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Romanos e o trabalho

Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do Trabalho
Romans

Introdução a Romanos

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A carta de Paulo aos Romanos é mais conhecida por sua visão das ações graciosas de Deus para com a humanidade por meio da cruz e da ressurreição de Cristo. “É o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê.” (Rm 1.16) Há alguma coisa profundamente errada conosco individualmente — e com o mundo como um todo — da qual precisamos ser salvos, e Romanos nos diz como Deus nos salva.

Romanos é profundamente teológico, mas não abstrato. A salvação de Deus não é um conceito para um discurso analítico sobre Romanos, mas um chamado à ação (Rm 6.22). Paulo conta como a salvação de Deus afeta nossa sabedoria, nossa honestidade, nossos relacionamentos, nosso julgamento, nossa capacidade de suportar reveses, nosso caráter e nosso raciocínio ético, todos itens essenciais ao trabalho. É aqui, no âmago da questão dos relacionamentos humanos e no desejo de fazer um bom trabalho, onde a salvação de Deus se estabelece em nosso mundo.

Escrita em algum momento durante o reinado do imperador romano Nero (54-68 d.C.), a carta aos Romanos dá uma ideia das trevas e do perigo que cercavam as igrejas romanas nos lares, compostas por judeus e gentios convertidos a Cristo. Alguns dos membros judeus das congregações haviam sido exilados por um édito do imperador Cláudio, do ano 49, e retornado apenas recentemente. Nesse meio tempo, é provável que tivessem perdido suas propriedades e estabilidade financeira (At 18.2). O sentimento antijudaico na cultura romana mais ampla certamente exerceu pressão sobre as igrejas cristãs. A extensa reflexão de Paulo nesta carta sobre a fidelidade de Deus com relação aos judeus e gentios nada tem de abstrata sobre os caminhos de Deus, mas trata-se sim de uma hábil reflexão teológica sobre esses eventos históricos e suas consequências. O resultado é um conjunto de ferramentas práticas para a tomada de decisões morais que levem a uma nova qualidade de vida em todos os lugares onde as pessoas vivem e trabalham.

A carta aos Romanos foi excepcionalmente importante no desenvolvimento da teologia cristã. Para dar apenas dois exemplos, Martinho Lutero rompeu com o papa Leão X em grande parte por causa de seu desacordo sobre o que ele percebia ser o entendimento católico romano da carta aos Romanos. O título de Karl Barth intitulado Carta aos Romanos foi, sem dúvida, a obra teológica mais influente do século 20. [1] Nos últimos vinte e cinco ou trinta anos, surgiu um grande debate teológico sobre a relação entre salvação e boas obras em Romanos e no restante das cartas de Paulo, frequentemente chamado de Nova Perspectiva sobre Paulo. Os comentários gerais sobre Romanos exploram essas questões em profundidade. Vamos nos concentrar especificamente no que a carta contribui para a teologia do trabalho. É claro que precisamos ter um entendimento básico dos pontos gerais de Paulo antes de aplicá-los ao trabalho; portanto, quando necessário, faremos uma certa exploração teológica geral.

O evangelho da salvação — a vocação de Paulo (Rm 1.1-17)

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O versículo de abertura de Romanos anuncia a própria vocação de Paulo, a obra que Deus o chamou para fazer: proclamar o evangelho de Deus em palavras e ações. Então, o que é o evangelho de Deus? Paulo diz que é “o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê: primeiro do judeu, depois do grego. Porque no evangelho é revelada a justiça de Deus, uma justiça que do princípio ao fim é pela fé, como está escrito: ‘O justo viverá pela fé’” (Rm 1.16-17). Para Paulo, o evangelho é mais do que palavras — é o poder de Deus para a salvação. Ele enfatiza que essa salvação não é apenas para um grupo de pessoas, mas se destina a ajudar qualquer indivíduo na terra a, pela fé, se colocar entre o povo de Deus. Sendo assim, Romanos trata acima de tudo da salvação de Deus.

O que é salvação? A salvação é a obra de Deus que coloca os seres humanos em um relacionamento correto com Deus e uns com os outros. Como veremos em breve, estamos sendo salvos de relacionamentos rompidos — com Deus e com as pessoas — que liberam no mundo as forças malignas do pecado e da morte. Portanto, a salvação é, antes de tudo, a cura de relacionamentos rompidos, começando com a cura que reconcilia o Criador e a criatura, Deus e nós. Nossa reconciliação com Deus leva à libertação do pecado e a uma novidade de vida que não é limitada pela morte.

Em alguns momentos da história, os cristãos reduziram o evangelho de salvação de Paulo a algo como “creia em Jesus para que você possa ir pessoalmente para o céu quando morrer”. Até certo ponto, isso é verdade, mas totalmente inadequado. Para começar, uma declaração como essa não diz nada sobre relacionamentos, exceto entre o indivíduo e Deus, mas Paulo nunca deixa de falar sobre relacionamentos interpessoais e das pessoas com o restante da criação de Deus. E Paulo tem muito mais a dizer sobre fé, sobre a vida em Jesus, sobre o reino de Deus e sobre a qualidade de vida antes e depois da morte do que poderia ser encapsulado em um único slogan.

Da mesma forma, a salvação não pode ser reduzida a um único momento no tempo. Paulo diz que “fomos salvos” (Rm 8.24) e que “seremos salvos” (por exemplo, Rm 5.9). A salvação é um processo contínuo, e não um evento único. Deus interage com cada pessoa em uma dança de graça divina e fidelidade humana ao longo do tempo. Existem momentos decisivos no processo de ser salvo, é claro. Os momentos centrais são a morte de Cristo na cruz e sua ressurreição dentre os mortos. Paulo nos diz que “fomos reconciliados com ele mediante a morte de seu Filho” (Rm 5.10) e “aquele que ressuscitou a Cristo dentre os mortos também dará vida a seus corpos mortais” (Rm 8.11).

Cada um de nós também pode considerar o instante em que dissemos acreditar em Cristo como o momento decisivo de nossa salvação. Romanos, no entanto, nunca fala de um momento de salvação pessoal, como se a salvação tivesse acontecido conosco no passado e, agora, estivesse armazenada até que Cristo volte. Paulo usa o pretérito apenas para se referir à morte e à ressurreição de Cristo, ao momento em que Cristo trouxe a salvação ao mundo. Quando se trata de cada crente, ele fala de um processo contínuo de salvação, sempre no presente ou no futuro. “Com o coração se crê para justiça, e com a boca se confessa para salvação” (Rm 10.10). Não “creu” e “confessou”, no passado, mas “crê” e “confessa”, no presente. Isso leva diretamente a “todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo”, ou seja, tempo futuro (Rm 10.13). A salvação não é algo que nos foi dado. Ela está sempre sendo dada a nós.

Fizemos questão de enfatizar a ação contínua da salvação porque o trabalho é um dos lugares de maior destaque de nossas ações. Se a salvação fosse algo que só aconteceu conosco no passado, então o que fazemos no trabalho (ou em qualquer lugar da vida) seria irrelevante. Mas, se a salvação é algo que está acontecendo em nossa vida, então ela produz frutos no trabalho. Para ser mais preciso, visto que a salvação é a reconciliação de relacionamentos rompidos, nosso relacionamento com Deus, com as pessoas e com o mundo criado em ação (como em todos os lugares da vida) melhorarão à medida que o processo de salvação se estabelecer. Apenas para dar alguns exemplos, a salvação é evidente quando criamos coragem para falar uma verdade impopular, para ouvir com compaixão o ponto de vista dos outros, para ajudar os colegas a atingirem seus objetivos e produzirem frutos de trabalho que ajudem as pessoas a prosperarem.

Isso significa que devemos trabalhar — e continuar trabalhando — para ser salvos? Absolutamente não! A salvação vem unicamente por meio da “graça de Deus, isto é, a dádiva pela graça de um só, Jesus Cristo” (Rm 5.15). Isso “vem pela fé” (Rm 4.16) e nada mais. Como N. T. Wright coloca, “seja qual for a linguagem ou terminologia que usemos para falar sobre o grande dom que o único e verdadeiro Deus deu ao seu povo em e por meio de Jesus Cristo, ele continua sendo precisamente um dom. Nunca é algo que possamos ganhar. Nunca podemos colocar Deus em dívida conosco; nós é que sempre estamos em débito para com ele”. [1] Não trabalhamos para ser salvos. Mas, porque estamos sendo salvos, fazemos uma obra que dá frutos para Deus (Rm 7.4). Voltaremos à questão de como a salvação nos é dada em “Juízo, justiça e fé” abaixo, em Romanos 3.

Em suma, a salvação é a obra final de Cristo no mundo, o objetivo em direção ao qual os crentes sempre “prosseguem”, como Paulo coloca (Fp 3.12). A salvação está por trás de tudo que tanto Paulo quanto os crentes fazem no trabalho e na vida.

Nossa necessidade de salvação na vida e no trabalho (Rm 1.18-32)

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Vimos em Romanos 1.1-17 que a salvação começa com a reconciliação com Deus. As pessoas se afastaram de Deus por causa de sua “impiedade e injustiça” (Rm 1.18). “Tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças.” (Rm 1.21) Dentre as criaturas do Jardim do Éden (Gn 1—2), fomos criados para andar em intimidade com Deus, mas nosso relacionamento com Deus tornou-se tão distante que não o reconhecemos mais. Paulo chama esse estado de “disposição mental reprovável” (Rm 1.28).

Na falta da presença de espírito para permanecer na presença do Deus real, tentamos criar os próprios deuses. Trocamos “a glória do Deus imortal por imagens feitas segundo a semelhança do homem mortal, bem como de pássaros, quadrúpedes e répteis” (Rm 1.23). Nosso relacionamento com Deus está tão completamente danificado que não conseguimos enxergar a diferença entre andar com Deus e esculpir um ídolo. Quando nosso relacionamento real com o Deus verdadeiro é rompido, criamos relacionamentos falsos com deuses falsos. A idolatria, então, não é apenas um pecado entre outros, mas a essência de um relacionamento rompido com Deus. (Para mais informações sobre idolatria, consulte “Não farás para ti nenhum ídolo” (Êx 20.4), em www.teologiadotrabalho.org.)

Quando nosso relacionamento com Deus é rompido, nosso relacionamento com as pessoas também é prejudicado. Paulo lista alguns dos aspectos do consequente rompimento dos relacionamentos humanos.

Tornaram-se cheios de toda sorte de injustiça, maldade, ganância e depravação. Estão cheios de inveja, homicídio, rivalidades, engano e malícia. São bisbilhoteiros, caluniadores, inimigos de Deus, insolentes, arrogantes e presunçosos; inventam maneiras de praticar o mal; desobedecem a seus pais; são insensatos, desleais, sem amor pela família, implacáveis. (Rm 1.29-31)

Vivenciamos no trabalho quase todas essas formas de relacionamento rompido. Ganância, rivalidade e inveja da posição ou do contracheque de outros, malícia e desobediência às autoridades, fofocas e calúnias contra colegas de trabalho e concorrentes, engano e infidelidade nas comunicações e nos compromissos, insolência, arrogância e presunção daqueles que experimentam sucesso, insensatez nas decisões, desamor e inclemência por parte daqueles que estão no poder. Não o tempo todo, é claro. Alguns locais de trabalho são melhores que outros. Mas todo local de trabalho conhece as consequências de relacionamentos rompidos. Todos nós sofremos com eles. Todos nós contribuímos para causá-los.

Podemos até agravar o problema fazendo do trabalho um ídolo, dedicando-nos a ele na vã esperança de que ele, por si só, nos traga significado, propósito, segurança ou felicidade. Talvez isso pareça funcionar por um tempo, até que sejamos preteridos em uma promoção, demitidos, afastados ou nos aposentemos. Então descobrimos que o trabalho chega ao fim e, então, nos tornamos estranhos para nossa família e amigos. Assim como “homem mortal, [...] pássaros, quadrúpedes e répteis”, o trabalho foi criado por Deus (Gn 2.15) e é inerentemente bom, mas se torna mau quando elevado ao lugar de Deus.

Todos pecaram (Rm 2—3)

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Infelizmente, essa ruptura se estende até mesmo ao local de trabalho de Paulo, à igreja cristã e, em particular, aos cristãos em Roma. Apesar de serem o povo de Deus (Rm 9.25), “chamados para serem santos” (Rm 1.7), os cristãos em Roma estão passando por um colapso interrelacional. Especificamente, os cristãos judeus estão julgando os cristãos gentios por não se conformarem a suas expectativas peculiares, e vice-versa. “Sabemos que o juízo de Deus contra os que praticam tais coisas é conforme a verdade”, observa Paulo (Rm 2.2). Cada lado afirma que conhece os juízos de Deus e que fala por Deus. O ato de afirmar que falam em nome de Deus transforma as próprias palavras em ídolos, ilustrando em uma escala menor como a idolatria (romper a relação com Deus) leva ao julgamento (romper o relacionamento com as pessoas).

Ambos os lados estão errados. A verdade é que gentios e judeus se afastaram de Deus. Os gentios, que deveriam ter reconhecido a soberania de Deus na própria criação, se entregaram à adoração a ídolos e a todo comportamento destrutivo oriundo desse erro básico (Rm 1.18-32). Os judeus, em contrapartida, tornaram-se críticos, hipócritas e arrogantes por serem o povo da Torá. Paulo resume ambas as situações, dizendo: “Todo aquele que pecar sem a Lei, sem a Lei também perecerá, e todo aquele que pecar sob a Lei, pela Lei será julgado” (Rm 2.12).

Mas o cerne do problema não está na incompreensão de ambas as partes das expectativas de Deus, mas no fato de cada lado julgar o outro, destruindo os relacionamentos que Deus havia criado. É crucial reconhecer o papel do juízo no argumento de Paulo. O julgamento rompe relacionamentos. Os pecados específicos mencionados em Romanos 1.29-31 não são os responsáveis pelo rompimento dos relacionamentos, mas o resultado final. As causas de nossos relacionamentos rompidos são a idolatria (em relação a Deus) e o juízo (em relação às pessoas). Na verdade, a idolatria pode ser entendida como uma forma de julgamento, o julgamento de que Deus não é adequado e de que podemos criar, por conta própria, deuses melhores. Assim, a preocupação primordial de Paulo nos capítulos 2 e 3 é o julgamento que fazemos dos outros.

Portanto, você, que julga os outros é indesculpável; pois está condenando você mesmo naquilo em que julga, visto que você, que julga, pratica as mesmas coisas. Sabemos que o juízo de Deus contra os que praticam tais coisas é conforme a verdade. Assim, quando você, um simples homem, os julga, mas pratica as mesmas coisas, pensa que escapará do juízo de Deus? (Rm 2.1-3)

Se nos perguntarmos o que fizemos para que tenhamos necessidade de salvação, a resposta acima de tudo é, de acordo com Paulo, julgamento e idolatria. Julgamos os outros, embora não tenhamos o direito de fazê-lo, e assim trazemos o julgamento de Deus sobre nós mesmos, enquanto ele trabalha para restaurar a verdadeira justiça. Para usar uma metáfora moderna, é como a Suprema Corte derrubando um juiz corrupto em um tribunal inferior que nem sequer tinha jurisdição.

Isso significa que os cristãos nunca devem avaliar as ações alheias ou se opor às pessoas no trabalho? Não. Como trabalhamos como agentes de Deus, temos o dever de avaliar se o que acontece no trabalho serve aos propósitos de Deus ou os atrapalha, e agir de acordo (ver alguns exemplos de Paulo em Rm 12.9—13.7). Um supervisor pode precisar disciplinar ou demitir um funcionário que não esteja fazendo seu trabalho satisfatoriamente. Um trabalhador pode precisar passar por cima de um supervisor para relatar uma violação ética ou política. Um professor pode precisar dar uma nota baixa. Um eleitor ou político pode ter de se opor a um candidato. Um ativista pode precisar protestar contra uma injustiça corporativa ou governamental. Um aluno pode precisar denunciar a trapaça de outro aluno. Uma vítima de abuso ou discriminação pode precisar cortar o contato com o agressor.

Como somos responsáveis ​​perante Deus pelos resultados de nosso trabalho e pela integridade de nosso local de trabalho, precisamos avaliar as ações e intenções das pessoas e agir para evitar injustiças, e assim fazer um bom trabalho. Mas isso não significa que julgamos o valor dos outros como seres humanos ou nos consideramos moralmente superiores. Mesmo quando nos opomos às ações dos outros, não os julgamos.

Às vezes, pode ser difícil perceber a diferença, mas Paulo nos dá uma orientação surpreendentemente prática: respeite a consciência do outro. Deus criou os seres humanos de tal maneira que “as exigências da Lei estão gravadas em seu coração. Disso dão testemunho também a sua consciência e os pensamentos deles” (Rm 2.15). Se os outros estão de fato seguindo a própria consciência, não é seu trabalho julgá-los. Mas, se você estiver se apresentando como moralmente superior, condenando os outros por seguirem a própria bússola moral, provavelmente está julgando de maneira “indesculpável” (Rm 2.1).

Julgamento, a fonte de relacionamentos rompidos (Rm 3.1-20)

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O que pode ser feito com um mundo cujas pessoas estão separadas de Deus pela idolatria e umas das outras pelo julgamento? A verdadeira justiça de Deus é a resposta. Em Romanos 3, Paulo descreve o que acontece na salvação em termos da justiça de Deus. “Nossa injustiça ressalta de maneira ainda mais clara a justiça de Deus” (Rm 3.5).

Antes de prosseguir, precisamos falar um pouco sobre a terminologia de justiça e retidão. Paulo usa a palavra grega para justiça, dikaiosynē e suas várias formas, trinta e seis vezes em Romanos. É traduzida como “retidão” com mais frequência e como “justiça” (ou “justificação”) com menos frequência. Mas os dois são o mesmo na linguagem de Paulo. O uso primário de dikaiosynē está nos tribunais, onde as pessoas buscam justiça para restaurar uma situação incorreta. Portanto, salvação significa ser tornado reto com Deus (retidão) e com as pessoas, e toda a criação (justiça). Uma exploração completa da relação entre as palavras salvação, justificação, justiça, e salvação está além do escopo deste capítulo, mas é abordada em qualquer comentário geral sobre Romanos. [1]

Se isso parece abstrato, pergunte-se se você consegue ver implicações concretas no trabalho. O julgamento (falso) das pessoas em relação às demais é a raiz de relacionamentos rompidos e da injustiça no seu local de trabalho? Por exemplo, se um gerente e um funcionário discordam sobre a avaliação de desempenho deste, qual deles causa maior dano: a própria falta de desempenho ou a hostilidade decorrente de seu julgamento? Ou se alguém fofoca sobre outro no trabalho, o que causa maior dano: a vergonha do que provocou a fofoca ou ressentimento pelo julgamento revelado pelo tom do fofoqueiro e pelas risadinhas dos ouvintes?

Se o falso julgamento é a raiz dos relacionamentos rompidos com Deus, com as pessoas e com a criação, como podemos encontrar a salvação? Aquilo de que precisamos — justiça e retidão — é exatamente aquilo de que somos mais incapazes. Mesmo que queiramos voltar a ter relacionamentos corretos, nossa incapacidade de julgar corretamente significa que, quanto mais nos esforçamos, mais pioramos o problema. “Quem me libertará [...]?”, Paulo lamenta (Rm 7.24).

Não podemos esperar ser resgatados por ninguém, pois eles estão no mesmo barco em que estamos. “Todo homem [é] mentiroso”, Paulo nos diz (Rm 3.4). “Não há nenhum justo, nem um sequer; não há ninguém que entenda, ninguém que busque a Deus. Todos se desviaram, tornaram-se juntamente inúteis; não há ninguém que faça o bem, não há nem um sequer” (Rm 3.10-12). “Todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus.” (Rm 3.23)

No entanto, há esperança — não na humanidade, mas na fidelidade de Deus. “Que importa se alguns deles foram infiéis? A sua infidelidade anulará a fidelidade de Deus? De maneira nenhuma!”, ele responde (Rm 3.3-4). Pelo contrário, “a nossa injustiça ressalta de maneira ainda mais clara a justiça de Deus”. Isso significa que o local de trabalho é um ambiente para a graça, tanto quanto a igreja ou a família. Se sentirmos que o local de trabalho é muito secular, muito antiético, muito hostil à fé, muito cheio de pessoas gananciosas e sem alma, então é exatamente o lugar onde a cruz de Cristo é eficaz! A graça de Deus pode trazer reconciliação e justiça em uma fábrica, prédio de escritórios ou posto de gasolina tão plenamente quanto em uma catedral, abadia ou igreja. O evangelho de Paulo não é apenas para a igreja, mas para o mundo inteiro.

A justiça de Deus por meio de Jesus, a solução para nossos falsos julgamentos (Rm 3.21-26)

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Dado que nosso julgamento é falso e hipócrita, como podemos encontrar justiça e retidão? Essa é a pergunta que leva ao dramático ponto crucial de Romanos 3. A resposta de Deus é a cruz de Cristo. Deus nos dá sua justiça / retidão porque somos incapazes de produzir justiça / retidão por nós mesmos. Deus realiza isso por meio da cruz de Jesus, na qual ele demonstra que é “justo e justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3.26).

Deus realiza isso por meio da morte e ressurreição de Jesus. “Deus demonstra seu amor por nós: Cristo morreu em nosso favor quando ainda éramos pecadores” (Rm 5.8). Deus escolheu livremente aceitar a cruz de Cristo como se fosse um santo sacrifício de propiciação no templo judeu (Rm 3.25). Como no Dia da Expiação, Deus escolheu deixar de lado as transgressões das pessoas a fim de estabelecer uma espécie de novo começo para todos os que creem. E, embora Jesus fosse judeu, Deus considera a cruz uma oferta de salvação a todas as pessoas. Por meio da cruz, todos podem ser restaurados e alcançar um relacionamento correto com Deus.

Embora nos falte retidão / justiça, Deus tem ambos em infinita provisão. Por meio da cruz de Jesus, Deus nos dá a justiça que restaura nossos relacionamentos rompidos com Deus, com as pessoas e com toda a criação. Quando Deus nos dá salvação, ele nos dá retidão / justiça.

Mas agora se manifestou uma justiça que provém de Deus, independente da Lei, da qual testemunham a Lei e os Profetas, justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo para todos os que creem. Não há distinção, pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus. Deus o ofereceu como sacrifício para propiciação mediante a fé, pelo seu sangue, demonstrando a sua justiça. Em sua tolerância, havia deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; mas, no presente, demonstrou a sua justiça, a fim de ser justo e justificador daquele que tem fé em Jesus. (Rm 3.21-26; grifo nosso)

A cruz é a surpreendente justiça de Deus — surpreendente porque, embora Deus não seja o pecador, é Deus quem faz o sacrifício. Isso tem algum significado no local de trabalho secular de hoje? Poderia ser uma nota muito esperançosa. Em situações em que os problemas no trabalho são fruto de nossos próprios erros ou injustiças, podemos contar com a justiça de Deus para superar nossas falhas. Mesmo que não possamos nos corrigir, Deus pode operar sua justiça em nós e por meio de nós. Em situações em que os erros e a injustiça dos outros são os responsáveis pelos problemas, podemos consertar as coisas sacrificando algo de nós mesmos — em imitação de nosso Salvador –, mesmo que não tenhamos causado o problema.

Por exemplo, considere um grupo de trabalho que opera em uma cultura de culpa. Em vez de trabalharem juntas para resolver problemas, as pessoas passam o tempo tentando culpar os outros assim que os problemas surgem. Se o seu local de trabalho tem uma cultura de culpa, pode não ser sua responsabilidade. Talvez seu chefe seja o culpado. Mesmo assim, um sacrifício seu poderia trazer reconciliação e justiça? Da próxima vez que o chefe começar a culpar alguém, imagine se você se levantasse e dissesse: “Lembro que apoiei essa ideia da última vez que conversamos sobre isso, então é melhor você me culpar também”. E se, depois disso, duas ou três outras pessoas fizessem a mesma coisa com você? Isso começaria a fazer desmoronar o jogo da culpa? Você pode acabar sacrificando sua reputação, sua amizade com o chefe e até mesmo suas perspectivas de emprego no futuro. Mas não existiria também a possibilidade de isso quebrar o domínio da culpa e do julgamento em seu grupo de trabalho? Você poderia esperar que a graça de Deus assumisse um papel ativo por meio de seu sacrifício?

Fé/fidelidade, a entrada para a justiça de Deus (Rm 3.27-31)

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Na seção anterior, vimos Romanos 3.22-26 e destacamos a justiça que Deus nos dá na salvação. Agora, vamos olhar novamente para a passagem para destacar o papel da fé.

Mas agora se manifestou uma justiça que provém de Deus, independente da Lei, da qual testemunham a Lei e os Profetas, justiça de Deus mediante a em Jesus Cristo para todos os que creem. Não há distinção, pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus. Deus o ofereceu como sacrifício para propiciação mediante a , pelo seu sangue, demonstrando a sua justiça. Em sua tolerância, havia deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; mas, no presente, demonstrou a sua justiça, a fim de ser justo e justificador daquele que tem em Jesus. (Rm 3.21-26; grifo nosso)

Claramente, o dom de retidão/justiça de Deus está intimamente ligado à fé e à crença, o que nos leva a um dos temas mais famosos de Romanos: o papel da fé na salvação. De muitas maneiras, a Reforma Protestante foi fundada ao prestar atenção a essa e a passagens semelhantes em Romanos, e sua importância continua sendo central para praticamente todos os cristãos de hoje. Embora existam muitas maneiras de descrevê-lo, a ideia central é que as pessoas têm restaurado, pela fé, seu correto relacionamento com Deus.

A palavra grega pistis é traduzida como “fé” (ou, às vezes, “crer”, como em um dos exemplos acima), mas também como “fidelidade”, como em Romanos 3.3. Nossa língua faz distinção entre fé (consentimento mental, confiança ou compromisso) e fidelidade (ações consistentes com a fé). Mas, em grego, há apenas a palavra pistis, seja para fé seja para fidelidade. Não há como separar o que uma pessoa acredita da evidência dessa crença em suas ações. Se você tiver fé, agirá com fidelidade. Dado que, na maioria dos locais de trabalho, nossa fidelidade (o que fazemos) será mais evidente do que nossa fé (o que acreditamos), a relação entre esses dois aspectos pistis assume um significado particular para o trabalho.

Paulo fala da “pistis de Jesus” duas vezes aqui, em Romanos 3.22 e 3.26. Se traduzido literalmente, o grego diz “pistis de Jesus”, não “pistis em Jesus”. Assim, a redação literal de Romanos 3.22 diz que somos salvos pela fidelidade de Jesus a Deus (a pistis de Jesus). Em outras passagens, pistis claramente se refere a nossa fé em Jesus, como em Romanos 10.9: “Se você confessar com a sua boca que Jesus é Senhor e crer em seu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, será salvo”. Na verdade, nossa fé em Jesus não pode ser separada da fidelidade de Jesus a Deus. Nossa fé em Jesus ocorre por causa da fidelidade de Jesus a Deus na cruz, e respondemos vivendo fielmente a ele e colocando nossa confiança nele. Lembrar que nossa salvação flui da fidelidade de Jesus, não apenas de nosso estado de fé, nos impede de transformar a posse da fé em uma nova forma de justiça pelas obras, como se nosso ato de dizer “creio em Jesus” fosse o que nos traz salvação.

O pleno significado de fé/fidelidade nos escritos de Paulo tem duas implicações importantes para o trabalho. Em primeiro lugar, elimina qualquer medo de que, ao levar o trabalho a sério, possamos vacilar em reconhecer que a salvação vem exclusivamente pelo dom da fé concedido por Deus. Quando nos lembramos de que a fidelidade de Cristo na cruz já realizou a obra da salvação e que nossa fé em Cristo vem exclusivamente pela graça de Deus, reconhecemos que nossa fidelidade a Deus no trabalho é simplesmente uma resposta à graça de Deus. Somos fiéis no trabalho porque Deus nos deu a fé como um dom gratuito.

Em segundo lugar, a fidelidade de Cristo nos impele a nos tornarmos cada vez mais fiéis. Novamente, isso não ocorre porque pensamos que nossas ações fiéis nos garantem a salvação, mas porque, tendo recebido fé em Cristo, desejamos sinceramente nos tornar mais semelhantes a ele. Paulo fala disso como a “obediência que vem pela fé” (Rm 1.5, 2:6). Sem fé, é impossível ser obediente a Deus. Mas, se Deus nos dá fé, podemos responder em obediência. De fato, grande parte da segunda metade de Romanos é dedicada a nos mostrar como ser mais obedientes a Deus como resultado da graça que ele nos concedeu por meio da fé.

Uma fé exemplar: Abraão creu em Deus (Rm 4)

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Como vimos em Romanos 1—3, a cruz de Cristo traz salvação a todas as pessoas — judeus e gentios. Em Cristo, Deus traz todos de volta ao relacionamento correto com ele e entre as pessoas, sem levar em conta as disposições da lei judaica. Por esse motivo, o foco principal de Paulo em Romanos é ajudar os cristãos divididos e briguentos em Roma a reconciliar os relacionamentos rompidos, a fim de viver fielmente naquilo que Deus realizou em Cristo.

No entanto, essa interpretação da morte de Cristo levanta um problema para Paulo, uma vez que ele está escrevendo não apenas para gentios incircuncisos, mas também para judeus circuncidados, para quem a Lei ainda é importante. Além disso, a interpretação de Paulo parece ignorar a história de Abraão, considerado o “pai” dos judeus, que de fato foi circuncidado como sinal de sua aliança com Deus (Gn 17.11). A história de Abraão não estaria sugerindo que entrar na aliança de Deus requer a circuncisão masculina para todos os povos, sejam judeus ou gentios?

“Não”, argumenta Paulo em Romanos 4. Interpretando a história de Abraão de Gênesis 12.1-3, 15.6, e 17.1-14, Paulo conclui que Abraão tinha fé de que Deus honraria sua palavra e tornaria Abraão, sem filhos, pai de muitas nações, por meio de sua esposa estéril, Sara. Consequentemente, Deus considerou a fé demonstrada por Abraão como justiça (Rm 4.3, 9, 22). Paulo lembra seus leitores de que o reconhecimento da justiça de Abraão por Deus ocorreu muito tempo antes de Abraão ser circuncidado, o que mais tarde veio como um sinal de sua fé já existente em Deus (Rm 4.10-11).

Em outras palavras, na época em que Deus considerou que a fé de Abraão o colocava em um relacionamento correto com Deus, Abraão compartilhava o mesmo status de um gentio incircunciso no mundo de Paulo. Assim, conclui Paulo, Abraão se tornou pai de judeus e gentios por meio da justiça da fé, e não da justiça sob a Lei judaica (Rm 4.11-15).

O exemplo de Abraão em Romanos 4 fornece aos cristãos uma grande esperança para o trabalho e o local de trabalho. O exemplo de Abraão de confiar nas promessas de Deus — apesar das circunstâncias adversas e das probabilidades aparentemente impossíveis — nos encoraja a não vacilar na confiança quando enfrentamos desafios no trabalho ou quando Deus parece não estar presente (ver Rm 4.19). Deus não cumpriu imediatamente a promessa feita a Abraão, o que nos encoraja ainda mais a sermos pacientes ao esperar que Deus renove ou redima nossas circunstâncias de vida.

A graça reina para a vida eterna por meio de Jesus Cristo (Rm 5)

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Em Romanos 5, Paulo vincula esse dom divino da justiça à obediência de Cristo e à graça que agora flui para o mundo por meio dele. Várias características importantes deste capítulo iluminam nossas experiências de trabalho.

A graça transforma o sofrimento em meio à vida em Cristo (Rm 5.1-11)

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Em Romanos 5.1-11, Paulo oferece mais encorajamento, lembrando aos romanos que, por meio de Cristo, já “obtivemos acesso” à graça de Deus, “na qual agora estamos firmes” (Rm 5.2). Graça significa o poder vivificante de Deus que ressuscitou Jesus dentre os mortos. A graça continua a trazer vida nova e mais abundante ao mundo, para e por meio dos seguidores de Cristo. Ao viver a vida obediente de fé e fidelidade de Cristo em nossas próprias circunstâncias, experimentamos a graça vivificante de Deus, que pode nos trazer alegria e paz no trabalho, em casa e em todos os contextos da vida.

No entanto, confiar na graça de Deus muitas vezes exige paciência inabalável diante de muitos desafios. Assim como Cristo sofreu em obediência a Deus, nós também podemos experimentar sofrimento quando incorporamos a vida de fé e fidelidade de Cristo. Paulo até diz que “se gloria” nas tribulações (Rm 5.3), sabendo que seu sofrimento é uma participação no sofrimento que Jesus experimentou em sua missão de reconciliar o mundo com Deus (Rm 8.17-18). Além disso, o sofrimento muitas vezes traz crescimento.

Não só isso, mas também nos gloriamos nas tribulações, porque sabemos que a tribulação produz perseverança; a perseverança, um caráter aprovado; e o caráter aprovado, esperança. E a esperança não nos decepciona, porque Deus derramou seu amor em nossos corações, por meio do Espírito Santo que ele nos concedeu. (Rm 5.3-5)

Portanto, Deus não promete que a vida e o trabalho serão somente alegria para os crentes o tempo todo. Muitas pessoas sofrem no trabalho. O trabalho pode ser aborrecido, degradante, humilhante, exaustivo e inóspito. Podemos ser mal remunerados, ameaçados e discriminados. Podemos ser pressionados a violar nossa consciência e os princípios de Deus. Podemos ser demitidos, afastados, considerados desnecessários, rebaixados, além de ficar desempregados ou subempregados por longos períodos. Podemos trazer sofrimento a nós mesmos por nossa própria arrogância, descuido, incompetência, ganância ou malícia contra os outros. Podemos sofrer mesmo em bons empregos. Nunca devemos nos contentar com abusos ou maus-tratos no trabalho, mas, quando tivermos de suportar sofrimento, nem tudo estará perdido. A graça de Deus é derramada sobre nós quando sofremos, e nos torna mais fortes se permanecermos fiéis.

Para dar um exemplo, preparar o solo e cuidar das plantações não podem garantir que o grão cresça alto ou que os vegetais amadureçam. O mau tempo, a seca, os insetos e as pragas podem arruinar a colheita. No entanto, por meio da graça, os agricultores podem aceitar todos esses aspectos da natureza, enquanto confiam no cuidado de Deus. Isso, por sua vez, molda o caráter paciente e fiel dos agricultores que se importam profundamente com toda a criação de Deus. Uma profunda apreciação da natureza, por sua vez, pode ser um grande trunfo para o trabalho agrícola.

Da mesma forma, a graça nos capacita a permanecer fiéis e esperançosos, mesmo quando nosso empregador fecha as portas em tempos de crise econômica. Da mesma forma, o poder vivificante de Deus sustenta muitos jovens adultos altamente instruídos que ainda têm dificuldade em encontrar um emprego interessante. A graça também inspira uma equipe a perseverar no desenvolvimento de um novo produto, mesmo após repetidos fracassos, sabendo que o que eles aprendem com as falhas é o que torna o produto melhor.

O amor de Deus nos sustenta através de todo tipo de sofrimento na vida e no trabalho. “A esperança não nos decepciona, porque Deus derramou seu amor em nossos corações.” Mesmo quando o sofrimento ameaça endurecer nossos corações, o amor de Deus nos torna agentes de sua reconciliação, que recebemos em Cristo (Rm 10—11).

Graça e justiça conduzem à vida eterna por meio de Cristo (Rm 5.12-21)

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A passagem de Romanos 5.12-21 reflete um argumento teológico denso e complexo, que envolve vários contrastes diferentes entre o desobediente Adão e o obediente Cristo, por meio de quem nos tornamos justos e recebemos a promessa da vida eterna. A passagem nos dá a certeza de que o ato obediente de Cristo em se doar pelos outros coloca todos os que o vêm em um relacionamento correto com Deus e uns com os outros. Como participantes da fé e da fidelidade de Cristo, recebemos uma parte dos dons divinos de justiça e vida eterna prometidos por Deus por meio de Cristo. Portanto, não participamos mais da desobediência de Adão, mas encontramos a vida eterna ao participar da obediência de Cristo a Deus.

Paulo fala da graça de Deus operando tanto no tempo presente quanto na eternidade. A reconciliação já foi dada por meio de Cristo (Rm 5.11), de modo que já somos capazes de viver uma vida que honre a Deus. No entanto, a reconciliação de Deus ainda não está completa e ainda está no processo de “conceder vida eterna” (Rm 5.21). Se recebemos a reconciliação de Cristo, nosso trabalho agora é uma oportunidade de contribuir para um futuro melhor sob a liderança de Cristo. Os inovadores ganham novas possibilidades para criar, projetar e construir produtos que melhorem o bem comum. Os trabalhadores que prestam serviços têm novas oportunidades de melhorar a vida das pessoas. Artistas ou músicos podem criar beleza estética que aprimora a vida humana para a glória de Deus. Nenhum deles é um meio para a vida eterna. Mas, toda vez que trabalhamos para tornar o mundo mais parecido com o que Deus deseja que seja, recebemos uma amostra da vida eterna. Quando permanecemos obedientes ao padrão de fé e fidelidade de Cristo no ambiente de trabalho, não importam as circunstâncias, podemos confiar que nossa vida está eternamente segura nas mãos de nosso Deus fiel.

Andando em novidade de vida (Rm 6)

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Embora a graça de Deus tenha vindo ao mundo para trazer reconciliação e justiça, ainda existem poderes espirituais malignos em ação, que se opõem ao poder vivificante da graça de Deus (Rm 6.14). Paulo muitas vezes personifica essas forças espirituais do mal, chamando-as de nomes como “pecado” (Rm 6.2), “carne” (Rm 7.5), “morte” (Rm 6.9) ou “mundo” (Rm 12.2). Os seres humanos devem escolher se, por meio de suas ações na vida cotidiana, farão parceria com Deus por meio de Cristo ou com essas forças do mal. Paulo chama a escolha de ser parceiro de Deus de viver “uma vida nova” (Rm 6.4). Ele compara o viver uma vida nova com a nova vida de Cristo depois de ser ressuscitado dentre os mortos. “A fim de que, assim como Cristo foi ressuscitado dos mortos mediante a glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova” (Rm 6.4). Em nossa vida, aqui e agora, podemos começar a viver — ou “andar em novidade de vida”, conforme algumas versões — em reconciliação e justiça, assim como Cristo vive agora.

Andar em novidade de vida requer que abandonemos o julgamento e façamos a justiça de Deus, em vez de manter os hábitos egoístas (Rm 6.12-13). Como instrumentos da justiça de Deus, por meio da ação dos crentes o poder vivificante da graça de Deus edifica pessoas e comunidades em Cristo. Isso é muito mais ativo do que simplesmente evitar o mau comportamento. Nosso chamado é para nos tornarmos instrumentos de justiça e reconciliação, trabalhando para erradicar os efeitos do pecado em um mundo conturbado.

Por exemplo, os trabalhadores podem ter adquirido o hábito de julgar a administração como má ou injusta, e vice-versa. Isso pode ter se tornado um pretexto conveniente para que os trabalhadores enganem a empresa, usem tempo remunerado para atividades pessoais ou deixem de fazer um trabalho excelente. Em contrapartida, pode ser uma desculpa conveniente para que os gerentes discriminem trabalhadores de que não gostam pessoalmente, ou burlem regulamentos de segurança ou justiça no local de trabalho, ou ocultem informações dos trabalhadores. Apenas seguir os regulamentos ou abster-se de trapacear não seria andar em novidade de vida. Em vez disso, andar em novidade de vida exigiria que, em primeiro lugar, abandonássemos o julgamento que fazemos dos outros. Uma vez que não os consideremos mais indignos de nosso respeito, podemos começar a discernir maneiras específicas de restaurar bons relacionamentos, restabelecer relações mútuas justas e corretas e edificar uns aos outros e nossa organização.

Fazer esse tipo de mudança na vida e no trabalho é extremamente difícil. Paulo diz que o pecado procura continuamente dominar “o corpo mortal de vocês, fazendo que obedeçam aos seus desejos” (Rm 6.12). Por melhores que sejam nossas intenções, logo voltamos aos descaminhos. Somente a graça de Deus, tornada real na morte de Cristo, tem o poder de nos libertar dos hábitos de julgamento (Rm 6.6).

Portanto, a graça de Deus não nos torna “livres” para vagar sem rumo de volta aos velhos males. Em vez disso, o Senhor se oferece para nos conectar a uma nova vida em Cristo. As amarras se desgastarão sempre que começarmos a nos desviar do curso, e Paulo admite que, a princípio, andar em novidade de vida parecerá muito com a escravidão. Nossa escolha, então, é que tipo de escravidão aceitar — escravidão à novidade de vida ou escravidão aos antigos pecados. “Não sabem que, quando vocês se oferecem a alguém para lhe obedecer como escravos, tornam-se escravos daquele a quem obedecem: escravos do pecado que leva à morte, ou da obediência que leva à justiça?” (Rm 6.16). “Mas agora que vocês foram libertados do pecado e se tornaram escravos de Deus o fruto que colhem leva à santidade [novidade de vida], e o seu fim é a vida eterna.” (Rm 6.22) A vantagem de andar em novidade de vida não é que ela parece mais livre do que a escravidão ao pecado, mas que resulta em justiça e vida, em vez de vergonha e morte.

Andar em novidade de vida no local de trabalho (Rm 6)

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O que significa ser “escravo” da graça de Deus no local de trabalho? Significa que não tomamos decisões no trabalho com base no que nos afeta, mas em como isso afeta nosso mestre, Deus. Tomamos decisões como mordomos ou agentes de Deus. Na verdade, esse é um conceito familiar tanto na fé cristã quanto no local de trabalho secular. Na fé cristã, o próprio Cristo é o mordomo modelo, que deu a própria vida para cumprir os propósitos de Deus. Da mesma forma, muitas pessoas no local de trabalho têm o dever de servir aos interesses dos outros, e não aos seus. Entre eles estão advogados, executivos, agentes, curadores e conselhos de administração, juízes e muitos outros. Poucos administradores ou agentes no local de trabalho são tão comprometidos quanto Jesus — dispostos a dar a vida para cumprir seus deveres —, mas o conceito de representação é uma realidade cotidiana no local de trabalho.

A diferença para os cristãos é que nosso dever é, em última análise, para com Deus, não com o Estado, os acionistas ou qualquer outra pessoa. Nossa missão primordial deve ser a justiça de Deus e a reconciliação com ele, não apenas obedecer à lei, obter lucro ou satisfazer as expectativas humanas. Ao contrário da afirmação de Albert Carr de que os negócios são apenas um jogo em que as regras normais de ética não se aplicam, [1] andar em novidade de vida significa integrar justiça e reconciliação em nossa vida no trabalho.

Por exemplo, andar em novidade de vida para um professor do ensino médio pode significar perdoar repetidamente um aluno rebelde e problemático, ao mesmo tempo em que busca novas maneiras de alcançar esse aluno na sala de aula. Para um político, andar em novidade de vida pode significar elaborar uma nova legislação que inclua contribuições de várias perspectivas ideológicas diferentes. Para um gerente, pode significar pedir perdão a um funcionário perante todos que estão cientes da questão envolvida.

Andar em novidade de vida exige que olhemos profundamente para nossos padrões de trabalho. Padeiros ou chefs podem ver facilmente como seu trabalho ajuda a alimentar pessoas famintas, o que, por si só, é uma forma de justiça. Os mesmos padeiros e chefs também podem precisar examinar mais profundamente suas interações pessoais na cozinha. Eles tratam as pessoas com dignidade, ajudam-nas a obter sucesso, trazem glória a Deus? Andar em novidade de vida afeta tanto os fins que tentamos alcançar quanto os meios para fazê-lo.

O poder invasivo do “pecado” (Rm 7)

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No capítulo 7, Paulo continua a enfatizar que a novidade de vida em Cristo nos liberta daquilo “que antes nos prendia”, ou seja, “a velha forma da Lei escrita” (Rm 7.6). No entanto, a Lei em si não é o problema da existência humana, pois “a Lei é santa, e o mandamento é santo, justo e bom” (Rm 7.12). Em vez disso, conclui Paulo, o problema é o poder que se opõe a Deus, que ele chama de “pecado”, habitando os seres humanos (Rm 7.13). O pecado aproveitou-se dos mandamentos da Lei, usando-os como ferramentas para enganar as pessoas (Rm 7.11), impedindo assim que cada um seja capaz de obedecer à Lei como Deus planejou (Rm 7.14,17,23).

O poder do pecado não está apenas em fazer más escolhas ou em fazer conscientemente o que não devemos. É como se um poder maligno tivesse invadido o território do espírito de cada um e assumido o controle, “vendido como escravo ao pecado”, como Paulo coloca (Rm 7.14). Sob essa escravidão ao pecado, somos incapazes de fazer o bem exigido nos mandamentos e conhecido em nosso coração (Rm 7.15-20). Isso ocorre apesar de nossas boas intenções de fazer o que Deus deseja (Rm 7.15-16, 22).

Em outras palavras, o conhecimento do que é bom não é suficiente para vencer o poder do pecado que nos invadiu! “Pois o que faço não é o bem que desejo, mas o mal que não quero fazer esse eu continuo fazendo” (Rm 7.19). A única maneira de sermos resgatados dessa situação é pela intervenção de outra força espiritual mais poderosa — o Espírito Santo, que se torna o foco em Romanos 8.

Temos plena consciência de que saber o que Deus quer não é suficiente para nos manter no caminho certo em situações de trabalho. Por exemplo, mesmo quando sabemos que Deus deseja que tratemos a todos com respeito, às vezes somos vítimas da falsa percepção de que poderíamos progredir falando mal de um colega de trabalho. Da mesma forma, no trabalho de criar filhos, mães e pais sabem que gritar de forma raivosa com uma criança pequena não é bom. Mas, às vezes, o poder do pecado os vence e eles o fazem mesmo assim. Um advogado que cobra dos clientes por serviços por hora sabe que deve manter registros de tempo detalhados, mas pode, no entanto, ser dominado pelo pecado para aumentar suas horas e assim aumentar sua renda.

Sozinhos, somos especialmente vulneráveis ao poder do pecado dentro de nós. Onde quer que trabalhemos, faríamos bem em procurar outros (Rm 12.5) e ajudar-nos mutuamente a resistir a esse poder que tenta superar nossa vontade de fazer o que é certo e bom. Por exemplo, um número pequeno, mas crescente, de cristãos está se juntando a pequenos grupos de pessoas que trabalham em situações semelhantes. Os grupos de pares se reúnem, geralmente no local de trabalho, uma hora por semana, uma manhã ou tarde, ou uma vez por mês. Os membros se comprometem a contar uns aos outros os detalhes das situações que enfrentam no trabalho e a discuti-las a partir de uma perspectiva de fé, desenvolvendo opções e se comprometendo com planos de ação. Um membro pode descrever um conflito com um colega de trabalho, um lapso ético, um sentimento de falta de propósito, uma política da empresa que pareça injusta. Depois de obter as percepções dos outros, o membro se comprometeria com um curso de ação em resposta e relataria ao grupo sobre os resultados, em reuniões futuras. (Para saber mais sobre isso, consulte “Igrejas que conectam o trabalho diário à adoração” em www.teologiadotrabalho.org.)

Viver de acordo com o Espírito leva a uma nova qualidade de vida (Rm 8.1-14)

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Os crentes estão livres da Lei, mas andar em novidade de vida se baseia em uma estrutura moral firme (portanto, “a lei do Espírito”, Rm 8.2). Paulo chama essa estrutura moral de viver “de acordo com o Espírito” ou ter “a mente voltada para o que o Espírito deseja” (Rm 8.5). Ambos os termos se referem ao processo de raciocínio moral que nos guia à medida que caminhamos em novidade de vida.

Esse tipo de bússola moral não funciona pela enumeração de atos específicos, certos ou errados. Em vez disso, consiste em seguir a “a lei do Espírito de vida”, que libertou os crentes “da lei do pecado e da morte” (Rm 8.1-2). As palavras vida e morte são a chave. Como discutido anteriormente em Romanos 6, Paulo entende “pecado”, “morte” e “carne” como forças espirituais no mundo que levam as pessoas a agirem contrariamente à vontade de Deus, produzindo caos, desespero, conflito e destruição em sua vida e em sua comunidade. Em contrapartida, viver de acordo com o Espírito significa fazer o que quer que traga vida, em vez de morte. “A mentalidade da carne [nossos antigos padrões de julgamento] é morte, mas a mentalidade do Espírito é vida e paz” (Rm 8.6). Colocar a mente no Espírito significa procurar o que trará mais vida a cada situação.

Por exemplo, a Lei judaica ensinava “não matarás” (Êx 20.13). Mas viver de acordo com o Espírito vai muito além de não matar alguém literalmente. Viver de acordo com o Espírito é buscar ativamente oportunidades para melhorar a vida das pessoas. Pode significar limpar um quarto de hotel para que os hóspedes permaneçam saudáveis. Pode significar limpar o gelo da calçada de um vizinho para que os pedestres possam caminhar com segurança. Pode significar estudar por anos para obter um doutorado a fim de desenvolver novos tratamentos para o câncer.

Outra maneira de colocar isso é que viver de acordo com o Espírito significa viver um nova qualidade de vida em Cristo. Isso vem de deixar de lado nosso julgamento sobre o que a pessoa merece e buscar o que lhe traria melhor qualidade de vida, merecida ou não. Ao distribuir os projetos, um gerente pode atribuir uma tarefa que expanda as habilidades dos subordinados, em vez de limitá-los ao que eles já são capazes, e convidá-los a procurar orientação todos os dias. Quando solicitado a emprestar uma ferramenta em substituição a outra, um profissional qualificado poderia mostrar a um trabalhador júnior uma nova técnica que impediria que a ferramenta quebrasse da próxima vez. Quando questionado “por que nosso cachorro morreu?”, um pai poderia perguntar a um filho “você tem medo de que alguém que você ama morra?” em vez de apenas explicar a causa imediata da morte do animal. Em cada uma dessas situações, o objetivo moral é trazer melhor qualidade de vida para o outro, em vez de atender a uma exigência da lei.

Trazer vida, em vez de cumprir a lei, é a bússola moral daqueles que estão sendo salvos pela graça de Deus. Somos livres para viver de acordo com o Espírito, em vez de nos escravizarmos à Lei, porque “agora já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1).

Ao incluir a “paz” como um elemento que fixa nossa mente no Espírito (Rm 8.6, como acima), Paulo aponta os aspectos sociais de viver de acordo com o Espírito, porque a paz é um fenômeno social. [1] Quando seguimos a Cristo, tentamos trazer uma nova qualidade de vida à nossa sociedade, não apenas a nós mesmos. Isso significa prestar atenção às condições sociais que diminuem a vida no trabalho e em outros lugares. Fazemos o que podemos para melhorar a vida das pessoas com quem trabalhamos. Ao mesmo tempo, trabalhamos para trazer justiça/retidão aos sistemas sociais que moldam as condições de trabalho e os trabalhadores.

Os cristãos podem ser uma força positiva para a melhoria — e até para a sobrevivência — se pudermos ajudar nossa organização a concentrar-se na necessidade de uma nova qualidade de vida. Sozinhos, provavelmente não conseguiremos mudar muito nossa organização. Mas, se pudermos construir relacionamentos, ganhar a confiança das pessoas, ouvir aquelas que ninguém mais ouve, poderemos ajudar a organização a romper sua rotina. Além disso, temos o ingrediente secreto — nossa fé, certos de que a graça de Deus pode nos usar para trazer vida até mesmo à situação mais mortal.

Em contrapartida, se não colocarmos a mente no Espírito em ação, podemos ser arrogantes e destrutivos, seja nos relacionamentos com colegas de trabalho, concorrentes, clientes seja com os demais. Colocar a mente no Espírito requer avaliar constantemente as consequências ou o fruto do trabalho, sempre nos questionando se o trabalho melhora a qualidade de vida das pessoas. Se formos honestos em nossas avaliações, sem dúvida também será necessário arrependimento diário e a graça de mudar.

Sofrer com Cristo para ser glorificado com Cristo (Rm 8.15-17)

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Paulo contrasta a vida no Espírito com a vida sob a lei judaica. Ele diz que os crentes receberam “o Espírito que os torna filhos [de Deus] por adoção”, em vez de “um espírito que os escravize para novamente temerem” (Rm 8.15). Todo aquele que “pertence a Cristo” (Rm 8.9-10 ) é agora um filho adotivo de Deus. Em contraste, aqueles que estão sob a lei vivem em escravidão ao poder do pecado e com medo — presumivelmente, medo das ameaças de punição da lei pela desobediência. Os crentes estão livres desse medo, pois agora “não há condenação para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1). Quando vivemos fielmente em Cristo, não enfrentamos as ameaças de punição da lei, mesmo quando erramos na vida e no trabalho diários. Dificuldades e fracassos ainda podem prejudicar nosso trabalho, no entanto a resposta de Deus não é condenação, mas redenção. Deus trará algo de valor a partir de nosso trabalho fiel, não importa quão ruim pareça no momento.

Pelo menos dois aspectos desses versículos explicam nossa abordagem ao trabalho ou à vida no local de trabalho. Primeiro, como filhos adotivos de Deus, nunca estamos sozinhos no trabalho. Não importa qual seja nossa insatisfação ou frustração com as pessoas com quem trabalhamos, ou com o trabalho, ou mesmo com a falta de apoio de nossa família para o trabalho, o Espírito de Deus em Cristo permanece conosco. Deus está sempre procurando uma oportunidade para redimir o sofrimento e transformá-lo em algo bom e satisfatório em nossa vida. Como observamos anteriormente em relação a Romanos 5, suportar fielmente as dificuldades e o sofrimento no trabalho pode levar à formação de nosso caráter e fundamentar nossa esperança para o futuro. (Veja “A graça transforma o sofrimento em meio à nossa vida em Cristo”, acima, em Romanos 5.1-11.)

Em segundo lugar, em um momento ou outro, a maioria das pessoas encontra fracassos, frustrações e dificuldades no trabalho. Ele nos impõe obrigações que, de outra forma, não teríamos, até mesmo obrigações tão simples como chegar na hora todos os dias. Envolver-se fielmente nesses desafios pode tornar de fato o trabalho mais gratificante e satisfatório. Com o tempo, essas experiências nos aumentam a confiança na presença redentora de Deus e a experiência com seu Espírito motivador e energizador.

Em algumas situações, você pode ser acolhido e promovido por levar reconciliação e justiça ao seu local de trabalho. Em outras situações, você pode encontrar resistência, ser ameaçado, punido ou demitido. Por exemplo, relacionamentos ruins são uma característica infeliz de muitos locais de trabalho. Um departamento pode sabotar habitualmente as realizações de outro. Os conflitos entre gerentes e colaboradores podem ter se institucionalizado. As pessoas podem ser aterrorizadas por um valentão do escritório, um grupo acadêmico, uma gangue de fábrica, uma linha divisória racial ou um chefe abusivo. Se você trouxer reconciliação em situações como essas, a produtividade pode aumentar, a rotatividade pode ser reduzida, o moral pode subir, o atendimento ao cliente pode se recuperar e você pode ser elogiado ou promovido. Em contrapartida, os agressores, as panelinhas, as gangues, as divisões raciais e os chefes abusivos quase certamente se oporão a você.

Aguardando ansiosamente a redenção corporal para nós mesmos e para a criação de Deus (Rm 8.18-30)

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“Participar da glória” de Cristo (Rm 8.17) é nossa esperança para o futuro. Mas, de acordo com Paulo, essa esperança faz parte de um processo já em andamento. Devemos nos envolver pacientemente nele, com a expectativa de que, em algum momento, seja concluído (Rm 8.18-25). O dom do Espírito Santo, já recebido como “primeiros frutos” deste processo (Rm 8.23) significa nossa adoção como filhos de Deus (Rm 8.14-17, 23). Isso constitui uma prova de que o processo está em andamento.

Esse processo culmina na “redenção do nosso corpo” (Rm 8.23). Isso não é resgatar a alma do corpo físico, mas a transformação do corpo junto com a natureza (Rm 8.21). Esse processo já começou e experimentamos seus “primeiros frutos” (Rm 8.23) em nossa vida e no trabalho, hoje. Mas muito mais e melhor ainda está por vir, e, no momento, “a natureza criada geme até agora, como em dores de parto”, enquanto aguarda ansiosamente ser libertada de sua própria “escravidão da decadência em que se encontra” (Rm 8.19-23). Paulo está claramente se baseando nas imagens de Gênesis 2–3, em que tanto Adão como a própria criação foram submetidos à decadência e à morte, incapazes de viver como Deus os criara para ser. Isso nos lembra de que devemos considerar o impacto de nosso trabalho em toda a criação de Deus, não apenas nas pessoas. (Para saber mais sobre este tópico, consulte “Domínio” em Gênesis 1.26 e 2.5 em www.teologiadotrabalho.org.)

O processo é lento e, às vezes, doloroso. Nós “gememos” enquanto esperamos que isso se cumpra, diz Paulo, e não apenas nós individualmente, mas “toda a natureza criada geme até agora, como em dores de parto” (Rm 8.22-23). Isso ecoa o gemido de Israel enquanto escravizado no Egito (Êx 6.5) e nos lembra que quase 30 milhões de pessoas ainda estão escravizadas no mundo, hoje. [1] Nunca devemos nos contentar apenas com nossa própria libertação das forças do mal no mundo, mas devemos servir a Deus fielmente até que ele complete sua salvação em todas as partes do mundo.

No entanto, a salvação do mundo é certa, pois “Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito” (Rm 8.28). Deus está trabalhando em nós agora, e está chegando o tempo em que sua salvação estará completa no mundo. O veredicto original de Deus — “muito bom” (Gn 1.31) — é justificado pela transformação que opera em nós agora, a ser cumprida no tempo de Deus.

Como a transformação ainda não está completa, temos de estar preparados para as dificuldades ao longo do caminho. Às vezes, fazemos um bom trabalho e terminamos por vê-lo desperdiçado ou destruído pelo mal que está atualmente no mundo. Mesmo que façamos um bom trabalho, ele pode ser vandalizado. Nossas recomendações podem ser diluídas. Podemos ficar sem capital, perder a eleição para uma pessoa desprezível, nos afogar na burocracia, deixar de atrair o interesse de um estudante. Ou podemos ter sucesso por um tempo e depois descobrir que nossos resultados foram desfeitos por eventos posteriores. Os profissionais de saúde, por exemplo, estiveram à beira de erradicar a pólio em várias ocasiões, mas terminaram enfrentando novos surtos devido à oposição política, ignorância, transmissão relacionada à vacina e ao ritmo acelerado das viagens modernas. [2]

Nada pode ficar entre nós e o amor de Deus (Rm 8.31-39)

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“Deus é por nós”, diz Paulo, tendo dado seu próprio Filho “por todos nós” (Rm 8.31-32). Nada pode ficar entre nós e o amor de Deus em Cristo Jesus, nosso Senhor (Rm 8.35-39). “Nem morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o presente nem o futuro, nem quaisquer poderes, nem altura nem profundidade, nem qualquer outra coisa na criação será capaz de nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.” (Rm 8.38-39) Muitas dessas coisas parecem nos ameaçar na esfera do trabalho. Enfrentamos chefes (autoridades) ameaçadores ou incompetentes. Ficamos presos em empregos sem futuro (o presente). Agora, fazemos sacrifícios — trabalhando longas horas, estudando depois do trabalho, servindo em estágios mal remunerados, mudando para outro país em busca de trabalho — que esperamos que compensem mais tarde, mas que talvez nunca deem certo (o futuro). Perdemos nosso emprego por causa de ciclos econômicos, regulamentações ou ações sem escrúpulos de pessoas poderosas que nunca vemos (poderes). Somos forçados pelas circunstâncias, pela loucura ou pelos crimes de outros a um trabalho degradante ou perigoso. Todas essas coisas podem nos machucar muito. Mas não podem triunfar sobre nós.

A fidelidade de Cristo — e a nossa, pela graça de Deus — supera o pior que a vida e o trabalho podem fazer-nos. Se o progresso na carreira, a renda ou o prestígio for nosso maior objetivo no trabalho, podemos acabar decepcionados. Contudo, se a salvação — isto é, reconciliação com Deus e com as pessoas, fidelidade e justiça — for nossa principal esperança, então a encontraremos em meio às coisas boas e ruins do trabalho. As afirmações de Paulo significam que, sejam quais forem as dificuldades que encontremos no trabalho, ou as complexidades e os desafios que enfrentamos com colegas de trabalho ou superiores no local de trabalho, o amor de Deus em Cristo sempre permanece conosco. O amor de Deus em Cristo é a força estabilizadora em meio à adversidade agora, bem como nossa esperança de redenção física no futuro.

O caráter de Deus é ter misericórdia de todos (Rm 9—11)

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Em Romanos 9—11, Paulo volta ao problema imediato que a carta tem o propósito de abordar: o conflito entre cristãos judeus e gentios. Como essa não é nossa principal preocupação na teologia do trabalho, vamos resumir rapidamente.

Paulo discute o relacionamento de Deus com Israel, com atenção especial à misericórdia divina (Rm 9.14-18 ). Ele explica como a salvação de Deus se dá também para os gentios. Os judeus experimentaram a salvação de Deus primeiro, começando com Abraão (Rm 9.4-7). Mas muitos se desviaram e, no momento, parece que os gentios são mais fiéis (Rm 9.30-33 ). Estes, porém, não devem se tornar críticos, pois sua salvação está entrelaçada com a dos judeus (Rm 11.11-16). Deus preservou um “remanescente” de seu povo (Rm 9.27; 11.5) cuja fidelidade — pela graça de Deus — leva à reconciliação do mundo.

Para judeus e gentios, então, a salvação é um ato da misericórdia de Deus, não uma recompensa pela obediência humana (Rm 9.6-13). Com isso em mente, Paulo assume uma série de argumentos de ambos os lados, sempre concluindo que “Deus tem misericórdia de quem ele quer” (Rm 9.18). Nem judeus nem gentios são salvos por suas próprias ações, mas pela misericórdia de Deus.

A salvação dada por Deus, diz Paulo, vem por confessar Jesus como Senhor e por crer que Deus o ressuscitou dentre os mortos (Rm 10.9-10). Em outras palavras, a salvação vem para todo aquele que confia no poder vivificante de Deus, que enriquece a vida de judeus e gentios que seguem Jesus como Senhor (ver Rm 10.12-13). A desobediência — seja de gentios seja de judeus — fornece a Deus a oportunidade de mostrar ao mundo a sua misericórdia para com todos (Rm 11.33). A preocupação de Paulo nesta carta é reconciliar relacionamentos rompidos entre judeus e gentios seguidores de Jesus.

Romanos 9—11 oferece esperança a todos nós no trabalho e no local de trabalho. Primeiro, Paulo enfatiza o desejo de Deus de ter misericórdia dos desobedientes. Todos nós, em um ponto ou outro de nossa vida profissional, falhamos em incorporar a fé e a fidelidade de Cristo em algum aspecto do trabalho. Se Deus tem misericórdia de nós (Rm 11.30), somos chamados a ter misericórdia dos outros no trabalho. Isso não significa ignorar o mau desempenho ou ficar calado diante de assédio ou discriminação. Misericórdia não é permissão para oprimir. Em vez disso, significa não permitir que as falhas de uma pessoa nos levem a condená-la totalmente. Quando alguém com quem trabalhamos comete um erro, não devemos julgá-lo como incompetente, mas ajudá-lo a se recuperar do erro e aprender a não repeti-lo. Quando alguém viola nossa confiança, devemos responsabilizá-lo e, ao mesmo tempo, oferecer-lhe perdão, que, se recebido com arrependimento, cria um caminho para restabelecer a confiança.

Em segundo lugar, esta seção da carta nos lembra de nossa responsabilidade de perseverar como cristãos fiéis, para que possamos ser os “remanescentes” fiéis (Rm 11.5) em nome daqueles que tropeçaram temporariamente na obediência da fé. Quando vemos as pessoas ao redor falharem, nossa tarefa não é julgá-las, mas nos colocarmos no lugar delas. Talvez nossa fidelidade possa mitigar o dano causado a outros e até livrar aqueles que o causaram de um castigo severo. Se virmos um colega maltratando um cliente ou um subordinado, por exemplo, talvez possamos intervir para corrigir a situação antes que ela se torne uma causa de demissão. Quando nos lembramos de quão perto chegamos de tropeçar ou de quantas vezes falhamos, nossa resposta às falhas dos outros é misericórdia, assim como a de Cristo. Isso não significa que permitimos que as pessoas abusem das outras. Significa que nos colocamos em risco, assim como Cristo, pela redenção de pessoas que erraram sob o poder do pecado.

Terceiro, esses capítulos nos lembram de demonstrar aos demais colegas como é a obediência da fé na vida e no trabalho diários. Se realmente andarmos em novidade de vida (ver “Andando em novidade de vida” em Romanos 6) e decidirmos que nossas ações podem trazer nova qualidade de vida para aqueles ao redor (ver “Viver de acordo com o Espírito leva a uma nova qualidade de vida” em Romanos 8), os outros não serão atraídos a fazer o mesmo? Nossas ações no trabalho podem ser o louvor mais alto que podemos oferecer a Deus e o testemunho mais atraente que nossos colegas de trabalho já viram. O desejo de Deus é que todos no mundo se reconciliem com ele e uns com os outros. Assim, cada aspecto de nosso trabalho e vida se torna uma oportunidade de testemunhar de Cristo — de ser um dos agentes reconciliadores de Deus no mundo.

Quarto, precisamos permanecer humildes. Quando nós, assim como as facções para quem Paulo estava escrevendo, julgamos nossa posição superior à daqueles ao redor, imaginamos que temos uma ligação direta com Deus. Paulo fala diretamente contra essa arrogância. Não sabemos tudo sobre como Deus está trabalhando nos outros. Como diz o general Peter Pace, presidente aposentado do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas dos EUA: “Você deve sempre dizer a verdade como a conhece e deve entender que há muita coisa que você não sabe”. [1]

As maneiras específicas pelas quais incorporamos esse ministério da reconciliação no mundo são tão diversas quanto o próprio trabalho e o local de trabalho. Assim, nos voltamos para Romanos 12 para obter mais orientação de Paulo sobre como discernir maneiras de praticar o amor reconciliador de Deus no trabalho.

A comunidade de graça em ação (Rm 12)

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Romanos 12 destaca os aspectos sociais e comunitários da salvação. Paulo não estava escrevendo para um indivíduo, mas para a comunidade de cristãos em Roma, e sua preocupação constante é a vida deles juntos — com ênfase especial no trabalho. Como vimos em Romanos 1—3, a salvação em Cristo compreende reconciliação, retidão e justiça, e fé e fidelidade. Cada um desses pontos tem um aspecto comunitário — reconciliação com os outros, justiça entre as pessoas, fidelidade aos outros.

Seja transformado pela renovação da sua mente (Rm 12.1-3)

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Dar vida ao aspecto comunitário da salvação significa reorientar a mente e a vontade de servir a nós mesmos para o desejo de servir à comunidade.

Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Por isso, pela graça que me foi dada digo a todos vocês: Ninguém tenha de si mesmo um conceito mais elevado do que deve ter; mas, ao contrário, tenha um conceito equilibrado, de acordo com a medida da fé que Deus lhe concedeu. (Rm 12.2-3)

Vamos começar com a segunda metade dessa passagem, em que Paulo explicita o aspecto comunitário: “Digo a todos vocês: Ninguém tenha de si mesmo um conceito mais elevado do que deve ter”. Em outras palavras, pense menos em si mesmo e mais nos outros, mais na comunidade. Um pouco adiante, no capítulo 12, Paulo amplia isso, acrescentando: “Dediquem-se uns aos outros com amor fraternal” (Rm 12.10); “Compartilhem o que vocês têm com os santos em suas necessidades”; “Pratiquem a hospitalidade” (Rm 12.13); “Procurem fazer o que é correto aos olhos de todos” (Rm 12.17) e “Façam todo o possível para viver em paz com todos” (Rm 12.18).

A primeira parte dessa passagem nos lembra que, sem a graça salvadora de Deus, somos incapazes de colocar os outros em primeiro lugar. Como Paulo aponta em Romanos 1, as pessoas são escravizadas por uma “disposição mental reprovável” (Rm 1.28), “seus pensamentos tornaram-se fúteis”, “o coração insensato [delas] obscureceu-se” (Rm 1.21), o que resulta em fazer uns aos outros todo tipo de mal (Rm 1.22-32). A salvação é a libertação dessa escravidão da mente, “para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. Apenas quando a mente for transformada do egocentrismo para o altruísmo — imitando Cristo, que se sacrificou pelos outros —, poderemos colocar a reconciliação, a justiça e a fidelidade à frente dos objetivos egoístas.

Com mente transformada, nosso propósito muda de justificar nossas ações egocêntricas para trazer nova vida aos outros. Por exemplo, imagine que você é um supervisor de turno em um restaurante e se torna um candidato à promoção a gerente. Se sua mente não for transformada, seu principal objetivo será vencer os outros candidatos. Não parecerá difícil justificar (para si mesmo) ações como ocultar informações dos outros candidatos sobre problemas com fornecedores, ignorar questões de saneamento que se tornarão visíveis apenas nos turnos dos outros, espalhar divergências entre seus funcionários ou evitar a colaboração na melhoria do serviço de atendimento ao cliente. Isso prejudicará não apenas os outros candidatos, mas também seus trabalhadores em turnos, o restaurante como um todo e seus clientes. Em contrapartida, se sua mente for transformada para se preocupar primeiro com os outros, você ajudará os demais candidatos a terem um bom desempenho, não apenas pelo bem deles, mas também pelo benefício do restaurante, de seus funcionários e dos clientes.

Sacrifícios vivos pelo bem da comunidade (Rm 12.1-3)

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Desnecessário dizer que colocar os outros à frente de nós mesmos requer sacrifício. “Se ofereçam em sacrifício vivo”, Paulo exorta (Rm 12.1). Os termos ofereçam e sacrifício enfatizam que Paulo se refere a ações práticas na vida cotidiana e no trabalho. Todos os crentes se tornam sacrifícios vivos, oferecendo seu tempo, talento e energia em um trabalho que beneficie pessoas e/ou toda a criação de Deus.

Podemos oferecer um sacrifício vivo a Deus a cada momento de nossa vida. Assim fazemos quando perdoamos alguém que comete um erro contra nós no trabalho ou quando corremos risco para ajudar a resolver uma disputa entre outras pessoas. Oferecemos um sacrifício vivo quando renunciamos ao uso insustentável dos recursos da terra em busca de conforto próprio. Oferecemos um sacrifício vivo quando aceitamos um trabalho menos que satisfatório, porque apoiar a família é mais importante para nós do que encontrar o emprego perfeito. Tornamo-nos um sacrifício vivo quando deixamos uma posição gratificante para que o cônjuge possa aceitar o emprego dos sonhos em outra cidade. Tornamo-nos um sacrifício vivo quando, numa posição de chefia, assumimos a culpa por um erro cometido por um subordinado.

Envolvendo a comunidade em suas decisões (Rm 12.1-3)

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A transformação da mente “para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm 12.2 ) vem de mãos dadas com o envolvimento da comunidade da fé em nossas decisões. Como pessoas em processo de salvação, trazemos outras para nossos processos de tomada de decisão. A palavra que Paulo usa para “experimentar” ou “comprovar” é literalmente “testar” ou “aprovar” em grego (dokimazein). Nossas decisões devem ser testadas e aprovadas por outros crentes antes que possamos ter confiança de que discernimos a vontade de Deus. A advertência de Paulo a que “ninguém tenha de si mesmo um conceito mais elevado do que deve ter” (Rm 12.3) se aplica a nossa capacidade de tomar decisões. Não pense que você tem a sabedoria, a estatura moral, a amplitude de conhecimento ou qualquer outra coisa necessária para discernir a vontade de Deus por conta própria. “Não sejam sábios aos seus próprios olhos” (Rm 12.16). Somente envolvendo outros membros da comunidade fiel, com sua diversidade de dons e sabedoria (Rm 12.4-8), vivendo em harmonia uns com os outros (Rm 12.16) é que poderemos desenvolver, testar e aprovar decisões confiáveis.

Isso é mais desafiador do que gostaríamos de admitir. Podemos nos reunir para receber ensinamentos morais como comunidade, mas com que frequência realmente conversamos uns com os outros ao tomar decisões morais? Muitas vezes, as decisões são tomadas pelo responsável, que delibera individualmente, talvez depois de ouvir a opinião de alguns conselheiros. Tendemos a agir dessa maneira porque as discussões morais são desconfortáveis ou “quentes”, como diz Ronald Heifetz. As pessoas não gostam de ter conversas acaloradas porque “a maioria das pessoas quer manter o status quo, evitando as questões difíceis”. [1] Além disso, muitas vezes sentimos que a tomada de decisões da comunidade é uma ameaça a qualquer poder que possuamos. Mas tomar decisões por conta própria geralmente significa apenas seguir preconceitos preconcebidos ou, em outras palavras, se amoldar “ao padrão deste mundo” (Rm 12.2). Isso levanta uma dificuldade na esfera do trabalho. E se não trabalharmos em uma comunidade de fé, mas em uma empresa secular, governo, instituição acadêmica ou outro ambiente? Poderíamos avaliar comunitariamente nossas ações com os colegas de trabalho, mas eles talvez não estejam em sintonia com a vontade de Deus. Poderíamos fazê-lo com nosso pequeno grupo ou com outros membros da igreja, mas eles provavelmente não entenderiam muito bem nosso trabalho. Qualquer uma dessas práticas — ou ambas — é melhor do que nada. Mas,melhor ainda seria reunir um grupo de crentes de nosso próprio local de trabalho — ou pelo menos crentes que trabalham em situações semelhantes — e refletir sobre nossas ações com eles. Se quisermos avaliar até que ponto nossas ações como programadores, bombeiros, funcionários públicos ou professores (por exemplo) implementam reconciliação, justiça e fidelidade, quem melhor para refletir do que outros programadores cristãos, bombeiros, funcionários públicos ou professores da escola? (Veja “Igrejas que capacitam encorajam todos a assumir responsabilidade” em A Igreja que Capacita, em www.teologiadotrabalho.orgpara saber mais sobre esse tópico.)

Trabalhando como membros uns dos outros (Rm 12.4–8)

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Uma aplicação prática essencial de andar em novidade de vida é reconhecer quanto todos dependemos do trabalho uns dos outros. “Assim como cada um de nós tem um corpo com muitos membros e esses membros não exercem todos a mesma função, assim também em Cristo nós, que somos muitos, formamos um corpo, e cada membro está ligado a todos os outros” (Rm 12.4-5). Essa interdependência não é uma fraqueza, mas um dom de Deus. À medida que somos salvos por Deus, tornamo-nos mais integrados uns com os outros.

Paulo aplica isso ao trabalho que cada um de nós realiza em seu papel específico. “Temos diferentes dons” (Rm 12.6a), ele observa, e ao citar alguns deles vemos que são formas de trabalho: profetizar, servir, ensinar, dar ânimo, contribuir com generosidade, exercer liderança e mostrar misericórdia. Cada um deles é uma “graça que nos foi dada” (Rm 12.6b) que nos permite trabalhar pelo bem da comunidade.

Paulo desenvolve esse processo no contexto de uma comunidade específica — a igreja, o que é apropriado porque toda a carta gira em torno de um problema na igreja, ou seja, o conflito entre crentes judeus e gentios. Mas a lista não é exclusivamente “eclesiástica”. Todos esses dons são igualmente aplicáveis ao trabalho fora da igreja. Profetizar — “proclamar uma mensagem divinamente transmitida” ou “trazer luz a algo que está oculto” [1] — é a capacidade de aplicar a palavra de Deus a situações sombrias, algo desesperadamente necessário em todos os locais de trabalho. Servir — com seu cognato “administrar” — é a capacidade de organizar o trabalho de modo que ele de fato sirva àqueles a quem deve servir, por exemplo, clientes, cidadãos ou estudantes. Outro termo para isso é “gestão”. Ensinar (ou “exortar” ou “encorajar”) e dar ânimo são obviamente tão aplicáveis a ambientes seculares quanto à igreja. O mesmo acontece com contribuir generosamente, quando lembramos que doar nosso tempo, nossas habilidades, nossa paciência ou nossa experiência para ajudar os outros no trabalho são formas de generosidade.

Mostrar misericórdia é um elemento do trabalho amplamente subestimado. Embora possamos ser tentados a ver a misericórdia como um obstáculo no mundo competitivo do trabalho, ela é, na verdade, essencial para fazer bem nosso trabalho. O valor de nosso trabalho vem não apenas da dedicação de horas, mas da preocupação com a maneira como nossos bens ou serviços servem aos outros — em outras palavras, pela misericórdia. Os trabalhadores automotivos que não se importam se suas peças são colocadas corretamente não têm utilidade para a empresa, para os clientes ou para os colegas de trabalho e, mais cedo ou mais tarde, serão candidatos à demissão. Ou, se a montadora não se importa se seus funcionários se importam com seus clientes, os clientes logo mudarão para outra marca. As exceções a isso são produtos e serviços que lucram intencionalmente com as fraquezas dos clientes — substâncias viciantes, pornografia, produtos que jogam com o medo relativo à imagem corporal e a coisas do gênero. Para ganhar dinheiro em casos como esses, pode ser necessário não ter misericórdia dos clientes. O próprio fato de que é possível ganhar dinheiro prejudicando clientes nesses campos sugere que os cristãos devem tentar evitar aqueles locais de trabalho em que a misericórdia não é essencial para o sucesso. Ocupações legítimas ganham dinheiro atendendo às verdadeiras necessidades das pessoas, não explorando suas fraquezas.

Pelo uso de todos esses dons, o poder vivificante de Deus é experimentado em atos e maneiras particulares de fazer as coisas. Em outras palavras, o poder de Deus que enriquece a vida das pessoas vem por meio de ações concretas tomadas pelos seguidores de Jesus. A graça de Deus produz ação no povo de Deus para o bem dos outros.

Princípios comportamentais específicos para guiar o discernimento moral (Rm 12.9-21)

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Paulo identifica princípios orientadores específicos para nos ajudar a servir como veículos cuja principal preocupação é permitir que o amor seja “sem hipocrisia” (ARA), “não fingido” ou simplesmente “sincero” (NVI, Rm 12.9). O trecho de Romanos 12.9-13 desenvolve o pensamento sobre o amor sincero, incluindo honra, paciência no sofrimento, perseverança na oração, generosidade para com os necessitados e hospitalidade para com todos.

De particular interesse é Romanos 12.16-18, onde Paulo encoraja os romanos a “viver em paz com todos”. Especificamente, ele diz, isso significa se associar com os menos poderosos da comunidade, resistir ao desejo de pagar mal por mal e, sempre que possível, viver em harmonia com todos.

Se tivermos amor sincero, então nos importaremos com as pessoas para quem trabalhamos e entre as quais trabalhamos. Por definição, quando trabalhamos, o fazemos, pelo menos em parte, como um meio para atingir um fim. Mas nunca podemos tratar as pessoas com quem trabalhamos como um meio para atingir um fim. Cada um é inerentemente valioso por si só, tanto que Cristo morreu por cada um. Isso é amor sincero — tratar cada pessoa como alguém por quem Cristo morreu e ressuscitou para trazer uma nova vida.

Demonstramos amor sincero quando honramos as pessoas com quem trabalhamos, chamando a todos pelo nome, independentemente de seu status, e respeitando sua família, cultura, idioma, aspirações e o trabalho que fazem. Mostramos amor sincero quando somos pacientes com um subordinado que comete um erro, um aluno que aprende lentamente, um colega de trabalho cuja deficiência nos deixa desconfortáveis. Demonstramos amor sincero por meio da hospitalidade ao novo funcionário, ao que chega tarde da noite, ao paciente desorientado, ao passageiro retido, ao chefe recém-promovido. Todos os dias enfrentamos a possibilidade de alguém nos fazer algum mal, pequeno ou grande. Mas nossa proteção não é fazer o mal aos outros em defesa própria, nem cair em desespero, mas vencer “o mal com o bem” (Rm 12.21). Não podemos fazer isso por nosso próprio poder, mas apenas vivendo no Espírito de Cristo.

Vivendo sob o poder de Deus (Rm 13)

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“Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais”, diz Paulo. “As autoridades que existem foram por [Deus] estabelecidas.” (Rm 13.1) Sabendo que o sistema de governo de Roma não estava de acordo com a justiça de Deus, alguns membros das igrejas romanas devem ter tido dificuldades ao ouvir esse conselho. Como a obediência ao imperador romano idólatra e implacável poderia ser uma maneira de viver no Espírito? A resposta de Paulo é que Deus é soberano sobre todas as autoridades terrenas e que Deus lidará com as autoridades no momento certo. Mesmo Roma, por mais poderosa que fosse, estava, em última análise, sujeita ao poder de Deus.

No local de trabalho, muitas vezes é verdade que “os governantes não devem ser temidos, a não ser por aqueles que praticam o mal” (Rm 13.3). Os chefes geralmente organizam o trabalho de forma eficaz e criam um ambiente justo para resolver disputas. Os tribunais regularmente resolvem de forma equitativa casos envolvendo patentes, títulos de propriedade, relações trabalhistas e contratos. Os reguladores muitas vezes servem para proteger o meio ambiente, evitar fraudes, reforçar a segurança no local de trabalho e garantir a igualdade de acesso a oportunidades de moradia. A polícia geralmente apreende criminosos e ajuda os inocentes. O fato de que mesmo autoridades descrentes com tanta frequência acertam as coisas é uma marca da graça de Deus no mundo.

Mas as autoridades nos negócios, no governo e em todos os locais de trabalho podem entender as coisas de forma devastadoramente errada e, às vezes, abusar do poder para fins egoístas. Quando isso acontece, é útil distinguir entre os poderes gerados pelo homem (mesmo que sejam significativos) e o poder de Deus que está sobre, por trás e em meio a toda a criação. Muitas vezes, os poderes humanos estão tão mais próximos de nós que tendem a bloquear nossa percepção do movimento de Deus em nossa vida. Essa passagem serve de encorajamento para discernir onde Deus está ativo e para unir nossa vida às atividades de Deus que promoverão a verdadeira plenitude de vida para nós e para todos.

As pessoas que trabalharam na Tyco International quando Dennis Kozlowski era CEO devem ter se perguntado por que ele foi autorizado a assaltar os cofres da empresa para pagar por seu estilo de vida pessoal ultrajante. Podemos imaginar que aqueles que tentaram trabalhar com integridade podem ter sentido medo de perder o emprego. Algumas pessoas éticas podem ter sucumbido à pressão para participar dos esquemas de Kozlowski. Mas, por fim, Kozlowski foi descoberto, acusado e condenado por furto, conspiração e fraude. [1] Aqueles que confiaram que a justiça terminaria sendo restaurada acabaram do lado certo da história.

Paulo oferece conselhos práticos aos cristãos romanos, que viviam no centro das autoridades humanas mais poderosas que o mundo ocidental já conhecera. Obedeça à lei, pague seus impostos e taxas comerciais, dê respeito e honra àqueles que ocupam posições de autoridade (Rm 12.7). Talvez alguns tivessem pensado que, como cristãos, deveriam se rebelar contra a injustiça romana. Mas Paulo parece ver egocentrismo nessa atitude, em vez de centralização em Deus. A rebeldia egoísta não os preparará para o “dia” de Deus (Rm 13.12), que está chegando.

Por exemplo, em alguns países, a evasão fiscal é tão comum que os serviços necessários não podem ser fornecidos, o suborno (para permitir a evasão) corrompe funcionários em todos os níveis e a carga tributária é distribuída de forma injusta. O governo perde legitimidade aos olhos tanto dos contribuintes quanto dos sonegadores de impostos. A instabilidade civil retarda o crescimento econômico e o desenvolvimento humano. Sem dúvida, grande parte do dinheiro arrecadado é usado para fins inconsistentes com os valores cristãos, e muitos cristãos podem responder sonegando impostos, tal como todos os outros. Mas o que aconteceria se os cristãos se comprometessem, de forma organizada, a pagar seus impostos e monitorar o uso de fundos pelo governo? Pode levar décadas para reformar o governo dessa maneira, mas será que funcionaria? O argumento de Paulo em Romanos 12 sugere que sim.

Muitos cristãos vivem em democracias, hoje, o que lhes confere a responsabilidade adicional de votar em leis sábias que expressem a justiça de Deus da melhor maneira possível. Uma vez que os votos são contados, temos a responsabilidade de obedecer às leis e às autoridades, mesmo que discordemos delas. As palavras de Paulo implicam que devemos obedecer às autoridades legítimas, mesmo quando estivermos trabalhando para mudar as injustiças por meios democráticos.

Em todas as esferas da vida, temos a responsabilidade contínua de resistir e transformar todos os sistemas injustos, sempre colocando o bem comum acima do interesse próprio. Mesmo assim, devemos mostrar respeito às autoridades, seja no trabalho, na escola, na igreja, no governo seja na vida cívica. Acreditamos que a mudança ocorrerá não porque expressamos indignação, mas porque Deus é soberano sobre todas as coisas.

Paulo conclui o capítulo 13 observando que, ao amar outras pessoas, cumprimos os mandamentos. Viver no Espírito cumpre inerentemente a lei judaica, mesmo para aqueles que não a conhecem. Ele reitera que isso não vem pelo esforço humano, mas pelo poder de Cristo em nós. “Revistam-se do Senhor Jesus Cristo”, conclui ele (Rm 13.14).

Acolhedor — vivendo em paz com diferentes valores e opiniões (Rm 14—15)

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Quando chega a este ponto da carta, Paulo já terminou de desenvolver seu método de raciocínio moral. Agora, ele faz uma pausa para fornecer algumas implicações dele no contexto único das igrejas romanas, a saber, nas disputas entre os crentes.

A principal implicação para as igrejas romanas é bem-vinda. Os cristãos romanos devem acolher uns aos outros. Não é difícil ver como Paulo extrai essa implicação. O objetivo do raciocínio moral, de acordo com Romanos 6, é que “vivamos uma vida nova”, o que significa trazer uma nova qualidade de vida àqueles que nos cercam. Se você está em um relacionamento rompido com alguém, as boas-vindas são inerentemente uma nova qualidade de vida. Boas-vindas é reconciliação na prática. As brigas procuram excluir os outros, mas a acolhida procura incluí-los, mesmo quando isso significa respeitar áreas de desacordo.

O acolhimento supera brigas por opiniões divergentes (Rm 14.1-23)

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“Aceitem o que é fraco na fé sem discutir assuntos controvertidos”, começa Paulo (Rm 14.1 ). Os “fracos na fé” podem ser aqueles que não têm confiança em suas próprias convicções sobre questões controversas (ver Rm 14.23) e confiam em regras estritas para governar suas ações. Especificamente, alguns dos cristãos judeus mantiveram as restrições das leis alimentares judaicas e foram ofendidos por outros cristãos que consumiam carne e bebida não kosher. Aparentemente, eles se recusavam até mesmo a comer com aqueles que não eram kosher. [1] Embora considerassem sua rigidez como uma força, Paulo diz que ela se torna uma fraqueza quando os leva a julgar aqueles que não compartilham de sua convicção. Paulo diz que aqueles que se mantêm kosher “não [devem] condenar aquele que come [carne não-kosher]”.

No entanto, a resposta de Paulo à fraqueza deles não é discutir com eles, nem ignorar suas crenças, mas fazer o que for necessário para que se sintam bem-vindos. Ele diz àqueles que não praticam hábitos kosher que não ostentem sua liberdade de comer qualquer coisa, porque isso exigiria que os guardiões das regras kosher quebrassem a comunhão com eles ou violassem a própria consciência. Se não encontrassem carne kosher para consumir, então o não kosher deveria se juntar ao kosher e comer apenas vegetais, em vez de exigir que os guardiões kosher violassem sua consciência. “Não destrua a obra de Deus por causa da comida”, diz Paulo (Rm 14.20).

Ambos os grupos sentem fortemente que seus pontos de vista são moralmente importantes. Os fortes acreditam que, para os gentios, manter-se kosher é uma recusa da graça de Deus em Cristo Jesus. Os fracos acreditam que não manter a kosher — e simplesmente comer com pessoas que não a praticam — é uma afronta a Deus e uma violação da lei judaica. O argumento é acalorado porque a liberdade em Cristo e a obediência às alianças de Deus são questões morais e religiosas verdadeiramente importantes. Mas os relacionamentos na comunidade são ainda mais importantes. Viver em Cristo não tem a ver com estar certo ou errado em qualquer questão em particular. Tem a ver com um relacionamento correto com Deus e uns com os outros, com a “paz e alegria no Espírito Santo” (Rm 14.17).

As divergências morais podem ser ainda mais difíceis no trabalho, onde há menos pontos em comum. Um aspecto interessante a esse respeito é a preocupação especial de Paulo pelos fracos. Embora diga a ambos os grupos que não julguem, ele coloca um fardo prático maior sobre os fortes. “Nós, que somos fortes, devemos suportar as fraquezas dos fracos, e não agradar a nós mesmos” (Rm 15.1). Nosso modelo para isso é Jesus, que “não agradou a si próprio” (Rm 15.3). Isso significa que aqueles que estão certos, ou que são a maioria, ou aqueles que têm mais poder são chamados a abster-se voluntariamente de violar a consciência dos outros. Na maioria dos locais de trabalho, ocorre o oposto. Os fracos devem se acomodar aos ditames dos fortes, mesmo que isso viole sua consciência.

Imagine, por exemplo, que alguém em seu local de trabalho tenha convicções religiosas ou morais que exijam uma certa modéstia no vestuário como, por exemplo, cobrir o cabelo, os ombros ou as pernas. Essas convicções podem ser uma forma de fraqueza, para usar a terminologia de Paulo, se deixarem essa pessoa desconfortável perto de outras que não se conformam com sua ideia de se vestir com recato. Provavelmente, você não se oporia a que a pessoa usasse roupas tão modestas. Mas o argumento de Paulo implica que você e todos os seus colegas de trabalho também devem se vestir com recato, de acordo com os padrões da outra pessoa, pelo menos se o desejo for fazer de seu local de trabalho um lugar de acolhimento e reconciliação. Os fortes (aqueles que não são prejudicados pelo legalismo sobre os códigos de vestimenta) devem acolher os fracos (aqueles que se sentem ofendidos pelas roupas dos outros), acomodando-se a sua fraqueza.

Lembre-se de que Paulo não quer que exijamos que os outros se adaptem a nossos remorsos. Isso nos tornaria fracos, e Paulo quer que nos tornemos fortes na fé. Não devemos ser aqueles que balançam a cabeça em reprovação diante de vestimenta, linguagem ou gosto musical dos outros no trabalho. Imagine, em vez disso, que os cristãos tenham a reputação de fazer todos se sentirem bem-vindos, em vez de julgar os gostos e hábitos dos outros. Isso ajudaria ou atrapalharia a missão de Cristo no mundo do trabalho?

O acolhimento edifica a comunidade (Rm 14.19—15.33)

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Outro aspecto do acolhimento é que ele fortalece a comunidade. “Cada um de nós deve agradar ao seu próximo para o bem dele, a fim de edificá-lo” (Rm 15.2), da mesma forma que um anfitrião acolhedor garante que uma visita fortaleça o hóspede. O “próximo” aqui é outro membro da comunidade. “Esforcemo-nos em promover tudo quanto conduz à paz e à edificação mútua”, diz Paulo (Rm 14.19). Edificação mútua significa trabalhar juntos em comunidade.

Nos capítulos 14 e 15, vemos que dar boas-vindas é uma prática poderosa. Paulo não está falando sobre simplesmente dizer olá com um sorriso no rosto. Ele está falando sobre engajar-se em um profundo discernimento moral como comunidade, mas permanecer em um relacionamento caloroso com aqueles que chegam a conclusões morais diferentes, mesmo em assuntos importantes. No que diz respeito a Paulo, os relacionamentos contínuos na comunidade são mais importantes do que as conclusões morais particulares. Os relacionamentos trazem uma qualidade de vida à comunidade que excede muito qualquer satisfação possível de estar certo sobre um problema ou julgar que outra pessoa esteja errada. Também é um testemunho mais atraente para o mundo ao redor. “Portanto, aceitem-se uns aos outros, da mesma forma com que Cristo os aceitou, a fim de que vocês glorifiquem a Deus” (Rm 15.7). Quando nos acolhemos uns aos outros, o resultado final pela misericórdia de Deus (Rm 15.9) é que “cantem louvores a ele todos os povos” (Rm 15.11).

Uma comunidade de líderes (Rm 16)

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O capítulo 16 de Romanos desmente as suposições comuns de muitas pessoas sobre a natureza da obra de Paulo — a saber, que ele era uma figura solitária e heroica, que enfrentou dificuldades para cumprir seu chamado solitário e exaltado de espalhar o evangelho entre os gentios. Em Romanos 16, no entanto, Paulo deixa claro que seu trabalho era um esforço comunitário. Paulo menciona vinte e nove cooperadores pelo nome, e muitos outros por termos como “a igreja que se reúne na casa deles” e “os irmãos que estão com eles”. A lista de Paulo dá igual valor ao trabalho de mulheres e homens, sem papéis distintos para nenhum dos dois, e parece incluir pessoas de várias posições sociais. Vários são claramente ricos, e alguns podem ser homens e mulheres agora libertos. Outros podem muito bem ser escravos. Paulo elogia o trabalho particular de muitos, como aqueles que “arriscaram a vida” (Rm 16.4), quem “trabalhou arduamente” (Rm 16.6), os que “estiveram na prisão comigo” (Rm 16.7), que “trabalham arduamente no Senhor” (Rm 16.12) ou uma que “tem sido mãe também para mim” (Rm 16.13). Ele menciona o trabalho de Tércio, “que [redigiu] esta carta” (Rm 16.22) e de Erasto, “administrador da cidade” (Rm 16.23).

Observar Paulo dentro de um círculo tão amplo de cooperadores mina a ênfase ocidental moderna na individualidade, especialmente no local de trabalho. Como todo mundo que ele nomeia, Paulo trabalhou em comunidade para o bem da comunidade. Esta seção final da carta nos permite saber que o evangelho é um trabalho de todos. Nem todos são apóstolos. Nem todos somos chamados a deixar o emprego e viajar pregando. A lista que Paulo apresenta dos variados dons de serviço em Romanos 12.6-8 deixa isso claro. Seja qual for o tipo de trabalho que ocupe nosso tempo, somos chamados a agir como servos das boas-novas da salvação de Deus para todas as pessoas. (Veja “Trabalhando como membros uns dos outros”, em Romanos 12.4-8.)

Essas saudações também nos lembram que os líderes da igreja são obreiros. Às vezes, é tentador ver o trabalho de Paulo como algo distinto de outros tipos de trabalho. Mas a repetida referência de Paulo ao trabalho das pessoas que ele cita nos lembra que o que é verdade sobre o ministério de Paulo é verdade para todos os locais de trabalho. Aqui, onde passamos grande parte do nosso tempo a cada semana, é onde aprenderemos a andar em novidade de vida (Rm 6.4) — ou permaneceremos atolados no poder da morte. Em nossos relacionamentos no local de trabalho, somos convidados a buscar o bem do outro, de acordo com o modelo de Cristo. É no trabalho muitas vezes ordinário de nossa mente, coração e mãos que temos a chance de nos tornar canais da graça de Deus para os outros.

Nos versículos finais de Romanos, fica evidente que a obra de ninguém está isolada; ela está entrelaçada com o trabalho de outros. Paulo reconhece aqueles que o precederam, transmitindo sua fé a ele, aqueles que trabalharam ao lado dele e aqueles que arriscaram a vida por ele e por seu trabalho comum. Esse ponto de vista chama cada um de nós a olhar para todo o tecido comunitário que constitui nosso local de trabalho, a considerar todas as vidas entrelaçadas com a nossa, apoiando e aprimorando o que somos capazes de fazer, todos os que desistem de algo que possam desejar para si mesmos a fim de nos beneficiar e beneficiar o trabalho que vai além de nós neste mundo de Deus.

Resumo e conclusão de Romanos

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A preocupação dominante de Paulo em Romanos é a salvação — a reconciliação do mundo por Deus por meio da cruz de Jesus Cristo. Em Cristo, Deus está trabalhando para reconciliar todas as pessoas consigo mesmo, umas com as outras, e redimir a ordem criada das forças do mal do pecado, da morte e da decadência. A preocupação de Paulo não é abstrata, mas prática. Seu objetivo é curar as divisões entre os cristãos em Roma e capacitá-los a trabalharem juntos para cumprirem a vontade de Deus para sua vida e seu trabalho.

Nesse cenário, Paulo mostra que a salvação vem a nós como um dom gratuito comprado pela fidelidade de Deus na cruz de Cristo e pela graça de Deus em nos levar à fé em Cristo. De forma alguma esse dom gratuito implica que Deus não se importa com o que e como trabalhamos. Em vez disso, Paulo mostra como o recebimento da graça de Deus transforma não só o trabalho que fazemos mas também como o fazemos. Embora não trabalhemos para ganhar a salvação, Deus está nos salvando, mas ele nos dá a incrível diversidade de dons necessários para servir uns aos outros e edificar nossas comunidades. Como resultado, caminhamos em um novo modo de vida, levando vida em Cristo aos que nos rodeiam e, no tempo de Deus, à plenitude da criação.

Bibliografia Selecionada (Romanos)

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