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Filipenses e o trabalho

Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do Trabalho
Philippians

Ponham em ação a salvação de vocês com temor e tremor, pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele. (Fp 2.12b-13)

Introdução a Filipenses

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O trabalho requer esforço. Seja fazendo negócios, dirigindo caminhões, criando filhos, escrevendo artigos, vendendo sapatos seja cuidando de deficientes e idosos, o trabalho exige esforço pessoal. Se não nos levantarmos de manhã e começarmos a trabalhar, o trabalho não será concluído. O que nos motiva a sair da cama todas as manhãs? O que nos mantém em movimento ao longo do dia? O que nos dá energia para realizar o trabalho com fidelidade e até com excelência?

Há uma grande variedade de respostas para essas perguntas. Alguns podem apontar para a necessidade econômica. “Eu me levanto e vou trabalhar porque preciso do dinheiro.” Outras respostas podem apontar para nosso interesse no trabalho. “Eu trabalho porque amo o que faço.” Ainda outras respostas podem ser menos inspiradoras. “O que me faz acordar e me faz continuar o dia todo? Cafeína!”

A carta de Paulo aos cristãos em Filipos fornece um tipo diferente de resposta à pergunta sobre onde encontramos forças para o trabalho. Paulo diz que ele não é o resultado de nosso próprio esforço, mas que a obra de Deus em nós é o que nos dá energia. O que fazemos na vida, inclusive no trabalho, é uma expressão da obra salvífica de Deus em Cristo. Além disso, encontramos a força para esse esforço pelo poder de Deus dentro de nós. A obra de Cristo é servir às pessoas (Mc 10.35), e Deus nos capacita a servir ao lado dele.

Quase todos os estudiosos concordam que o apóstolo Paulo escreveu a carta que conhecemos como Filipenses em algum momento entre 54 e 62 d.C. [1] Não há unanimidade sobre o lugar de onde Paulo a escreveu, embora saibamos que foi escrita durante uma de suas várias prisões (Fp 1.7). [2] Está claro que Paulo escreveu esta carta pessoal à igreja em Filipos, uma comunidade que ele plantou durante uma visita anterior (Fp 1.5; At 16.11-40). Ele escreveu para fortalecer seu relacionamento com a igreja de Filipos, atualizá-los sobre sua situação pessoal, agradecer-lhes por seu apoio ao seu ministério, equipá-los para enfrentar ameaças à sua fé, ajudá-los a se dar melhor e, em geral, para ajudá-los a viver sua fé.

Filipenses usa a palavra trabalhar (ergon e cognatos) várias vezes (Fp 1.6; 2.12-13, 30; 4.3). Paulo a usa para descrever a obra de salvação de Deus e as tarefas humanas que fluem da obra salvífica de Deus. Ele não aborda diretamente questões do ambiente de trabalho secular, mas o que ele diz sobre o trabalho tem aplicações importantes.

Aquele que começou boa obra em vocês vai completá-la (Fp 1.1-26)

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No contexto de sua oração de abertura pelos filipenses (Fp 1.3-11), Paulo compartilha sua convicção da obra de Deus nos crentes filipenses e entre eles. “Estou convencido de que aquele que começou boa obra em vocês, vai completá-la até o dia de Cristo Jesus.” (Fp 1.6 ). A “obra” a que Paulo se refere é a do novo nascimento em Cristo, que leva à salvação. O próprio Paulo participou dela, pregando-lhes o evangelho. Ele continua esse trabalho como mestre e apóstolo, e diz: “Terei fruto do meu trabalho” (Fp 1.22 ). No entanto, o trabalhador subjacente não é Paulo, mas Deus, pois Deus é “aquele que começou boa obra em vocês” (Fp 1.6). “Isso [vem] da parte de Deus.” (Fp 1.28)

As versões em português usam o termo “em vocês” ou “em vós”. Contudo, uma tradução possível é “entre vocês”. Ambos são apropriados, e a expressão grega en humin pode ser traduzida de ambas as formas. A boa obra de Deus começa em vidas individuais. No entanto, é para ser vivida entre crentes em comunhão. O ponto principal do versículo 6 não é restringir a obra de Deus a indivíduos ou à comunidade como um todo, mas enfatizar o fato de que toda sua obra é obra de Deus. Além disso, esse trabalho não é concluído quando indivíduos “são salvos” ou quando igrejas são plantadas. Deus continua trabalhando em nós e entre nós até que sua obra esteja completa, o que acontece “até o dia de Cristo Jesus”. A obra de Deus só estará terminada quando Cristo voltar.

O trabalho de Paulo é o de evangelista e apóstolo, e há marcas de sucesso e ambição em sua profissão, como em qualquer outra. Quantos convertidos você conquista, quantos recursos você arrecada, quantas pessoas o elogiam como seu mentor espiritual, como seus números se comparam aos de outros evangelistas — todos podem ser pontos de orgulho e ambição. Paulo admite que essas motivações existem em sua profissão, mas insiste que a única motivação adequada é o amor (Fp 1.15-16). A implicação é que isso também é verdade em todas as outras profissões. Todos somos tentados a trabalhar pelas marcas do sucesso — incluindo reconhecimento, segurança e dinheiro —, o que pode levar à “ambição egoísta ” (eritieias, talvez traduzida mais precisamente como “autopromoção injusta”). [1] Elas não são totalmente ruins, pois geralmente ocorrem quando realizamos os propósitos legítimos do trabalho (Fp 1.18). Concluir o trabalho é importante, mesmo que nossa motivação não seja perfeita. No entanto, a longo prazo (Fp 3.7-14), a motivação é ainda mais importante, e a única motivação semelhante à de Cristo é o amor.

Faça seu trabalho de maneira digna (Fp 1.27—2.11)

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Visto que o trabalho é, na verdade, a obra de Deus em nós, ele deve ser digno, assim como a obra de Deus é. Mas, aparentemente, temos a capacidade de impedir a obra de Deus em nós, pois Paulo exorta: “Exerçam a sua cidadania de maneira digna do evangelho de Cristo” (Fp 1.27). Seu tópico é a vida em geral, e não há razão para acreditar que ele pretenda excluir o trabalho dessa exortação. Ele dá três ordens específicas:

  1. “[Tenham] o mesmo modo de pensar.” (Fp 2.2)
  2. “Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a vocês mesmos.” (Fp 2.3)
  3. “Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros.” (Fp 2.4)

Novamente, podemos trabalhar de acordo com esses mandamentos apenas porque o trabalho é realmente a obra de Deus em nós, mas desta vez ele diz isso em uma bela passagem, muitas vezes chamada de “Hino de Cristo” (Fp 2.6-11). Jesus, diz ele, “embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz!” (Fp 2.6-8). Portanto, a obra de Deus em nós, especificamente a obra de Cristo em nós, é sempre feita humildemente com os outros, para o benefício dos outros, mesmo que exija sacrifícios.

“[Tenham] o mesmo modo de pensar” (Fp 2.2)

O primeiro dos três mandamentos, “[tenham] o mesmo modo de pensar”, é dado aos cristãos como corpo. Não devemos esperar que isso se aplique ao trabalho secular. Na verdade, nem sempre queremos ter a mesma mente que os demais no trabalho (Rm 12.2). Mas, em muitos locais de trabalho, há mais de um cristão. Devemos nos esforçar para ter a mesma mente dos outros cristãos onde trabalhamos. Infelizmente, isso pode ser muito difícil. Na igreja, nos segregamos em comunidades em que geralmente concordamos sobre questões bíblicas, teológicas, morais, espirituais e até culturais. No trabalho, não temos esse luxo. Podemos compartilhar o local de trabalho com outros cristãos dos quais discordamos sobre esses assuntos. Pode até ser difícil reconhecer como cristãos — conforme julgamento — outros que afirmam ser cristãos.

Esse é um impedimento escandaloso tanto para nosso testemunho como cristãos quanto para nossa eficácia como colaboradores. O que os colegas não-cristãos pensarão de nosso Senhor — e de nós — se mantivermos relacionamentos piores entre nós do que com os descrentes? No mínimo, devemos tentar identificar outros cristãos no trabalho e aprender sobre suas crenças e práticas. Podemos não concordar, mesmo sobre assuntos de grande importância, mas é um testemunho muito melhor mostrar respeito mútuo do que tratar outros que se dizem cristãos com desprezo ou contendas. Ao menos devemos deixar de lado nossas diferenças o suficiente para fazer um excelente trabalho juntos, se realmente acreditarmos que nosso trabalho importa de fato para Deus.

Ter o mesmo modo de pensar significa ter “o mesmo amor” que Cristo (Fp 2.2). Cristo nos amou até a morte (Fp 2.8), e devemos ter o mesmo amor (Fp 2.5). Isso nos dá algo em comum não apenas com outros crentes, mas também com os descrentes no trabalho: nós os amamos! Todos no trabalho podem concordar conosco que devemos fazer um trabalho que os beneficie. Se um cristão disser “meu trabalho é servi-lo”, quem discordaria disso?

“Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade” (Fp 2.3)

Considerar os outros melhores do que nós mesmos é a mentalidade daqueles que têm o mesmo modo de pensar de Cristo (Fp 2.3). Nossa humildade deve ser oferecida a todas as pessoas ao redor, e não apenas aos cristãos. Pois a morte de Jesus na cruz — o derradeiro ato de humildade — foi pelos pecadores e não pelos justos (Lc 5.32; Rm 5.8; 1Tm 1.15).

Os locais de trabalho oferecem oportunidades ilimitadas para um serviço humilde. Você pode ser generoso ao dar crédito aos outros pelo sucesso e mesquinho ao distribuir a culpa pelo fracasso. Você pode ouvir o que outra pessoa está dizendo, em vez de pensar na resposta. Você pode experimentar a ideia de outra pessoa, em vez de insistir no seu modo de agir. Você pode desistir de sua inveja pelo sucesso, pela promoção ou pelo salário mais alto de outra pessoa ou, na falta disso, pode levar sua inveja a Deus em oração, em vez de a seus amigos no almoço.

Em contrapartida, o local de trabalho oferece oportunidades ilimitadas para ambição egoísta. Como vimos, a ambição e até mesmo a competição não são necessariamente ruins (Rm 15.20; 1Co 9.24; 1Tm 2.5), mas promover injustamente as próprias motivações é. Ela o força a adotar uma avaliação imprecisa e inflada de si mesmo (“vaidade”), o que o coloca em uma terra de fantasia cada vez mais remota, na qual você não pode ser eficaz nem no trabalho nem na fé. Existem dois antídotos. Primeiro, certifique-se de que seu sucesso dependa do sucesso dos outros e contribua para ele. Isso geralmente significa trabalhar genuinamente em equipe. Em segundo lugar, busque continuamente feedback preciso sobre você e seu desempenho. Você pode achar que seu desempenho é realmente excelente, mas, se aprender isso com fontes precisas, não é vaidade. O simples ato de aceitar o feedback dos outros é uma forma de humildade, já que você subordina sua autoimagem à imagem que eles têm de você. É desnecessário dizer que isso só é útil se você encontrar fontes precisas de feedback. Submeter sua autoimagem a pessoas que abusariam de você ou o enganariam não é a verdadeira humildade. Mesmo quando submeteu seu corpo a abusos na cruz, Jesus manteve uma avaliação precisa de si mesmo (Lc 23.43).

“Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros” (Fp 2.4)

Dos três imperativos, esse pode ser o mais difícil de conciliar com nossos papéis no local de trabalho. Vamos trabalhar pelo menos em parte para atender a nossas necessidades. Como, então, pode fazer sentido evitar olhar para nossos próprios interesses? Paulo não diz. Mas devemos lembrar que ele está falando a uma comunidade de pessoas, a quem diz: “Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros” (Fp 2.4). Talvez ele espere que, se todos olharem não para suas necessidades individuais, mas para as de toda a comunidade, as necessidades de todos serão atendidas. Isso é consistente com a analogia do corpo que Paulo usa em 1Coríntios 12 e em outros lugares. O olho não supre sua necessidade de transporte, mas depende do pé para isso. Assim, cada órgão age para o bem do corpo, mas encontra as próprias necessidades atendidas.

Em circunstâncias ideais, isso pode funcionar para um grupo muito unido, talvez uma igreja com membros de igual e elevado compromisso. Mas isso deve ser aplicado ao local de trabalho fora da igreja? Será que Paulo quer nos dizer que devemos olhar para os interesses dos colegas de trabalho, clientes, chefes, subordinados, fornecedores e uma infinidade de outras pessoas ao redor, em vez de para nossos próprios interesses? Mais uma vez, devemos nos voltar para Filipenses 2.8, em que Paulo descreve Jesus na cruz como nosso modelo, olhando para os interesses dos pecadores, e não para os dele. Ele viveu esse princípio no mundo em geral, não na igreja, e nós também devemos viver. E Paulo deixa claro que as consequências para nós incluem sofrimento e perda, talvez até a morte. “Mas o que para mim era lucro passei a considerar como perda, por causa de Cristo.” (Fp 3.7) Não há uma leitura natural de Filipenses 2 que nos liberte de olhar para os interesses dos outros no trabalho em vez dos nossos.

Uma maneira de olhar para os interesses dos outros no trabalho é prestar atenção em como o preconceito racial e étnico afeta as pessoas. A rev. dra. Gina Casey, capelã da equipe da St Joseph Health, em Santa Rosa, Califórnia, diz: “É hora de os crentes buscarem intencionalmente instruir-se sobre a existência do racismo no local de trabalho e reconhecê-la. Os cristãos também devem se esforçar para entender e observar o peso que essas questões trazem para o bem-estar financeiro, social e emocional de seus colegas de trabalho e funcionários negros. É uma obrigação moral para as pessoas de fé buscarem aprender mais sobre preconceitos raciais implícitos e microagressões no local de trabalho e, então, se envolverem continuamente na disciplina do autoexame para descobrir áreas que precisem de alteração e cura de comportamento pessoal”. [1]

Três exemplos de como seguir a Cristo como cristãos comuns (Fp 2.19—3.21)

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Na verdade, Filipenses nos dá três exemplos, Paulo, Epafrodito e Timóteo, para nos mostrar como todos os cristãos devem seguir o modelo de Cristo. “Irmãos, sigam unidos o meu exemplo e observem os que vivem de acordo com o padrão que apresentamos a vocês”, Paulo nos diz (Fp 3.17). Ele descreve cada um desses exemplos em uma estrutura baseada no “Hino de Jesus”, no capítulo 2.

Pessoa

Enviado para um lugar difícil

Em obediência / escravidão

Correndo sérios riscos

Em benefício dos outros

Jesus

Encontrado em forma humana (2.8)

Assumindo a forma de escravo (2.7)

Obediente até a morte (2.8)

Esvaziou-se (2.7)

Paulo

Vivendo no corpo (1.22)

Servo de Jesus Cristo (1.1)

Aprisionamento (1.7) Tornar-se semelhante a Cristo na morte (3.10)

Para o seu progresso e alegria (1.25)

Timóteo

Enviar Timóteo brevemente (2.19)

Como um filho ao lado de seu pai (2.22)

(Não especificado em Filipenses, mas veja Rm 6.21)

Interesse sincero pelo seu bem-estar (2.20)

Epafrodito

Enviar Epafrodito (2.25)

Seu mensageiro (2.25)

Quase morreu (2.30)

Para atender às minhas necessidades (2.25)

A mensagem é clara. Somos chamados a fazer como Jesus fez. Não podemos nos esconder atrás da desculpa de que Jesus é o único Filho de Deus, que serve aos outros para que não precisemos fazê-lo. Tampouco Paulo, Epafrodito e Timóteo são super-homens, cujas façanhas não podemos esperar duplicar. Em vez disso, ao trabalharmos, devemos nos colocar na mesma estrutura de envio, obediência, risco e serviço aos outros:

Pessoa

Enviado para um lugar difícil

Em obediência / escravidão

Correndo sérios riscos

Em benefício dos outros

Cristãos no local de trabalho

Vá a locais de trabalho não cristãos

Trabalhar sob a autoridade de outros

Arriscar a limitação da carreira por nossa motivação de amar como Cristo ama

São chamados por Deus para colocar os interesses dos outros à frente dos nossos

Temos permissão de temperar o mandamento de servir aos outros em vez de nós mesmos com um pouco de bom senso? Poderíamos, digamos, olhar primeiro para os interesses de outras pessoas em quem podemos confiar? Poderíamos olhar para os interesses dos outros além de aos nossos próprios interesses? Não há problema em trabalhar pelo bem comum em situações em que podemos esperar benefícios proporcionais, mas cuidar de nós mesmos quando o sistema estiver contra nós? Paulo não diz.

O que devemos fazer se nos descobrirmos incapazes ou desinteressados de viver com tanta ousadia? Paulo diz apenas isso: “Não andem ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, e com ação de graças, apresentem seus pedidos a Deus” (Fp 4.6). Somente por meio de oração constante, súplica e ação de graças a Deus podemos superar as decisões difíceis e as ações exigentes necessárias para olhar para os interesses dos outros, e não para os nossos. Isso não é teologia abstrata, mas um conselho prático para a vida e o trabalho diários.

Aplicações diárias (Fp 4.1-23)

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Paulo descreve três situações cotidianas que têm relevância direta para o local de trabalho.

Resolver conflitos (Fp 4.2-9)

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Paulo pede aos filipenses que ajudem duas mulheres entre eles, Evódia e Síntique, a fazerem as pazes (Fp 4.2-9). Embora nosso reflexo instintivo seja suprimir e negar o conflito, Paulo amorosamente o traz à tona, onde pode ser resolvido. O conflito das mulheres não é especificado, mas ambas são crentes que Paulo diz que “lutaram ao meu lado na causa do evangelho” (Fp 4.3). O conflito ocorre mesmo entre os cristãos mais fiéis, como todos sabemos. Parem de nutrir ressentimento, ele lhes diz, e pensem no que é verdadeiro, nobre, correto, puro, amável e de boa fama na outra pessoa (Fp 4.8). “A paz de Deus, que excede todo o entendimento” (Fp 4.7) parece começar com a apreciação dos pontos positivos daqueles ao redor, mesmo (ou especialmente) quando estamos em conflito com eles. Afinal, são pessoas pelas quais Cristo morreu. Também devemos olhar cuidadosamente para nós mesmos e encontrar as reservas de Deus de bondade, oração, súplica, ação de graças e abandonarmos as preocupações (Fp 4.6).

A aplicação ao local de trabalho de hoje é clara, embora raramente seja fácil. Quando nosso desejo é ignorar e ocultar o conflito com os outros no trabalho, devemos reconhecer e falar (não fofocar) sobre isso. Quando preferimos guardar para nós mesmos, devemos pedir ajuda a pessoas sábias com humildade, e não na esperança de ganhar vantagem. Quando preferimos construir um caso contra nossos rivais, devemos, em vez disso, construir um caso para eles, pelo menos fazendo-lhes a justiça de reconhecer quaisquer que sejam seus pontos positivos. E, quando pensamos que não temos energia para nos envolver com o outro e preferimos simplesmente descartar o relacionamento, devemos deixar que o poder e a paciência de Deus substituam os nossos. Nisso, procuramos imitar nosso Senhor, que “esvaziou-se a si mesmo” (Fp 2.7) de agendas pessoais e, assim, recebeu o poder de Deus (Fp 2.9) para viver a vontade de Deus no mundo. Se fizermos essas coisas, nosso conflito poderá ser resolvido observando os verdadeiros problemas, em vez de nossas projeções, medos e ressentimentos. Geralmente, isso leva à restauração de um relacionamento de trabalho e a uma espécie de respeito mútuo, se não amizade. Mesmo nos casos incomuns em que nenhuma reconciliação é possível, podemos esperar uma surpreendente “paz de Deus, que excede todo o entendimento” (Fp 4.7). É um sinal de Deus que mesmo um relacionamento rompido não está além da esperança da bondade de Deus.

Apoiar uns aos outros no trabalho (Fp 4.10-11,15-16)

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Paulo agradece aos filipenses por seu apoio, tanto pessoal (Fp 1.30) quanto financeiro (Fp 4.10-11,15-16). Em todo o Novo Testamento, vemos Paulo sempre se esforçando para trabalhar em parceria com outros cristãos, incluindo Barnabé (At 13.2), Silas (At 15.40), Lídia (At 16.14-15) e Priscila e Áquila (Rm 16.3). Suas cartas geralmente terminam com saudações às pessoas com quem ele trabalhou de perto, e muitas vezes as cartas são de Paulo e de um colega de trabalho, como Filipenses é de Paulo e Timóteo (Fp 1.1). Nisso, ele está seguindo seu próprio conselho de imitar Jesus, que fez quase tudo em parceria com seus discípulos e outros.

Como observamos em Filipenses 2, os cristãos no trabalho secular nem sempre podem se dar o luxo de trabalhar ao lado de crentes. Mas isso não significa que não podemos apoiar uns aos outros. Poderíamos nos reunir com outras pessoas em nossa profissão ou em instituições para apoio mútuo em desafios e oportunidades específicos. O programa “Mom-to-Mom” [1] é um exemplo prático de apoio mútuo no local de trabalho. As mães se reúnem semanalmente para aprender, compartilhar ideias e apoiar umas às outras no trabalho de criar filhos pequenos. Idealmente, todos os cristãos teriam esse tipo de apoio para seu trabalho. Na ausência de um programa formal, poderíamos conversar sobre o trabalho em nossa comunidade cristã habitual, incluindo adoração e sermões, estudos bíblicos, pequenos grupos, retiros na igreja, aulas e outras atividades. Mas com que frequência o fazemos? Paulo fez um grande esforço para construir uma comunidade em seu chamado, até mesmo empregando mensageiros para fazer longas viagens marítimas (Fp 2.19, 25) para compartilhar ideias, notícias, companheirismo e recursos.

Lidar com a pobreza e a fartura (Fp 4.12-13,18)

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Por fim, Paulo discute como lidar com a pobreza e a abundância. Isso tem relevância direta no trabalho, porque ele faz a diferença entre pobreza e fartura para nós, ou pelo menos para aqueles de nós que são pagos por ele. Novamente, o conselho de Paulo é simples, mas difícil de seguir. Não idolatre seu trabalho na expectativa de que ele sempre lhe fornecerá o suficiente. Em vez disso, realize-o pelo benefício que ele traz para os outros e aprenda a se contentar com o que ele lhe oferece. Conselho difícil, de fato. Aqueles que exercem certas profissões — professores, profissionais de saúde, profissionais de atendimento ao cliente e pais, para citar alguns — podem estar acostumados a trabalhar mais sem remuneração extra para ajudar pessoas necessitadas. Outros esperam ser amplamente recompensados pelo serviço que prestam. Imagine um executivo sênior ou um banqueiro de investimentos trabalhando sem um contrato ou meta de bônus dizendo:

“Cuido dos clientes, funcionários e acionistas, e fico feliz em receber o que eles escolherem me dar no final do ano.” Não é comum, mas algumas pessoas fazem isso. Paulo diz simplesmente o seguinte:

Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito, ou passando necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece. [...] Recebi tudo, e o que tenho é mais que suficiente. Estou amplamente suprido [...]. (Fp 4.12-13,18)

A questão não é quanto ou quão pouco nos é pago — dentro do razoável —, mas se somos motivados pelo benefício que o trabalho traz para os outros ou apenas por interesse próprio. No entanto, essa motivação em si deve nos levar a resistir a instituições, práticas e sistemas que resultem em extremos de muita fartura ou muita pobreza.

Conclusão de Filipenses

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Embora Paulo não trate do local de trabalho distintamente em Filipenses, sua visão da obra de Deus em nós estabelece um fundamento para nossas considerações sobre fé e trabalho. Este fornece um contexto importante no qual devemos viver a boa obra que Deus começou em nós. Devemos buscar a mesma mente que outros cristãos onde vivemos e trabalhamos. Devemos agir como se os outros fossem melhores que nós mesmos. Devemos olhar para os interesses dos outros, em vez dos nossos. Sem abordar diretamente o trabalho, Paulo parece exigir o impossível de nós no trabalho! Mas o que fazemos lá não é apenas nosso esforço — é a obra de Deus em nós e por meio de nós. Como o poder de Deus é ilimitado, Paulo pode dizer com ousadia: “Tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.13).