nova aliança com a comunidade de Israel e com a comunidade de Judá. Não será como a aliança que fiz com os seus antepassados quando os tomei pela mão para tirá-los do Egito; porque quebraram a minha aliança, apesar de eu ser o Senhor deles”, diz o Senhor. “Esta é a aliança que farei com a comunidade de Israel depois daqueles dias”, declara o Senhor: “Porei a minha lei no íntimo deles e a escreverei nos seus corações. Serei o Deus deles, e eles serão o meu povo. Ninguém mais ensinará ao seu próximo nem ao seu irmão, dizendo: ‘Conheça ao Senhor’, porque todos eles me conhecerão, desde o menor até o maior”. (Jr 31.31-34)

De uma só vez, vemos um mundo restaurado: trabalho desfrutado pelo povo de Deus como sempre deveria ter sido, com corações fiéis à lei do Senhor. As pessoas serão restauradas ao que sempre deveriam ter sido, trabalhando pelo bem comum, por causa de sua experiência da presença de Deus em todos os aspectos da vida. Robert Carroll observa: “A comunidade reconstruída é aquela em que trabalho e adoração estão integrados”. [5] Podemos não esperar que isso seja totalmente verdade para nós agora, porque ainda estamos em um mundo de pecado. Mas podemos ter vislumbres dessa realidade agora.

Escravos são libertados (Jeremias 34)

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Um dos novos mandamentos finais de Deus em Jeremias é a renúncia à escravidão (Jr 34.9). A Lei de Moisés exigia que os escravos hebreus fossem libertados após seis anos de serviço (Êx 21.2-4; Dt 15.12). Os adultos podiam vender a si mesmos e os pais podiam vender seus filhos à servidão por seis anos. Depois disso, eles deviam ser libertados (Lv 25.39-46). Em teoria, era um sistema mais humano do que a servidão ou a escravidão conhecida na era moderna. Mas a prática foi abusada por senhores que simplesmente ignoravam a exigência de libertar os escravos no final do período estipulado, ou que continuamente reinscreviam os escravos em uma vida de períodos consecutivos de seis anos (Jr 34.16-17).

Jeremias 34.9 é notável porque exigia a libertação imediata de todos os escravos hebreus, independentemente de quanto tempo estivessem nessa situação. E, mais dramaticamente, estabeleceu que “ninguém poderia escravizar um compatriota judeu. Assim, ... concordaram em deixá-los livres e não mais escravizá-los” (Jr 34.9-10). Em outras palavras, foi a abolição da escravidão, pelo menos no que diz respeito aos judeus que tinham escravos judeus. Não está claro se isso era para ser uma abolição permanente ou se era uma resposta às circunstâncias extremas de derrota militar e exílio iminentes. De qualquer forma, não foi aplicada por muito tempo, e os senhores logo voltaram a escravizaram seus ex-escravos. Mas é um avanço econômico de tirar o fôlego — ou teria sido, se tivesse permanecido.

Desde o início, Deus havia proibido a escravidão vitalícia e involuntária entre os judeus, mostrando que “você foi escravo no Egito e que o Senhor, o seu Deus, o redimiu” (Dt 15.15). Se Deus estendeu seu braço poderoso para libertar um povo, como ele poderia suportar que fossem escravizados novamente, mesmo que fosse por outros do mesmo povo? Mas, em Jeremias 34, Deus acrescentou um novo fator: proclamar “libertação cada um para o seu compatriota e para o seu próximo” (Jr 34.17). Ou seja, a humanidade dos escravos — chamados de “compatriota” e “próximo” — exigia que fossem libertados. Eles mereciam a liberdade porque eram — ou deveriam ter sido — membros queridos da comunidade. Isso ia além da classificação religiosa ou racial, pois pessoas de diferentes religiões e raças podiam ser amigas e vizinhas umas das outras. Não tinha nada a ver com ser descendente de uma nação em particular — Israel — que Deus libertou do Egito. Os escravos deveriam ser libertados simplesmente porque eram humanos, assim como seus senhores e as comunidades ao seu redor.

Esse princípio subjacente ainda se aplica. Os milhões de pessoas ainda escravizadas no mundo precisam urgentemente ser libertadas simplesmente por causa de sua humanidade. Além disso, todos os trabalhadores — não apenas aqueles que estão presos ao trabalho escravo — devem ser tratados como “compatriota” e “próximo”. Esse princípio se aplica fortemente às condições desumanas de trabalho, à violação dos direitos civis dos trabalhadores, à discriminação injusta, ao assédio sexual e à série de males menores, assim como se aplica à escravidão em si. Qualquer coisa a que não sujeitaríamos nosso próximo, qualquer coisa que não toleraríamos que acontecesse com nossos amigos mais chegados, também não devemos tolerar em nossas empresas, organizações, comunidades e sociedades. Na medida em que os cristãos moldam o clima em nossos ambientes de trabalho, estamos sob o mesmo mandato que o povo de Judá no tempo de Jeremias.

Tomando uma posição no trabalho (Jeremias 38)

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A maior parte do restante de Jeremias descreve as provações de Jeremias como profeta (capítulos 35—45), seus oráculos contra as nações (capítulos 46—51) e a narração da queda de Jerusalém (capítulo 52). Uma passagem se destaca em relação ao trabalho: a história de Ebede-Meleque. A narrativa é simples: Jeremias pregou ao povo enquanto Jerusalém era sitiada pelo exército babilônico. Sua mensagem avisava que a cidade cairia e qualquer um que saísse e se rendesse aos babilônios viveria. Os oficiais de Judá não consideraram esse sermão propriamente motivacional. Com a permissão do rei, eles jogaram Jeremias em uma cisterna onde, presumivelmente, ele morreria de fome durante o cerco ou se afogaria durante a próxima chuva (Jr 38.1-6).

Mas Ebede-Meleque, o etíope, oficial do palácio real, ouviu que eles tinham jogado Jeremias na cisterna. Ora, o rei estava sentado junto à porta de Benjamim, e Ebede-Meleque saiu do palácio e foi dizer-lhe: “Ó rei, meu senhor, esses homens cometeram um mal em tudo o que fizeram ao profeta Jeremias. Eles o jogaram numa cisterna para que morra de fome, pois já não há mais pão na cidade”. Então o rei ordenou a Ebede-Meleque, o etíope: “Leve com você três homens sob as suas ordens e retire o profeta Jeremias da cisterna antes que ele morra” (Jr 38.7-10).

O rumo da decisão do rei provavelmente mostrou uma simples apatia quanto ao assunto (embora Deus possa usar tanto a apatia quanto a atividade de um rei). É o escravo gentio sem nome (“Ebede-Meleque” significa simplesmente “escravo do rei”) que se destaca como alguém fiel. [1] Embora seu status de imigrante e a diferença racial o tornassem um trabalhador vulnerável, sua fidelidade a Deus o levou a denunciar a injustiça em seu ambiente de trabalho. Como resultado, uma vida foi salva. Uma engrenagem anônima na roda fez uma diferença de vida ou morte.

A ação de Ebede-Meleque em favor do profeta ilustrou a mensagem de Jeremias de que a fidelidade a Deus supera todas as outras considerações no ambiente de trabalho. Ebede-Meleque não tinha como saber de antemão se o rei agiria com justiça ou, então, se sair da cadeia de comando seria uma medida que limitaria sua carreira (ou uma medida que levaria ao fim da vida, dado o que aconteceu com Jeremias). Parece que ele confiava em Deus para provê-lo, independentemente da resposta do rei. Então Ebede-Meleque é louvado por Deus. “Eu certamente o resgatarei... porque você confia em mim”, declara o Senhor” (Jr 39.18).

Jeremias, o poeta, em ação: Lamentações

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Embora não tenhamos provas internas de que as Lamentações foram escritas por Jeremias, a tradição rabínica, os temas paralelos em Jeremias e em Lamentações e o caráter de testemunha ocular dos lamentos apontam para Jeremias como o provável autor desses cinco poemas de lamento. [1] Judá e sua capital, Jerusalém, foram totalmente destruídas. Após um cerco de dois anos, os babilônios capturaram a cidade, derrubaram seus muros, saquearam e destruíram o templo de Deus e levaram os cidadãos capazes para o exílio na Babilônia. Jeremias está entre os poucos sobreviventes que restaram na terra, vivendo entre aqueles que se agarraram à vida por meio da fome e viram crianças famintas morrerem, enquanto falsos profetas continuavam a enganar o povo quanto aos propósitos de Deus. O livro de Lamentações captura a desolação da cidade e o desespero do povo, ao mesmo tempo em que ressalta o motivo dessa desolação.

Aqui vemos o poeta em ação. Em cinco poemas bem estruturados, ele usa imagens fortes da carnificina na cidade, enquanto Deus permite a punição de seu povo por seus pecados cruéis. Mas, apesar da profundidade emocional de sua dor, o artista captura a devastação de uma forma poética e controlada. Isso é arte a serviço da liberação emocional. Embora uma discussão sobre “trabalho” não inclua frequentemente o trabalho de artistas, esses poemas nos forçam a reconhecer o poder da arte de retratar os altos e baixos da experiência humana.

O artista incorpora uma nota de esperança nesse desespero, ancorando o futuro na bondade de Deus:

Todavia, lembro-me também do que pode me dar esperança: Graças ao grande amor do Senhor é que não somos consumidos, pois as suas misericórdias são inesgotáveis. Renovam-se cada manhã; grande é a sua fidelidade! Digo a mim mesmo: A minha porção é o Senhor; portanto, nele porei a minha esperança. O Senhor é bom para com aqueles cuja esperança está nele, para com aqueles que o buscam (Lm 3.21-25).
Porque o Senhor não o desprezará para sempre. Embora ele traga tristeza, mostrará compaixão, tão grande é o seu amor infalível. Porque não é do seu agrado trazer aflição e tristeza aos filhos dos homens (Lm 3.31-33).
Como pode um homem reclamar quando é punido por seus pecados? Examinemos e coloquemos à prova os nossos caminhos e depois voltemos ao Senhor. Levantemos o coração e as mãos para Deus, que está nos céus (Lm 3.39-41).

Na destruição de Jerusalém, os inocentes sofreram junto com os culpados. Crianças famintas e profetas fiéis como Jeremias suportaram a mesma miséria imposta àqueles cujos pecados deram fim à cidade. Essa é a realidade da vida em um mundo caído. Quando corporações entram em colapso sob o peso de más decisões, negligência grosseira ou práticas totalmente ilegais, pessoas inocentes perdem seus empregos e pensões, juntamente com aqueles que causaram o desastre. Ao mesmo tempo, para o cristão no ambiente de trabalho, as desigualdades nesta vida não são eternas. Deus reina e sua compaixão nunca falha (Salmo 136). Não é fácil se apegar a essa realidade divina em meio a sistemas pecaminosos e líderes sem princípios. Mas Lamentações nos diz: “O Senhor não o desprezará para sempre”. Andamos pela fé no Deus vivo, cuja fidelidade a nós não falhará.