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Ester e o trabalho

Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do Trabalho
Esther

Trabalhando dentro de um sistema caído (Ester)

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O livro de Ester começa com o rei Xerxes (este é seu nome grego, mas ele também é conhecido pelo nome persa Assuero) dando uma festa luxuosa para exibir sua glória (Et 1.1-8). Tendo consumido grande quantidade de vinho, Xerxes ordenou a seus servos que trouxessem a rainha Vasti diante dele, a fim de que ele pudesse exibi-la aos outros participantes da festa (Et 1.10-11). Mas Vasti, sentindo a indignidade do pedido, recusou-se a ir (Et 1.12). Sua recusa perturbou os homens presentes, que temiam que seu exemplo encorajasse outras mulheres no reino a enfrentar seus maridos (Et 1.13-18). Assim, Vasti foi “demitida”, por assim dizer, e um processo foi iniciado para encontrar uma nova rainha para Xerxes (Et 1.21—2.4). Para ficar claro, este episódio retrata um assunto de família. Mas toda família real também é um ambiente de trabalho político. Portanto, a situação de Vasti também é uma questão que se refere ao ambiente de trabalho, em que o chefe procura explorar uma mulher por causa de seu gênero e, em seguida, a demite quando ela não corresponde às fantasias dele.

Mas quem sucederia a rainha Vasti? Um concurso de beleza foi realizado para localizar as virgens mais bonitas de todas as 127 províncias da Pérsia, e Ester estava entre as que foram levadas ao palácio para passar pelo tratamento de beleza de um ano, exigido antes da apresentação ao rei. No final, Ester terminou o concurso em primeiro lugar e foi coroada como rainha. O único fato sobre ela que permaneceu oculto, a pedido de seu primo e tutor Mardoqueu, era sua origem judaica (Et 2.8-14). Mesmo aparentemente sendo a “vencedora” da disputa, ela se encontra em um sistema opressivo e sexista, e logo enfrentará a exploração sexual nas mãos de um tirano egoísta.

Embora Ester permaneça sujeita a esse sistema opressor, ela agora entra no palácio e tem acesso ao alto poder e à influência. Ela não parece interessada em saber se Deus tem algum plano ou propósito para ela ali. Na verdade, Deus nem é mencionado no livro de Ester. Mas isso não significa que Deus não tenha plano ou propósito para ela na corte de Xerxes. Por acaso, seu primo Mardoqueu, depois de algum tempo, entra em conflito com o mais alto oficial de Xerxes, Hamã (Et 3.1-6). Hamã responde planejando matar não apenas Mardoqueu, mas todo o povo judeu (Et 3.7-15). Devido à complexidade da lei dos medos e dos persas, uma vez que a aprovação do decreto foi assinada por Xerxes (sem saber que sua rainha era judia, o povo odiado por Hamã), nada poderia anular a lei.

O decreto é proclamado em várias cidades e províncias, causando a morte de muitos judeus. Quando Mardoqueu soube disso, ele se sentou à porta do rei, vestido de pano de saco e cinza. Ao saber disso, Ester envia um oficial para descobrir o que há de errado com ele, e ele responde mencionando o decreto e pedindo que ela intervenha (Et 4.1-9).

Ester protesta, dizendo que envolver-se poderia comprometer sua posição e até sua vida (Et 4.11). Ela já parece perceber que o rei está perdendo o interesse nela, pois ela não havia sido chamada à sua presença nos últimos 30 dias. É inconcebível que o rei esteja dormindo sozinho; portanto, alguma outra mulher ou mulheres eram chamadas para estar com o rei (Et 4.11). Intervir em nome de seu povo seria muito arriscado. Mardoqueu responde com dois argumentos. Primeiro, sua vida está em risco, independentemente de ela intervir ou não. “Não pense que pelo fato de estar no palácio do rei, você será a única entre os judeus que escapará, pois, se você ficar calada nesta hora, socorro e livramento surgirão de outra parte para os judeus, mas você e a família do seu pai morrerão” (Et 4.13-14a). E segundo: “Quem sabe se não foi para um momento como este que você chegou à posição de rainha?” (Et 4.14b). Juntos, esses argumentos levam a uma notável reviravolta de Ester. Mesmo tendo o título de “rainha”, ainda estava sujeita ao capricho absoluto do rei. Por isso Ester não consegue imaginar que possa fazer algo a respeito do decreto. Mas ela finalmente concorda em ir ao rei, afirmando a Mardoqueu: “Se eu tiver que morrer, morrerei” (Et 4.16). Ester precisa fazer uma escolha. Ela pode continuar a esconder sua condição de judia e passar o resto de seus dias como primeira-dama do harém de Xerxes, ou pode arriscar sua vida e fazer o possível para salvar seu povo. Ela passa a entender que sua alta posição não é apenas um privilégio a ser desfrutado, mas uma grande responsabilidade a ser usada para salvar outros. Seu povo está em perigo, e o problema deles se tornou o problema dela, porque ela está na melhor posição para fazer algo a respeito.

Observe que os dois argumentos de Mardoqueu apelam para instintos diferentes. O primeiro argumento apela à autopreservação: “Você, Ester, é judia e, se todos os judeus forem condenados à morte, você será descoberta e morta”. O segundo argumento apela ao destino, com sua sugestão de serviço divino: “Se você se pergunta, Ester, por que, de todas as jovens, acabou sendo a esposa do rei, talvez seja porque há um propósito maior em sua vida”.

Finalmente, Ester se identifica com seu povo. Nesse sentido, ela dá o mesmo passo que Jesus deu em seu nascimento, a identificação de si mesmo com a humanidade. E talvez esse passo seja o que abre seu coração para os propósitos de Deus. Identificando-se agora com o perigo mortal que ameaçava seu povo, Ester assume a tarefa de intervir junto ao rei. Ela arrisca sua posição, suas posses, sua vida. Sua alta posição agora se torna um meio de serviço ao povo, em vez de serviço pessoal. [1]

O serviço de Ester corresponde ao ambiente de trabalho de hoje de várias maneiras:

  • Muitas pessoas — cristãs ou não — se veem eticamente comprometidas como resultado de seu histórico de trabalho. Como todos nos colocamos no lugar de Ester, todos temos a oportunidade — e a responsabilidade — de deixar que Deus nos use de qualquer maneira. Você trapaceou para conseguir seu emprego? No entanto, Deus pode usar você para pôr fim às práticas enganosas em seu ambiente de trabalho. Você fez uso indevido de ativos corporativos? Deus ainda pode usá-lo para arrumar registros falsificados em seu departamento. A acomodação do passado a um sistema pecaminoso não é desculpa para deixar de atender ao que Deus precisa de você agora. O mau uso anterior de suas habilidades dadas por Deus não é razão para acreditar que você não pode empregá-las para os bons propósitos de Deus hoje. Ester é o modelo para todos nós que carecemos da glória de Deus, seja por escolha ou por necessidade. Você não pode dizer: “Se você soubesse quantos desvios éticos cometi para chegar aqui... Não posso ter nenhuma utilidade para Deus agora...”.
  • Deus faz uso das circunstâncias reais de nossa vida. A posição de Ester lhe dá oportunidades únicas de servir a Deus. A posição de Mardoqueu lhe dá diferentes oportunidades. Devemos abraçar as oportunidades específicas que temos. Em vez de dizer: “Se tivesse oportunidade, eu faria algo grande para Deus”, devemos dizer: “Talvez eu tenha chegado a essa posição para um momento como este”.
  • Nossas posições são espiritualmente perigosas. Podemos chegar a igualar nosso valor e nossa própria existência com nossas posições. Quanto mais altas nossas posições, maior o perigo. Se tornar-se CEO, conseguir estabilidade ou manter um bom emprego se tornar tão importante a ponto de cortarmos o resto de nós mesmos, então já nos perdemos.
  • Servir a Deus requer arriscar nossas posições. Se você usar sua posição para servir a Deus, poderá perder sua posição e suas perspectivas futuras. Isso é duplamente assustador se você se identificou com seu trabalho ou sua carreira. No entanto, a verdade é que nossas posições também estarão em risco se não servirmos a Deus. O caso de Ester é extremo. Ela pode ser morta se arriscar sua posição intervindo, e será morta se não intervir. Nossas posições são realmente mais seguras do que as de Ester? Não é tolice arriscar o que você não pode manter para ganhar o que não pode perder. O trabalho feito a serviço de Deus nunca pode ser verdadeiramente perdido.

Para Ester e os judeus, a história teve um final feliz. Ester corre o risco ao se aproximar do rei sem ser convidada, mas recebe seu favor (Et 5.1-2). Ela emprega uma tática inteligente para agradá-lo ao longo de dois banquetes (Et 5.4-8; 7.1-5) e para manipular Hamã a expor sua própria hipocrisia ao procurar aniquilar os judeus (Et 7.6-10). O rei emite um novo julgamento libertando os judeus do esquema de Hamã (Et 8.11-14) e recompensa Mardoqueu e Ester com riquezas, honra e poder (Et 8. 1-2; 10.1-3). Eles, por sua vez, melhoram a sorte dos judeus em todo o Império Persa (Et 10.3). Hamã e os inimigos dos judeus são massacrados (Et 7.9-10; 9.1-17). As datas da libertação dos judeus — 14 e 15 de adar — são marcadas posteriormente como a festa de Purim (Et 9.17-23).

A mão oculta de Deus e a resposta humana (Ester)

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Como observado anteriormente, Deus não é mencionado no livro de Ester. No entanto, o livro faz parte da Bíblia. Os comentaristas, portanto, procuram a presença velada de Deus em Ester e geralmente apontam para o versículo crucial: “Quem sabe se não foi para um momento como este que você chegou à posição de rainha?” (Et 4.14). A implicação é que ela chegou a essa posição não por sorte ou destino, nem por suas próprias artimanhas, mas pela vontade de um ator invisível. Podemos ver a caligrafia divina na parede aqui. Ester chegou à sua posição real porque “a bondosa mão de Deus estava sobre [ela]”, como Esdras e Neemias poderiam ter dito (Ed 8.18; Ne 2.18).

Isso nos desafia a refletir sobre como Deus pode estar operando de maneiras que não reconhecemos. Quando uma empresa secular elimina o preconceito em promoções e escalas salariais, Deus está trabalhando lá? Quando um cristão é capaz de acabar com a prática de registros enganosos, ele precisa anunciar que agiu assim porque é cristão? Se os cristãos têm a chance de se juntar a judeus e muçulmanos para defender acomodações religiosas razoáveis ​​em uma corporação, eles devem ver isso como uma obra de Deus? Se você pode fazer o bem aceitando um emprego em uma administração política comprometida, Deus poderia estar chamando você para aceitar a oferta? Se você ensina em uma escola que o leva aos limites de sua consciência, deve procurar sair ou redobrar seu compromisso de ficar?