Bootstrap

Colossenses e o trabalho

Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do Trabalho
Colossians

Deus trabalhou na criação, tornando os seres humanos trabalhadores à sua imagem (Cl 1.1-14)

Voltar ao índice Voltar ao índice

Em Colossenses 1.6, por alusão, Paulo nos leva de volta a Gênesis 1.26-28.

Então disse Deus: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os grandes animais de toda a terra e sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão”. Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. Deus os abençoou e lhes disse: “Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra”.

Aqui está Deus, o Criador, em ação, e o ápice de sua atividade é a criação da humanidade à imagem e semelhança divinas. Ao homem e à mulher recém-formados, ele dá duas tarefas (as tarefas são dadas tanto para o homem quanto para a mulher): devem ser frutíferos e se multiplicar, enchendo a terra, que devem subjugar ou governar. Paulo pega a linguagem de Gênesis 1 em Colossenses 1.6, dando graças a Deus pelo fato de o evangelho estar progredindo no meio deles, “frutificando e crescendo”, à medida que se espalha pelo mundo inteiro. Ele então repete isso em 1.10 — os colossenses devem dar frutos e crescer na compreensão de Deus e no trabalho, em seu nome. Quer as tarefas sejam o trabalho de ser pais, o trabalho multifacetado de subjugar a terra e governá-la, quer o trabalho do ministério, eles e nós somos, no trabalho, portadores da imagem do Deus que trabalha. Fomos criados como obreiros no princípio, e Cristo nos redime como obreiros.

Deus em ação, Jesus em ação (Cl 1.15-20)

Voltar ao índice Voltar ao índice

A primeira metade da carta de Paulo aos colossenses pode ser resumida em oito palavras:

Jesus fez tudo isso.

Então Jesus pagou tudo.

Jesus fez tudo

A carta de Colossenses assume que o leitor está familiarizado com as primeiras linhas do primeiro livro da Bíblia: “No princípio Deus criou os céus e a terra” (Gn 1.1). O segundo capítulo de Gênesis, então, afirma que “no sétimo dia Deus já havia concluído a obra que realizara, e nesse dia descansou” (Gn 2.2). A criação de tudo o que existe foi trabalho, mesmo para Deus. Paulo nos diz que Cristo estava presente na criação e que a obra de Deus na criação é a obra de Cristo:

Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito sobre toda a criação, pois nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos sejam soberanias, poderes ou autoridades; todas as coisas foram criadas por ele e para ele. Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste. (Cl 1.15-17)

Em outras palavras, Paulo atribui toda a criação a Jesus, um tema também desenvolvido no Evangelho de João (1.1-4).

Jesus pagou tudo

Paulo, então, deixa claro para seus leitores que Jesus não foi apenas o agente criador de tudo o que existe, mas ele também é o agente de nossa salvação:

Pois foi do agrado de Deus que nele habitasse toda a plenitude e por meio dele reconciliasse consigo todas as coisas, tanto as que estão na terra quanto as que estão nos céus, estabelecendo a paz pelo seu sangue derramado na cruz. (Cl 1.19-20)

Paulo coloca a obra de Cristo na criação lado a lado com sua obra na redenção, com temas de criação dominando a primeira parte da passagem (Cl 1.15-17) e temas de redenção dominando a segunda metade (Cl 1.18-20). O paralelismo é especialmente impressionante entre 1.16, “pois nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra”, e 1.20, “e por meio dele reconciliasse consigo todas as coisas, tanto as que estão na terra quanto as que estão nos céus, estabelecendo a paz pelo seu sangue derramado na cruz”. O padrão é fácil de ver: Deus criou todas as coisas por meio de Cristo, e ele está reconciliando essas mesmas coisas consigo mesmo por meio de Cristo. James Dunn escreve:

O que se alega é, de maneira bastante simples e profunda, que o propósito divino no ato de reconciliação e pacificação era restaurar a harmonia da criação original [...] resolvendo as desarmonias da natureza e as desumanidades da humanidade, [de modo] que o caráter da criação de Deus e a preocupação de Deus pelo universo em sua expressão mais plena pudessem ser capturados e encapsulados para eles na cruz de Cristo. [1]

Em suma, Jesus fez tudo e, em seguida, Jesus pagou tudo para que possamos ter um relacionamento com o Deus vivo.

Jesus, a imagem do Deus invisível (Cl 1.15-29)

Voltar ao índice Voltar ao índice

Que diferença faz sermos portadores da imagem divina no trabalho? Uma implicação disso é que refletiremos lá os padrões e os valores da obra de Deus. Mas como conhecer a Deus para saber que padrões e valores são esses? Em Colossenses 1.15, Paulo nos lembra que Jesus Cristo é “a imagem do Deus invisível”. Novamente: “Pois em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2.9). É “na face de Jesus Cristo” que podemos conhecer a Deus (2Co 4.6). Durante o ministério terreno de Jesus, Filipe lhe perguntou: “Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta”. Jesus respondeu: “Você não me conhece, Filipe, mesmo depois de eu ter estado com vocês durante tanto tempo? Quem me vê, vê o Pai. Como você pode dizer: ‘Mostra-nos o Pai’?” (Jo 14.8-9).

Jesus nos revela Deus. Ele nos mostra como nós, como portadores da imagem de Deus, devemos realizar o trabalho. Se precisamos de ajuda para entender isso, Paulo explica: primeiro, ele descreve o poder infinito de Jesus na criação (Cl 1.15-17), imediatamente após, vincula isso à disposição de Jesus de deixar esse poder de lado para encarnar Deus na terra em palavras e ações, e então morrer por nossos pecados. (Paulo diz isso diretamente em Filipenses 2.5-9.) Olhamos para Jesus. Ouvimos Jesus para entender como somos chamados a ser a imagem de Deus no trabalho.

Como, então, os padrões e valores de Deus podem ser aplicados no trabalho? Começamos olhando especificamente para a obra de Jesus como nosso exemplo.

Perdão

Primeiro, vemos que Deus “nos resgatou do domínio das trevas e nos transportou para o reino do seu Filho amado” (Cl 1.13). Porque Jesus o fez, Paulo pode apelar para que “suportem-se uns aos outros e perdoem as queixas que tiverem uns contra os outros. Perdoem como o Senhor lhes perdoou” (Cl 3.13). Foi com base nisso que Paulo pôde pedir a Filemom, o senhor de escravos, que perdoasse e recebesse Onésimo como irmão, não mais como escravo. Estamos fazendo nosso trabalho em nome do Senhor Jesus quando trazemos essa atitude para nossos relacionamentos no local de trabalho: fazemos concessões pelas faltas dos outros e perdoamos aqueles que nos ofendem.

Autossacrifício em benefício dos outros

Em segundo lugar, vemos Jesus com poder infinito criando “todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, poderes ou autoridades” (Cl 1.16). No entanto, também o vemos deixar de lado esse poder por nós, “e por meio dele reconciliasse consigo todas as coisas, tanto as que estão na terra quanto as que estão nos céus, estabelecendo a paz pelo seu sangue derramado na cruz” (Cl 1.20), para que possamos ter um relacionamento com Deus. Há momentos em que podemos ser chamados a deixar de lado a autoridade ou o poder que temos no local de trabalho para beneficiar alguém que pode não ser merecedor. Se Filemom está disposto a deixar de lado sua autoridade de proprietário de escravos sobre Onésimo (que não merece sua misericórdia) e aceitá-lo de volta em um novo relacionamento, então Filemom imagina o Deus invisível em seu local de trabalho.

Liberdade de acomodação cultural

Terceiro, vemos Jesus viver a nova realidade que ele nos oferece: “Portanto, já que vocês ressuscitaram com Cristo, procurem as coisas que são do alto, onde Cristo está assentado à direita de Deus. Mantenham o pensamento nas coisas do alto, e não nas coisas terrenas. Pois vocês morreram, e agora a sua vida está escondida com Cristo em Deus” (Cl 3.1-3). Não estamos mais presos a costumes culturais que contrastam com a vida de Deus dentro de nós. Estamos no mundo, mas não somos do mundo. Podemos marchar com um ritmo diferente. A cultura do local de trabalho pode trabalhar contra nossa vida em Cristo, mas Jesus nos chama a colocar o coração e a mente no que Deus deseja para nós e em nós. Isso exige uma grande reorientação de atitudes e valores.

Paulo chamou Filemom para essa reorientação. A cultura romana do primeiro século deu aos proprietários de escravos poder completo sobre o corpo e a vida de seus escravos. Tudo na cultura dava a Filemom total permissão para tratar Onésimo com severidade, até mesmo matá-lo. Mas Paulo foi claro: como seguidor de Jesus Cristo, Filemom havia morrido e sua nova vida estava agora em Cristo (Cl 3.3). Isso significava repensar sua responsabilidade não apenas com relação a Onésimo, mas também a Paulo, à igreja colossense e a Deus, seu juiz.

“Estou bem sozinho” (Cl 2.1-23)

Voltar ao índice Voltar ao índice

Paulo adverte os colossenses contra o retorno à antiga orientação de autoajuda. “Tenham cuidado para que ninguém os escravize por meio de filosofias inúteis e enganosas, que se fundamentam nas tradições humanas e nos princípios elementares deste mundo, mas não em Cristo” (Cl 2.8). Em Um bom homem é difícil de encontrar, Flannery O'Connor ironicamente colocou estas palavras —“Estou bem sozinho” — na boca de um assassino em série que proclama não precisar de Jesus. [1] Trata-se de um resumo adequado do ethos dos falsos mestres que assolam os santos em Colossos. Em sua “pretensa religiosidade, falsa humildade e severidade com o corpo” (Cl 2.23), o progresso espiritual poderia ser alcançado por tratamento rude do corpo, visões místicas (Cl 2.18) e observância de dias especiais e leis alimentares (Cl 2.16, provavelmente derivado do Antigo Testamento). Esses mestres acreditavam que, ao reunir os recursos disponíveis, poderiam vencer o pecado por conta própria.

Esse ponto importante forma a base para as exortações de Paulo aos trabalhadores, mais adiante na carta. O progresso genuíno na fé — incluindo o progresso em como glorificamos a Deus no local de trabalho — só pode advir de nossa confiança na obra de Deus em nós por meio de Cristo.

Mantenham o pensamento nas coisas do alto: vivendo no céu para o bem terrestre (Cl 3.1-16)

Voltar ao índice Voltar ao índice

Esse chamado à reorientação significa que remodelamos nossa vida para pensar e agir de acordo com a ética de Jesus em situações que ele nunca encontrou. Não podemos reviver a vida de Jesus. Devemos viver nossa própria vida para Jesus. Temos de responder a perguntas para as quais Jesus não concede respostas específicas. Por exemplo, quando Paulo escreve “mantenham o pensamento nas coisas do alto, e não nas coisas terrenas” (Cl 3.2), significa que a oração é preferível a pintar uma casa? O progresso cristão consiste em pensar cada vez menos em nosso trabalho e mais em harpas, anjos e nuvens?

Paulo não nos abandona à especulação crua sobre essas coisas. Em Colossenses 3.1-17, ele deixa claro que “[manter] o pensamento nas coisas do alto” (Cl 3.2) significa expressar as prioridades do reino de Deus precisamente em meio às atividades terrenas cotidianas. Em contraste, fixar a mente nas coisas terrenas é viver de acordo com os valores do sistema mundial que se estabelece em oposição a Deus e seus caminhos.

O que significa na vida cotidiana concreta fazer morrer “tudo o que pertence à sua natureza terrena” (Cl 3.5)? Não significa usar uma roupa de pelo animal ou tomar banho gelado como disciplina espiritual. Paulo acabou de dizer que tratar “com austeridade o corpo” não ajuda a impedir o pecado (Cl 2.23).

Primeiro, significa fazer morrer “imoralidade sexual, impureza, paixão, desejos maus e a ganância, que é idolatria” (Cl 3.5). Somos chamados a nos afastar da imoralidade sexual (como se o sexo degradado pudesse lhe trazer uma vida melhor) e da ganância (como se mais coisas pudessem trazer mais vida). A suposição, claro, é que há, de fato, um lugar adequado para a satisfação do desejo sexual (casamento entre um homem e uma mulher) e um grau adequado para a satisfação do desejo material (aquele que resulta da confiança em Deus, do trabalho, da generosidade com o próximo e da gratidão pela provisão de Deus).

Em segundo lugar, Paulo declara: “Mas, agora, abandonem todas estas coisas: ira, indignação, maldade, maledicência e linguagem indecente no falar. Não mintam uns aos outros, visto que vocês já se despiram do velho homem com suas práticas e se revestiram do novo, o qual está sendo renovado em conhecimento, à imagem do seu Criador. Nessa nova vida já não há diferença entre grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro e cita, escravo e livre, mas Cristo é tudo e está em todos” (Cl 3.8-10). A expressão “uns aos outros” indica que Paulo está falando à igreja, isto é, àqueles que são crentes em Cristo. Isso significa que é permitido continuar a mentir para as pessoas fora da igreja? Não, pois Paulo não está falando apenas de uma mudança de comportamento, mas de uma mudança de coração e mente. É difícil imaginar que, tendo assumido um “novo eu”, você possa de alguma forma recuperar o antigo eu ao lidar com descrentes. Uma vez que você “abandona todas essas coisas”, elas não devem ser trazidas de volta.

Desses vícios, três são particularmente relevantes para o local de trabalho: ganância, ira e mentira. Esses três vícios podem aparecer no que, de outra forma, seriam atividades comerciais legítimas.

  • Ganância é a busca desenfreada da riqueza. É apropriado e necessário que uma empresa tenha lucro ou que uma organização sem fins lucrativos crie valor agregado. Mas, se o desejo de lucro se tornar desenfreado, compulsivo, excessivo e restrito à busca de ganho pessoal, então o pecado se estabeleceu.

  • A ira pode aparecer no conflito. É necessário que o conflito seja expresso, investigado e resolvido em qualquer local de trabalho. No entanto, se não for tratado de forma aberta e justa, degenerará em ira não resolvida, raiva e intenções maliciosas, e o pecado se estabelecerá.

  • A mentira pode resultar da promoção incorreta dos clientes em potencial da empresa ou dos benefícios do produto. É próprio de toda empresa ter uma visão mais além de seus produtos, serviços e organização. Um folheto de vendas deve descrever o produto mostrando seu maior potencial, mas também suas limitações. Um prospecto de ações deve descrever o que a empresa espera alcançar se for bem-sucedida, mas também os riscos que pode encontrar ao longo do caminho. Se o desejo de retratar um produto, serviço, empresa ou pessoa sob uma luz visionária cruzar a linha do engano (um retrato desequilibrado de riscos versus recompensas, má orientação ou pura invenção e mentiras), então o pecado mais uma vez reinará.

Paulo não tenta fornecer critérios universais para diagnosticar quando as virtudes apropriadas degeneraram em vícios, mas deixa claro que os cristãos devem aprender a fazê-lo em situações particulares.

Quando os cristãos “fazem morrer” (Cl 3.5) a pessoa que costumavam ser, devem se revestir da pessoa que Deus deseja que sejam, a pessoa que Deus está recriando à imagem de Cristo (Cl 3.3, 10). Não quer dizer que deva se retirar completamente para oração e adoração constantes (embora todos sejamos chamados a orar e adorar, e alguns possam ser chamados a fazê-lo como vocação de tempo integral). Em vez disso, significa refletir as próprias virtudes de Deus de “compaixão, bondade, humildade, mansidão e paciência” (Cl 3.12) em tudo o que fazemos.

Uma palavra encorajadora vem da exortação de Paulo “suportem uns aos outros” (Cl 3.13). A maioria das versões bíblicas traz essa tradução, mas ela não captura totalmente o ponto de Paulo. Ele parece estar dizendo que há todo tipo de pessoas na igreja (e também podemos aplicar isso prontamente ao local de trabalho) com quem naturalmente não nos daremos bem. Nossos interesses e personalidade são tão diferentes que não pode haver vínculo instintivo. Mas nós os aturamos de qualquer maneira. Buscamos o bem deles, perdoamos seus pecados e suportamos suas idiossincrasias irritantes. Muitos dos traços de caráter que Paulo exalta em suas cartas podem ser resumidos na frase “ele/ela trabalha bem com os outros”. O próprio Paulo menciona os cooperadores Tíquico, Onésimo, Aristarco, Marcos, Justo, Epafras, Lucas, Demas, Ninfa e Arquipo (Cl 4.7-17). Ser um “jogador de equipe” não é simplesmente um clichê para melhorar o currículo. É uma virtude cristã fundamental. Tanto fazer morrer o velho quanto revestir-se do novo são imensamente relevantes para o trabalho diário. Os cristãos devem mostrar a nova vida de Cristo em meio a um mundo agonizante, e o local de trabalho talvez seja o principal fórum em que esse tipo de exibição pode ocorrer.

  • Para se encaixar no trabalho, os cristãos podem ser tentados, por exemplo, a participar das fofocas e das reclamações que permeiam muitos locais de trabalho. É provável que todo local de trabalho tenha pessoas cujas ações dentro e fora do expediente produzam histórias interessantes. Repetir as histórias não é mentir, é?

  • É provável que todo local de trabalho tenha políticas injustas, chefes ruins, processos não funcionais e canais de comunicação ruins. Reclamar disso não é calúnia, é?

A exortação de Paulo é para que vivamos de maneira diferente, mesmo em locais de trabalho decadentes. Mortificar a natureza terrena e revestir-se de Cristo significa confrontar diretamente as pessoas que nos prejudicaram, em vez de falar delas pelas costas (Mt 18.15-17). Significa trabalhar para corrigir as desigualdades no local de trabalho e perdoá-las.

Alguém pode perguntar: “Os cristãos não correm o risco de ser rejeitados como pessoas desanimadas e ‘mais santas do que você’ se não falarem como os outros?”. Isso pode ocorrer se esses cristãos se desvincularem dos outros, em um esforço para mostrar que são melhores. Os colegas de trabalho se darão conta em um segundo. Mas, se, em vez disso, os cristãos estiverem genuinamente revestidos de Cristo, a vasta maioria das pessoas ficará feliz em tê-los por perto. Alguns podem até apreciar secreta ou abertamente o fato de que alguém que conhecem está, pelo menos, tentando viver uma vida de “compaixão, bondade, humildade e paciência” (Cl 3.12). Da mesma forma, os obreiros cristãos que se recusam a empregar a mentira (seja rejeitando textos publicitários enganosos ou recusando-se a participar de esquemas fraudulentos do tipo pirâmide) podem acabar fazendo alguns inimigos, pagando um preço por sua honestidade. Mas também é possível que alguns colegas de trabalho desenvolvam uma nova abertura para o caminho de Jesus quando a Comissão de Valores Mobiliários bater à porta do escritório.

Fazer nosso trabalho como para o Senhor (Cl 3.17, 23)

Voltar ao índice Voltar ao índice

Então, o que significa fazer nosso trabalho “em nome do Senhor Jesus” (Cl 3.17)? Como fazemos nosso trabalho de todo o coração, “como para o Senhor, não para os homens” (Cl 3.23)? Fazer nosso trabalho em nome do Senhor Jesus traz pelo menos duas ideias:

  • Reconhecemos que representamos Jesus no local de trabalho. Se somos seguidores de Cristo, o tratamento que dispensamos aos outros e a diligência e fidelidade com que fazemos nosso trabalho afetam a reputação de nosso Senhor. Quão bem nossas ações se encaixam com quem ele é?

  • Trabalhar “em nome de Senhor Jesus” também implica que vivamos reconhecendo que ele é nosso mestre, nosso chefe, aquele a quem devemos prestar contas. Isso leva ao lembrete de Paulo de que trabalhamos para o Senhor e não para senhores humanos. Sim, provavelmente temos responsabilidade horizontal no trabalho, mas a diligência que trazemos ao trabalho vem do reconhecimento de que, no final, Deus é nosso juiz.

Paulo escreve: “Tudo o que fizerem, seja em palavra seja em ação, façam-no em nome do Senhor Jesus, dando por meio dele graças a Deus Pai” (Cl 3.17). Podemos entender esse versículo de duas maneiras: um caminho raso e um caminho mais profundo. A maneira superficial é incorporar alguns sinais e gestos cristãos no ambiente de trabalho, como afixar um versículo bíblico em nossa sala ou estação de trabalho, ou um adesivo cristão em nosso veículo. Gestos como esse podem ser significativos, mas, por si mesmos, não constituem uma vida profissional centrada em Cristo. Uma maneira mais profunda de entender o desafio de Paulo é orar especificamente pelo trabalho que estamos fazendo: “Deus, por favor, mostre-me como respeitar tanto o queixoso quanto o réu na linguagem que uso neste documento”.

Uma maneira ainda mais profunda seria começar o dia imaginando nossas metas diárias se Deus fosse o dono da empresa. Com esse entendimento da ordenança de Paulo, faríamos todo o trabalho do dia em busca de objetivos que honrassem a Deus. O ponto do apóstolo é que, no reino de Deus, o trabalho e a oração são atividades integradas. Tendemos a vê-las como duas atividades separadas que precisam ser equilibradas. Mas são dois aspectos da mesma atividade, a saber, trabalhar para realizar o que Deus deseja que seja realizado em comunhão com as pessoas e com Deus.

Sobre escravos e senhores, antigos e contemporâneos (Cl 3.18—4.1)

Voltar ao índice Voltar ao índice

Nesse ponto, Colossenses passa para o que é chamado de “código doméstico”, um conjunto de instruções específicas para esposas e maridos, filhos e pais, escravos e senhores. Esses códigos eram comuns no mundo antigo. No Novo Testamento, essas instruções ocorrem, de uma forma ou de outra, seis vezes — em Gálatas 3.28 ; Efésios 5.15—6.9; Colossenses 3.15—4.1; 1Timóteo 5.1-22; 6.1-2 ; Tito 2.1-15; e 1Pedro 2.11—3.9. Para nossos propósitos aqui, exploraremos apenas a seção em Colossenses que tem a ver com o local de trabalho (escravos e senhores em 3.18—4.1).

Se quisermos compreender plenamente o valor das palavras de Paulo aqui para os trabalhadores contemporâneos, precisamos entender um pouco sobre a escravidão no mundo antigo. Os leitores ocidentais muitas vezes equiparam a escravidão no mundo antigo ao sistema de bens móveis do sul pré-guerra civil nos Estados Unidos, um sistema notório por sua brutalidade e degradação. Correndo o risco de simplificar demais, poderíamos dizer que o sistema escravista do mundo antigo era semelhante ao antigo sistema americano e ao mesmo tempo diferente. Por um lado, nos tempos antigos, os prisioneiros de guerra estrangeiros que trabalhavam em minas estavam em situação muito pior do que os escravos no sul dos Estados Unidos. No outro extremo, no entanto, alguns escravos eram membros bem-educados e valorizados da família, servindo como médicos, professores e administradores de propriedades. Mas todos eram considerados propriedade de seu senhor, de modo que mesmo um escravo doméstico podia estar sujeito a um tratamento horrível, sem recurso legal necessário. [1]

Qual a relevância de Colossenses 3.18—4.1 para os trabalhadores de hoje? Assim como trabalhar por um salário é a forma de trabalho dominante nos países desenvolvidos hoje, a escravidão era a forma dominante de trabalho no Império Romano. Muitos escravos tinham atividades que hoje reconheceríamos como ocupações, recebendo em troca comida, abrigo e, muitas vezes, um pouco de conforto. O poder dos senhores de escravos sobre estes era semelhante em alguns aspectos, mas muito mais extremo do que o poder que empregadores ou gerentes têm sobre os trabalhadores de hoje. Os princípios gerais que Paulo apresenta sobre escravos e senhores nesta carta podem ser aplicados a gerentes e empregadores, desde que nos ajustemos às diferenças significativas entre nossa situação hoje e a deles naquela época.

Quais são esses princípios gerais? Primeiro, e talvez o mais importante, Paulo lembra aos escravos que seu trabalho deve ser feito com integridade, na presença de Deus, que é seu verdadeiro mestre. Mais do que qualquer outra coisa, Paulo quer recalibrar a balança de escravos e senhores, para que eles pesem as coisas com o reconhecimento da presença de Deus em sua vida. Os escravos devem trabalhar temendo ao Senhor (Cl 3.22), porque “é a Cristo, o Senhor, a quem vocês servem” (Cl 3.24). Em suma: “Tudo o que fizerem, façam de todo o coração [literalmente: “trabalho da alma”], como para o Senhor, e não para os homens” (Cl 3.23). Da mesma forma, os mestres [literalmente, “senhores”] devem reconhecer que sua autoridade não é absoluta — eles “têm um Senhor nos céus” (Cl 4.1). A autoridade de Cristo não é limitada pelos muros da igreja. Ele é o Senhor do local de trabalho, tanto para trabalhadores quanto para patrões.

Isso tem várias consequências práticas. Como Deus está observando os obreiros, não faz sentido ser um mero “agradador de pessoas” que presta um “serviço para ser visto” (traduções literais dos termos gregos em Cl 3.22). No mundo de hoje, muitas pessoas tentam bajular seus chefes quando estão por perto, e relaxam assim que saem. Aparentemente, não foi diferente no mundo antigo. Paulo nos lembra que o chefe supremo está sempre observando e que a realidade nos leva a trabalhar com sinceridade de coração, e não representando um show para a gerência, mas trabalhando genuinamente nas tarefas que nos são designadas. (Alguns chefes acabam descobrindo quem está desempenhando um papel, embora, em um mundo caído, os preguiçosos às vezes possam se safar com sua atuação.)

O perigo de ser pego por desonestidade ou trabalho ruim é reforçado em Colossenses 3.25: “Quem cometer injustiça receberá de volta injustiça, e não haverá exceção para ninguém”. Como o versículo anterior se refere à recompensa de Deus pelo serviço fiel, podemos presumir que Deus também age como punidor dos ímpios. No entanto, vale a pena mencionar que o medo da punição não é a principal motivação. Não trabalhamos bem simplesmente para evitar uma avaliação de desempenho ruim. Paulo quer que um bom trabalho brote de um bom coração. Ele quer que as pessoas trabalhem bem, porque é a coisa certa a fazer. Implícita aqui está a asseveração do valor do trabalho aos olhos de Deus. Como ele nos criou para exercer domínio sobre sua criação, fica satisfeito quando o cumprimos buscando a excelência no trabalho. Nesse sentido, as palavras “tudo o que fizerem, façam de todo o coração” (Cl 3.23) são tanto uma promessa como uma ordem. Pela renovação espiritual que nos é oferecida em Cristo pela graça de Deus, podemos trabalhar com entusiasmo.

Colossenses 3.22—4.1 deixa claro que Deus leva todo trabalho a sério, mesmo que seja feito em condições imperfeitas ou degradantes. As cataratas removidas por um cirurgião ocular bem pago são importantes para Deus. O mesmo acontece com o algodão colhido por um meeiro ou mesmo por um escravo da plantação. Isso não significa que a exploração dos trabalhadores seja sempre aceitável diante de Deus. Significa que mesmo um sistema abusivo não pode roubar dos trabalhadores a dignidade de seu trabalho, porque essa dignidade é conferida pelo próprio Deus.

Uma das coisas dignas de nota sobre os códigos domésticos do Novo Testamento é a persistência do tema da mutualidade. Em vez de simplesmente dizer aos subordinados que obedeçam aos que estão acima deles, Paulo ensina que vivemos em uma teia de relacionamentos interdependentes. Esposas e maridos, filhos e pais, escravos e senhores, todos têm obrigações mútuas no corpo de Cristo. Assim, logo na sequência dos mandamentos para os escravos, vem uma diretiva aos senhores: “Senhores, deem aos seus escravos o que é justo e direito, sabendo que vocês também têm um Senhor nos céus” (Cl 4.1). Qualquer que seja a margem de manobra que o sistema legal romano pudesse ter dado aos proprietários de escravos, eles deveriam, em última análise, responder no tribunal de Deus, onde é realizada a justiça para todos. É claro que justiça e equidade devem ser reinterpretadas em cada nova situação. Considere o conceito de “salário justo”, por exemplo. Um salário justo em uma fazenda pode ter um valor monetário diferente de um salário justo em um banco de uma grande cidade. Mas há uma obrigação mútua sob Deus para que empregadores e empregados tratem uns aos outros com justiça e equidade.