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As Epístolas Pastorais e o trabalho

Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do Trabalho
Pastoral epistles bible commentary

Introdução às Epístolas Pastorais e o trabalho

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As Epístolas Pastorais foram escritas para os líderes da igreja primitiva. No entanto, muito do que elas dizem também se aplica a cristãos em outros locais de trabalho. Ao aplicá-las ao trabalho fora da igreja, a tarefa crítica será refletir sobre as semelhanças e diferenças entre igrejas e outros locais de trabalho, em organizações. Ambos os tipos são organizações voluntárias (em geral) com estruturas e objetivos. Ambos são, em última análise, governados pelo mesmo Senhor. Ambos são compostos de seres humanos feitos à imagem de Deus. Ambos enfrentam grandes desafios às vezes, mas são projetados para durar e se adaptar às gerações futuras. Essas semelhanças sugerem que muitos dos mesmos princípios bíblicos se aplicarão a cada um, como será discutido em profundidade.

Desde os tempos antigos, as cartas de 1Timóteo, 2Timóteo e Tito foram agrupadas como as “epístolas pastorais”. Essas cartas descrevem a qualificação, o desenvolvimento e a promoção de líderes; as estruturas organizacionais para o cuidado, remuneração e disciplina dos membros, e o estabelecimento e execução de metas individuais e organizacionais. Elas estão preocupadas com o bom governo, a eficácia e o crescimento de uma organização — em particular, a igreja. Em 1Timóteo 3.14-15, Paulo expressa o tema principal de todas as três cartas: “Escrevo estas coisas, embora espere ir vê-lo em breve; mas, se eu demorar, saiba como as pessoas devem comportar-se na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e fundamento da verdade”.

Mas também há diferenças. A igreja tem como missão chamar e preparar pessoas para entregarem sua vida a Cristo, servirem ao seu reino e adorarem a Deus. Ela foi instituída por Deus como o corpo de Cristo, e prometeu que ela permanecerá ativa até o retorno de Cristo. Outras organizações têm missões diferentes, como criar valor econômico (empresas), proteger membros (sindicatos), educar crianças e adultos (escolas e universidades) e administrar defesa, justiça e outras necessidades cívicas (governos). Eles são instituídos como corpos (corporações ou estados) por cartas e constituições, e podem surgir e desaparecer. Essas diferenças não significam que outras organizações sejam inferiores à igreja, mas sim que cada tipo deve ser respeitado por sua missão particular. No entanto, as epístolas pastorais fornecem material fértil para refletir sobre como os relacionamentos em locais de trabalho fora da igreja devem ser criados e mantidos, ao mesmo tempo em que destacam o papel especial da comunidade da igreja. Embora as epístolas pastorais se preocupem principalmente com as organizações, elas não excluem necessariamente aqueles que trabalham em famílias, empresas individuais e outros locais de trabalho semelhantes. Para resumir, daqui em diante, o termo “local de trabalho” será usado para significar apenas o local de trabalho fora da igreja.

1Timóteo: Trabalhando pela ordem na casa de Deus

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Cada uma das três epístolas pastorais assume a forma de uma carta do apóstolo Paulo dando conselhos a um de seus cooperadores. [1] Em 1Timóteo, Paulo dá instruções a seu colega mais jovem, Timóteo, sobre como ministrar na igreja e como lidar com falsos mestres. No entanto, as últimas palavras da carta — “A graça seja com vocês [plural]” (1Tm 6.21) — indicam que a carta deve ser ouvida por toda a igreja em Éfeso, para que todos possam se beneficiar do conselho de Paulo a Timóteo.

Como as cartas compartilham alguns temas comuns, combinaremos nossa discussão de passagens relacionadas entre as cartas. Os temas serão explorados de acordo com a ordem em que surgem pela primeira vez nas epístolas pastorais.

Conectando crença e comportamento no trabalho (1Tm 1.1-11, 18-20; 3.14-16)

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Um dos temas repetidos e enfatizados em 1Timóteo é a estreita conexão entre crença e comportamento, ou ensino e prática. O ensino sólido ou a “sã doutrina” leva à piedade, enquanto o falso ensino é, na melhor das hipóteses, improdutivo e, na pior, condenatório. Desde o início da carta, Paulo exorta Timóteo a “ordenar a certas pessoas que não mais ensinem doutrinas falsas” (1Tm 1.3), porque essa doutrina diferente, junto com “mitos e genealogias”, não promove “a obra de Deus, que é pela fé” (1Tm 1.4).

Paulo está falando da importância da sã doutrina na igreja, mas suas palavras se aplicam igualmente ao local de trabalho. W. Edwards Deming, um dos fundadores do conceito da melhoria contínua da qualidade, chamou seus métodos de “sistema de conhecimento profundo”. Ele disse: “Uma vez que o indivíduo entenda o sistema do conhecimento profundo, ele aplicará seus princípios em todos os tipos de relacionamento com outras pessoas. Ele terá uma base para julgamento de suas próprias decisões e para a transformação das organizações às quais pertence”. [1] O conhecimento da verdade mais profunda é essencial em qualquer organização.

Luke Timothy Johnson apresentou uma tradução mais transparente de 1Timóteo 1.4: “A maneira de Deus ordenar a realidade, conforme é apreendida pela fé”. [2] A igreja é — ou deveria ser — ordenada de acordo com o caminho de Deus. Poucos contestariam isso. Mas outras organizações também devem ser ordenadas de acordo com o caminho de Deus? O mundo greco-romano do primeiro século acreditava que a sociedade deveria ser ordenada de acordo com a “natureza”. Portanto, se a natureza é a criação de Deus, então a maneira de Deus ordenar a criação deve se refletir em como a sociedade também é ordenada. Como Johnson observa: “Não há descontinuidade radical entre a vontade de Deus e as estruturas da sociedade. As estruturas do oikos (família) e da ekklēsia (igreja) não são apenas continuidade uma da outra, mas ambas são partes da dispensação [administração] de Deus no mundo”. [3] Locais de trabalho, casas e igrejas refletem a única e singular ordem da criação.

Uma verdadeira compreensão dos caminhos de Deus é essencial em todos os locais de trabalho. Por exemplo, um tema proeminente na Criação é que os seres humanos foram criados bons. Mais tarde, caímos em pecado, e uma verdade cristã central é que Jesus veio para redimir os pecadores. Os trabalhadores são, portanto, seres humanos que pecam, mas que podem experimentar a redenção e se tornar bons como Deus sempre quis. A verdade sobre bondade, pecado e redenção precisa ser considerada nas práticas organizacionais. Nem as igrejas nem os locais de trabalho podem funcionar adequadamente se presumirem que as pessoas são apenas boas e não pecadoras. As contas precisam ser auditadas e o assédio precisa ser interrompido. O atendimento ao cliente precisa ser recompensado. Sacerdotes e pastores, funcionários e executivos precisam ser supervisionados. Da mesma forma, nem as igrejas nem os locais de trabalho podem presumir que as pessoas que erram ou pecam devem ser descartadas automaticamente. A oferta de redenção — e ajuda prática para fazer a transformação — precisa ser feita. Nas igrejas, o foco está na redenção espiritual e eterna. Os locais de trabalho fora da igreja estão focados em uma redenção mais limitada relacionada à missão da organização. Programas de liberdade condicional, planos de melhoria de desempenho, reciclagem, transferência para um cargo diferente, orientação e programas de assistência aos funcionários — em oposição à demissão imediata — são exemplos de práticas redentoras em certos locais de trabalho, especialmente no Ocidente. As particularidades do que é realmente redentor variarão consideravelmente, é claro, dependendo do tipo de organização, de sua missão, do ambiente cultural, legal e econômico e de outros fatores.

Se os cristãos no mercado de trabalho devem entender como Deus deseja que eles e aqueles ao seu redor ajam (cf. 1Tm 3.15), devem entender a revelação de Deus na Bíblia e crer nela. A verdade leva ao amor (1Tm 1.5), enquanto a falsa doutrina promove “controvérsias” (1Tm 1.4), “brigas” (1Tm 6.4) e destruição espiritual (1Tm 1.19). O conhecimento dos caminhos de Deus, conforme revelados em sua palavra, não pode ser domínio apenas dos estudiosos da Bíblia, nem o entendimento bíblico é relevante apenas dentro da igreja. Os obreiros cristãos também devem ser biblicamente instruídos para que possam operar no mundo de acordo com a vontade de Deus e para a glória dele.

Todos os cristãos têm um papel de liderança, independentemente de seu lugar na organização. Os executivos geralmente têm a maior oportunidade de moldar a estratégia e a estrutura de uma organização. Todos os trabalhadores têm oportunidades contínuas de desenvolver bons relacionamentos, produzir produtos e serviços excelentes, agir com integridade, ajudar os outros a desenvolverem suas habilidades e moldarem a cultura de seus grupos de trabalho imediatos. Todos têm uma esfera de influência no trabalho. Paulo aconselhou Timóteo a não permitir que sua percepção de falta de status o impedisse de tentar fazer a diferença. “Ninguém o despreze pelo fato de você ser jovem, mas seja um exemplo para os fiéis na palavra, no procedimento, no amor, na fé e na pureza” (1Tm 4.12).

É interessante notar que parte dessa realidade já é percebida nos locais de trabalho contemporâneos. Muitas organizações têm “declarações de missão” e “valores fundamentais”. Essas palavras significam aproximadamente a mesma coisa para as organizações seculares que “crenças” ou “doutrina” significam para as igrejas. As organizações, como as igrejas, prestam muita atenção à cultura. Essa é mais uma evidência de que o que os trabalhadores acreditam ou o que uma organização ensina afeta o comportamento das pessoas. Na medida do possível, os cristãos no local de trabalho devem estar na vanguarda da formação dos valores, da missão e da cultura das organizações das quais participamos.

Oração, paz e ordem são necessárias no trabalho, como na igreja (1Tm 2.1-15)

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Paulo começa este capítulo exortando “que se façam súplicas, orações, intercessões e ações de graças por todos os homens; pelos reis e por todos os que exercem autoridade” (1Tm 2.1-2). O objetivo desta oração é que os cristãos venham a levar “uma vida tranquila e pacífica, com toda a piedade e dignidade” (1Tm 2.2). Presumivelmente, esses governantes do primeiro século tinham o poder de tornar a vida difícil e perturbadora para os cristãos. Por isso, Paulo exorta os cristãos a orarem por seus governantes cívicos. Oração, paz e ordem são os primeiros instrumentos de engajamento dos cristãos com o mundo secular.

Novamente, vemos que as instruções de Paulo estão fundamentadas na unicidade de Deus, na singularidade de Cristo como mediador, no resgate universal de Cristo e no desejo universal de Deus de que todos sejam salvos (1Tm 2.3-7). Cristo é o Senhor da criação e o Salvador do mundo. Seu reino inclui todos os locais de trabalho. Os cristãos devem orar por todos aqueles que estão em seu local de trabalho específico, especialmente aqueles que têm funções de supervisão, em posições de “autoridade”. Os cristãos devem se esforçar para fazer seu trabalho sem interromper o trabalho dos outros, sem chamar indevidamente atenção para si mesmos e sem desafiar constantemente a autoridade — em outras palavras, trabalhando “com toda a piedade e dignidade” (1Tm 2.2). Para os cristãos, esse tipo de comportamento pacífico e submisso não é motivado pelo medo, pelo desejo de agradar às pessoas ou pela conformidade social, mas por uma apreciação saudável pela ordem que Deus estabeleceu e pelo desejo de que os outros “cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2.4). Como Paulo diz em outro lugar: “Deus não é Deus de desordem, mas de paz” (1Co 14.33).

Isso entra em conflito com o dever de estar na vanguarda da formação da missão e dos valores fundamentais de nosso local de trabalho? Alguns cristãos tentam moldar missões e valores por meio do confronto em torno de questões controversas, como benefícios para parceiros do mesmo sexo, exclusão de aborto e/ou contraceptivos nos planos de saúde, organização sindical, exibição de símbolos religiosos e afins. Se bem-sucedida, essa abordagem pode ajudar a moldar a missão e o valor da organização. Mas muitas vezes atrapalha o trabalho dos outros, quebra a paz e desrespeita a autoridade dos supervisores.

O que é necessário é um engajamento mais pessoal, mais profundo e mais respeitoso com a cultura organizacional. Em vez de entrar em conflito sobre os benefícios para a saúde, os cristãos não poderiam investir em amizades com colegas de trabalho e se tornar uma fonte de aconselhamento ou sabedoria para aqueles que enfrentam grandes decisões na vida? Em vez de ultrapassar os limites entre liberdade de expressão e assédio, os cristãos não poderiam fazer o trabalho que lhes foi designado com tanta excelência a ponto de os colegas de trabalho pedirem a eles que expliquem qual é a fonte de sua força? Em vez de discutir sobre questões periféricas, como decoração de festas, os cristãos não poderiam ajudar a melhorar as atividades principais no trabalho, como desempenho, atendimento ao cliente e design de produtos, e, assim, conquistar o respeito das pessoas ao redor? Ao responder a essas perguntas, podemos lembrar que o conselho de Paulo a Timóteo é equilibrado, não contraditório. Viver em paz e cooperação com aqueles que nos rodeiam. Procurar influenciar os outros servindo-os, e não tentando dominá-los. Não foi isso que o Rei dos reis fez?

Integridade e capacidade relacional são qualidades-chave de liderança (1Tm 3.1-13; Tt 1.5-9)

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O texto de 1Timóteo 3.1-13 é bem conhecido e encontra um paralelo em Tito 1.5-9. Tanto 1Timóteo 3.1-7 quanto Tito 1.5-9 estabelecem qualificações para bispos e presbíteros, [1] enquanto 1Timóteo 3.8-13 descreve as qualificações para diáconos, possivelmente incluindo diaconisas. Uma variedade de qualificações é dada, mas o traço comum parece ser a integridade moral e a capacidade de se relacionar bem com as pessoas. Competência para ensinar, embora mencionada como uma qualificação para os bispos (1Tm 3.2; Tt 1.9), não recebe a mesma ênfase em geral. Nessas listas, observamos novamente a conexão entre a família e a igreja: administrar bem a família é visto como experiência necessária para administrar a família de Deus (1Tm 3.4-5, 12; Tt 3.6; cf. 1Tm 3.15). Refletiremos mais sobre essa conexão em uma seção subsequente.

Como observado anteriormente, diferentes organizações têm missões diferentes. Portanto, a qualificação para a liderança é diferente. Seria uma aplicação errônea dessa passagem usá-la como uma lista geral de qualificações para o trabalho. “Sérios” (1Tm 3.8, NTLH) pode não ser uma qualificação adequada para um guia turístico, por exemplo. Mas e a prioridade à integridade moral e à capacidade relacional? Qualidades morais, como “irrepreensível”, de “consciência limpa”, “confiáveis em tudo”, e qualidades relacionais, como “hospitaleiro”, “pacífico” e “moderado”, são habilidades e experiências muito mais proeminentes do que específicas.

Se isso é verdade para a liderança da igreja, também se aplica à liderança no trabalho? As falhas morais e relacionais bem divulgadas de alguns líderes empresariais e governamentais de destaque nos últimos anos tornaram a integridade, o caráter e os relacionamentos mais importantes do que nunca na maioria dos locais de trabalho. Não é menos importante desenvolver e selecionar líderes adequadamente nos locais de trabalho do que nas igrejas. Contudo, à medida que nos preparamos para emprego e carreira, será que dedicamos uma fração de nosso esforço tanto no desenvolvimento de caráter ético e habilidades relacionais quanto no desenvolvimento de habilidades especializadas e no acúmulo de credenciais?

Curiosamente, muitos dos líderes da igreja primitiva também eram líderes no local de trabalho. Lídia negociava a valiosa commodity de corante púrpura (At 16.14, 40). Dorcas era uma fabricante de roupas (At 9.26-41). Áquila e Priscila eram fabricantes de tendas (ou coureiros) que se tornaram parceiros comerciais de Paulo (At 18.2-3). Esses líderes foram eficazes na igreja depois de já terem se mostrado eficazes no local de trabalho e conquistado o respeito da comunidade em geral. Talvez as qualificações básicas de liderança na igreja, no trabalho e nas esferas cívicas tenham muito em comum.

A criação de Deus é boa (1Tm 4.1-5)

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A primeira carta a Timóteo declara “a maneira de Deus ordenar a realidade” e que esse ordenamento divino tem implicações sobre como os cristãos devem se comportar em casa, na igreja e — por uma extensão da lógica do texto — no trabalho. A afirmação mais clara da ordem de criação de Deus vem em 1Timóteo 4.1-5. Em 1Timóteo 4.4 Paulo afirma claramente: “Tudo o que Deus criou é bom”. Esse é um claro eco de Gênesis 1.31: “Deus viu tudo o que havia feito, e tudo havia ficado muito bom”. Dentro do contexto da carta, essa avaliação extremamente positiva da criação é usada para combater os falsos mestres que proíbem o casamento e certos alimentos (1Tm 4.3). Paulo se opõe ao ensino deles, afirmando que essas coisas devem ser recebidas com ação de graças (1Tm 4.3-4). A comida, e qualquer outra coisa na criação de Deus, é “santificada” pela palavra de Deus e pela oração (1Tm 4.5). Isso não significa que a palavra e a oração fazem a criação de Deus ser boa caso ela não seja. Em vez disso, ao reconhecer Deus com gratidão como o criador e provedor de todas as coisas, um cristão separa as coisas criadas, como alimento, para um propósito santo e que honra a Deus. Como cristão, é possível até comer e beber para a glória de Deus (1Co 10.31).

Essa afirmação da criação significa que não há material criado inerentemente mau com o qual trabalhar, e nenhum trabalho envolvido com a criação que seja inaceitável para os cristãos, se não violar a vontade de Deus. Em outras palavras, um cristão pode cavar poços, projetar chips de computador, lavar banheiros, andar na Lua, consertar telefones celulares, plantar ou colher árvores para a glória de Deus. Nenhum desses empregos ou materiais é inerentemente maligno. De fato, todo trabalho pode agradar a Deus. Isso pode parecer intuitivo para aqueles no mundo ocidental moderno que não lutam muito com o ascetismo, como os antigos gregos e romanos lutavam. Mas 1Timóteo 4.4 nos lembra até mesmo de não vermos o reino material como algo neutro em valor moral ou ver coisas como a tecnologia, por exemplo, como inerentemente más. A bondade de toda a criação de Deus nos permite viver e trabalhar em alegre liberdade, recebendo todas as coisas como vindas das mãos de Deus.

Bons relacionamentos surgem do respeito genuíno (1Tm 5.1—6.2; Tt 2.1-10)

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O texto de 1Timóteo 4.6-16 está repleto de diretrizes específicas de Paulo para Timóteo. Seria útil que os obreiros cristãos se lembrassem de que o treinamento em piedade é um componente crucial do desenvolvimento profissional (cf. 1Tm 4.8). Passamos rapidamente desta seção, no entanto, para a próxima, que abrange 1Timóteo 5.1—6.2. Novamente, esta seção é semelhante a outra, de Tito 2.1-10. Ser membro da igreja não deve nos levar a explorar os outros dentro da igreja (cf. 1Tm 5.16; 6.2), mas sim a trabalhar mais para abençoá-los. Isso se aplica também no trabalho.

Em particular, essas duas passagens descrevem como homens e mulheres, idosos e jovens, senhores e escravos devem se comportar dentro da família de Deus. Os dois primeiros versículos desta seção em 1Timóteo são importantes. “Não repreenda asperamente o homem idoso, mas exorte-o como se ele fosse seu pai; trate os jovens como a irmãos; as mulheres idosas, como a mães; e as moças, como a irmãs, com toda a pureza”. Esse mandamento não diminui nenhuma distinção entre famílias e igreja (como 1Tm 5.4, 8 deixa claro), mas sugere que a bondade, a compaixão, a lealdade e a pureza que devem caracterizar nossos relacionamentos familiares mais íntimos também devem caracterizar nossos relacionamentos com os membros da família de Deus, a igreja.

A exortação de Paulo para agir “com toda a pureza” nos lembra que violações dos limites sexuais ocorrem em famílias e igrejas, bem como nos locais de trabalho. O assédio sexual pode passar despercebido — até mesmo daqueles que não estão sendo assediados — nos locais de trabalho. Podemos trazer uma bênção a todo tipo de local de trabalho prestando mais atenção em como homens e mulheres são tratados e desafiando palavras e ações inadequadas e abusivas.

É certo pensar em um local de trabalho como uma família? Não e sim. Não, não é verdadeiramente uma família, pelas razões retratadas de forma tão divertida na série de televisão The Office. A participação em um local de trabalho está condicionada ao desempenho adequado de uma função. Ao contrário dos membros da família, os funcionários que não são mais aprovados pela administração estão sujeitos a demissão. O emprego não é permanente, não é “algo que você, de alguma forma, não merece”. [1] Seria ingênuo — possivelmente até abusivo — fingir que um local de trabalho é uma família.

No entanto, em certos sentidos, um local de trabalho pode ser como uma família, se esse termo for usado para descrever o respeito, o compromisso, a comunicação aberta e o cuidado que os membros da família devem mostrar uns aos outros. Se os cristãos fossem conhecidos por tratar os colegas de trabalho da mesma forma, isso poderia ser um grande ponto do serviço redentor da igreja ao mundo. A mentoria, por exemplo, é um serviço extremamente valioso que trabalhadores experientes podem oferecer a colegas mais novos. Assemelha-se ao investimento que os pais fazem em seus filhos. E, assim como protegemos os membros da família contra abuso e exploração, o amor de Cristo nos impele a fazer o mesmo pelas pessoas no trabalho. Certamente, nunca devemos nos envolver em abuso ou exploração de outras no trabalho, por imaginar que lhes devemos menos respeito ou cuidado do que aos membros da família (ou da igreja). Em vez disso, devemos nos esforçar para amar todos os nossos semelhantes, incluindo aqueles no local de trabalho, como nossa família e como nós mesmos.

Piedade com contentamento é um grande lucro (1Tm 6.3-10, 17-19)

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A última seção de 1Timóteo está repleta de poderosas exortações e advertências para os cristãos ricos. (Vamos pular as recomendações de Paulo a Timóteo nos versículos 11-16;20, que são direcionadas a Timóteo em sua situação particular.) 1Timóteo 6.3-10 e 17-19 têm aplicações diretas no local de trabalho. Ao ler e aplicar essas passagens, entretanto, devemos evitar dois erros comuns.

Primeiro, essa passagem não ensina que não há “lucro” em ser piedoso. Quando Paulo escreve que aqueles que “têm a mente corrompida e que são privados da verdade” imaginam que “a piedade é fonte de lucro” (1Tm 6.5), o que ele está denunciando é a mentalidade de que a piedade necessariamente leva a ganho financeiro nesta vida ou que a piedade deve ser buscada em prol do ganho financeiro imediato. A loucura desse pensamento é tripla:

  1. Deus muitas vezes chama seus santos para sofrerem carência material nesta vida e, portanto, o povo de Deus não deve colocar sua esperança na “incerteza da riqueza” (1Tm 6.17).

  2. Mesmo que alguém receba grandes riquezas nesta vida, o ganho é de curta duração, porque, como John Piper coloca, “não há reboques atrás de carros funerários” (1Tm 6.7). [1]

  3. O desejo de riqueza leva ao mal, à apostasia, à ruína e à destruição (1Tm 6.9-10).

Observe cuidadosamente, porém, que Paulo encoraja seus leitores a saberem que a piedade é grande fonte de lucro quando combinada com contentamento nas necessidades básicas da vida (1Tm 6.6, 8). Nosso Deus é um Deus “que de tudo nos provê ricamente, para a nossa satisfação” (1Tm 6.17). Paulo ordena aos ricos justos que “pratiquem o bem, sejam ricos em boas obras, generosos e prontos a repartir” (1Tm 6.18) — não que vendam tudo o que têm e empobreçam. Eles devem ser ricos em boas obras para que possam acumular “um tesouro para si mesmos, um firme fundamento para a era que há de vir, e assim alcançarão a verdadeira vida” (1Tm 6.19). Em outras palavras, a piedade é um meio de ganho, desde que esse ganho seja entendido como vida e bênçãos na presença de Deus, e não apenas como mais dinheiro agora. A exortação de Paulo em 1Timóteo 6.18-19 é semelhante ao ensinamento de Jesus: “Mas acumulem para vocês tesouros nos céus, onde a traça e a ferrugem não destroem e onde os ladrões não arrombam nem furtam” (Mt 6.20; cf. Mt 19.21; Lc 12.33).

O segundo erro a ser evitado é pensar que essa passagem e sua condenação ao amor ao dinheiro significam que nenhum obreiro cristão deve buscar aumento ou promoção, ou que nenhuma empresa cristã deve tentar lucrar. Existem muitas razões pelas quais alguém poderia querer mais dinheiro; algumas delas podem ser ruins, mas outras podem ser boas. Se alguém quisesse mais dinheiro pelo status, pelo luxo ou pelo aumento do ego que isso proporcionaria, então realmente cairia na repreensão desta seção das Escrituras. Mas, se alguém quisesse ganhar mais dinheiro para sustentar adequadamente seus dependentes, dar mais às causas que honram a Cristo ou investir na criação de bens e serviços que permitissem à comunidade prosperar, não seria mau querer mais dinheiro. [2] Rejeitar o amor ao dinheiro não é se opor a todo desejo de ser bem-sucedido ou lucrativo no trabalho.

2Timóteo: Encorajamento para um trabalhador fiel

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A carta de 2Timóteo, assim como 1Timóteo, é dirigida pelo apóstolo Paulo a seu colaborador mais jovem e é talvez a última carta escrita que temos de Paulo. Ao contrário de 1Timóteo, no entanto, 2Timóteo parece ser uma carta mais pessoal, na qual Paulo encoraja Timóteo e lhe dá a solene ordem de permanecer fiel, mesmo depois de Paulo ter partido. O próprio fato de 2Timóteo ter sido preservada e incluída no cânon cristão das Escrituras indica, no entanto, que essa carta pessoal tem um significado além de seu contexto original e particular.

As culturas podem persistir por gerações (2Tm 1.1—2.13; 3.10-17)

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Uma das características marcantes de 2Timóteo é o tema da fidelidade geracional. Perto do início da carta, Paulo lembra a Timóteo a fé que habitava em sua avó, sua mãe e depois no próprio Timóteo (2Tm 1.5). Essa progressão sugere que o testemunho fiel e o exemplo da avó e da mãe de Timóteo estavam entre os meios que Deus usou para levar Timóteo à fé. Esse entendimento é confirmado mais adiante na carta, quando Paulo encoraja Timóteo a permanecer “nas coisas que aprendeu e das quais tem convicção, pois você sabe de quem o aprendeu” (2Tm 3.14-15a). Paulo também, como membro de uma geração mais velha, é um modelo a ser seguido por Timóteo. Paulo escreve: “Suporte comigo os meus sofrimentos pelo evangelho, segundo o poder de Deus” (2Tm 1.8), “retenha, com fé e amor em Cristo Jesus, o modelo da sã doutrina que você ouviu de mim” (2Tm 1.13) e “você tem seguido de perto o meu ensino, a minha conduta, o meu propósito, a minha fé, a minha paciência, o meu amor, a minha perseverança, as perseguições e os sofrimentos que enfrentei” (2Tm 3.10-11a).

Não apenas Timóteo recebeu ensinamentos de gerações anteriores, mas Paulo pretende que ele transmita o que aprendeu também às gerações seguintes: “E as palavras que me ouviu dizer na presença de muitas testemunhas, confie-as a homens fiéis que sejam também capazes de ensiná-las a outros” (2Tm 2.2). Esse tema desafia os trabalhadores cristãos a considerarem que tipo de legado desejam deixar no local de trabalho e em seu ramo de atividade. O primeiro passo para deixar um legado positivo é fazer seu trabalho com fidelidade e da melhor forma possível. Um passo adicional seria treinar seu sucessor, de modo que quem um dia for substituí-lo esteja preparado para fazer bem seu trabalho. Um obreiro cristão deve ser humilde o suficiente para aprender com os outros e compassivo o suficiente para ensinar com paciência. No entanto, no final, os obreiros cristãos devem se perguntar se deixaram um legado de redenção em palavras e ações.

O aspecto geracional de 2Timóteo se aplica não apenas a indivíduos, mas a todos os tipos de corporações, com ou sem fins lucrativos. A forma corporativa foi criada para que as organizações pudessem sobreviver aos indivíduos que as compõem, sem a necessidade de reformar a entidade a cada transição. Um dos princípios básicos das auditorias financeiras é que a corporação deve ser uma “empresa em atividade”, o que significa que deve operar de maneira sustentável. [1] Quando as práticas de remuneração, o endividamento, o gerenciamento de riscos, o controle financeiro, o controle de qualidade ou qualquer outro fator de uma organização se tornam seriamente prejudiciais à sua sustentabilidade, seus líderes têm o dever de exigir mudanças.

Isso não significa que as corporações nunca devam se fundir, dissolver ou deixar de existir. Às vezes, a missão de uma organização foi cumprida, seu propósito se tornou obsoleto ou deixou de fornecer valor significativo. Então, sua existência pode não fazer mais sentido. Mas, mesmo assim, seus líderes têm responsabilidade pelo legado que a corporação deixará na sociedade depois que for dissolvida. Por exemplo, várias empresas expõem seus aposentados ao risco de pobreza porque não financiaram adequadamente seus passivos previdenciários. Os governos municipais e estaduais são ainda mais propensos a essa falha. As organizações têm o dever — tanto do ponto de vista bíblico quanto cívico — de perguntar se suas operações estão transferindo responsabilidades para as gerações futuras.

Da mesma forma, 2Timóteo sugere que as organizações devem operar de maneira ambiental e socialmente sustentável. Depender da extração de recursos insustentáveis ​​ou da poluição ambiental para ter sucesso é uma violação do princípio geracional. Esgotar o “capital social” da comunidade — ou seja, os investimentos educacionais, culturais, legais e outros investimentos sociais que fornecem força de trabalho instruída, meios de transações, sociedade pacífica e outros fatores dos quais as organizações de trabalho dependem — também seria insustentável. Até certo ponto, os locais de trabalho investem em capital ambiental e social, pagando impostos para apoiar os programas ambientais e sociais dos governos. Mas talvez eles tivessem acesso mais confiável ao capital ambiental e social se fizessem mais para criar sistemas sustentáveis ​​por iniciativa própria.

Guarde sua língua (2Tm 2.14-26)

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Na seção seguinte, Paulo aconselha Timóteo com várias exortações que podem se aplicar diretamente ao local de trabalho. Paulo repetidamente adverte Timóteo que evite “discussões acerca de palavras” (2Tm 2.14), “conversas inúteis e profanas” (2Tm 2.16) e “controvérsias tolas e inúteis” (2Tm 2.23). Este é um bom lembrete para os obreiros cristãos de que nem toda conversa no café é proveitosa, mesmo que não seja totalmente má. As conversas em que nos envolvemos e como falamos são úteis para as pessoas ao redor? Nossas palavras servem como embaixadoras da reconciliação e da redenção (2Co 5.20)? Conversas inúteis podem se espalhar como câncer (2Tm 2.17), levar à perversão e à impiedade (2Tm 2.14, 16) e geram brigas (2Tm 2.23). Pode-se pensar em advertências semelhantes em Tiago (cf. Tg 3.2-12) sobre o potencial destrutivo das palavras.

Na verdade, a forma mais importante de dar testemunho de Jesus é como os cristãos falam com os colegas de trabalho, quando não estão falando sobre Jesus. Três palavras de fofoca podem destruir três mil palavras de louvor e piedade. Mas os cristãos que consistentemente encorajam, apreciam, respeitam e demonstram cuidado por meio de suas palavras são testemunhas poderosas de Jesus, mesmo que suas palavras raramente sejam diretamente sobre ele. Agir com humildade e evitar completamente o julgamento são os meios mais seguros de evitar controvérsias estúpidas e sem sentido.

Paulo também exorta Timóteo a que “fuja dos desejos malignos da juventude e siga a justiça” (2Tm 2.22). Isso pode nos lembrar que os funcionários trazem suas dificuldades pessoais para o trabalho. O abuso de álcool e drogas afeta praticamente todos os locais de trabalho, e “um quarto dos funcionários que usam a Internet visita sites pornográficos durante o trabalho [...] e as ocorrências são mais altas durante o expediente do que em qualquer outra hora do dia”. [1] Outra exortação que pode ser aplicada aos obreiros cristãos é que “ao servo do Senhor não convém brigar mas, sim, ser amável para com todos, apto para ensinar, paciente. Deve corrigir com mansidão os que se lhe opõem” (2Tm 2.24-25a). De fato, muito do retrato que Paulo esboça de Timóteo nesta carta pode ser considerado algo pelo qual os obreiros cristãos devem se esforçar. Paulo, escrevendo uma carta a Timóteo, torna-se uma rede de apoio para ele. Podemos perguntar que tipo de redes de apoio as organizações de hoje fariam bem em fornecer aos trabalhadores.

O tempo de dificuldade é agora (2Tm 3.1-9)

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O quarto e último capítulo de 2Timóteo consiste principalmente na incumbência de Paulo a Timóteo, nas reflexões de Paulo sobre sua vida e em instruções e saudações específicas. Não há dúvida de que parte desse material poderia se aplicar indiretamente ao trabalho. No entanto, examinaremos apenas mais um parágrafo da carta: 2Timóteo 3.1-9.

O primeiro versículo apresenta o ponto principal do parágrafo: “Nos últimos dias sobrevirão tempos terríveis” (2Tm 3.1). O que a descrição que se segue deixa claro, no entanto, é que Timóteo já está vivendo nesses últimos dias (cf. 2Tm 3.2, 5). Que os “últimos dias” já estão sobre todos nós é o testemunho claro e consistente do Novo Testamento (veja At 2.17; Hb 1.2; Tg 5.3; 2Pe 3.3). Os cristãos precisam estar preparados para as dificuldades e o sofrimento associados a esses últimos dias. Mais tarde, Paulo adverte: “De fato, todos os que desejam viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos” (2Tm 3.12).

Este é um lembrete preocupante para aqueles cristãos que trabalham em ambientes que podem ser difíceis, mas são muito menos ameaçadores do que as realidades sociais do primeiro século ou de muitos lugares do mundo hoje. Como cristãos, devemos esperar maus-tratos no trabalho, injustiça, preconceito, oposição e zombaria. Se experimentarmos poucas dessas coisas, teremos motivos para nos regozijar, mas não devemos permitir que nossas atuais condições benevolentes de trabalho nos embalem para dormir. Talvez cheguem os dias em que ser fiel a Cristo no trabalho resulte em mais do que olhares estranhos e piadas pelas costas. De fato, os trabalhadores, a qualquer momento, podem ser pressionados a agirem de forma antiética ou contrária à palavra de Deus. Naquele momento, será visto com mais clareza se temos mais do que uma mera “aparência de piedade” (2Tm 3.5). Se tivermos, sabemos que Deus estará ao nosso lado e nos dará força (2Tm 4.17).

Tito: Trabalhando por boas ações

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A carta de Paulo a Tito é a última epístola pastoral e tem muitas semelhanças com 1 e 2Timóteo. (Sobre Tt 1.5-9 , veja 1Tm 3.1-13, acima. Sobre Tt 2.1-10, veja 1Tm 5.1—6.2, acima.) Nesta carta, Paulo lembra a Tito que ele o havia deixado em Creta “para que você pusesse em ordem o que ainda faltava” (Tt 1.5). Como Timóteo, Tito precisava combater os falsos ensinos, instalar a liderança adequada e garantir que o povo fosse devotado às boas obras (Tt 3.8, 14).

Seja dedicado à prática de boas obras (Tt 2.11—3.11)

Já consideramos as qualificações de liderança descritas em Tito 1.5-9 e os relacionamentos família-igreja descritos em Tito 2.1-10 nas seções anteriores deste capítulo. Muito do restante desta carta pode ser resumido pela visão de Paulo de que o povo de Deus deve ser dedicado à prática de boas obras. Essa visão certamente se aplica aos obreiros cristãos, que devem se dedicar às boas obras no local de trabalho. Boas obras, é claro, significam trabalho feito de forma a agradar a Deus, mais do que a si mesmo ou a qualquer outra pessoa. As boas obras cumprem os propósitos de Deus vistos em sua criação do mundo. Elas tornam o mundo um lugar melhor e ajudam a redimir sua situação e a reconciliar as pessoas umas com as outras e com Deus. A devoção a esse tipo de trabalho impulsiona os trabalhadores cristãos mais do que a paixão de fazer bem seu trabalho por causa de dinheiro ou de avaliações de desempenho. No entanto, para que os cristãos tenham essa paixão piedosa por boas obras, devemos entender o que as permite e por que as fazemos. A carta a Tito aborda essas duas questões.

Primeiro, é fundamental que os cristãos se lembrem de que Deus, “não por causa de atos de justiça por nós praticados, mas devido à sua misericórdia, [...] nos salvou pelo lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt 3.5). Nossa conduta no local de trabalho, em casa ou em qualquer outro lugar não estabelece nosso relacionamento com Deus. Não podemos “ganhar” sua misericórdia. No entanto, a carta a Tito ensina inequivocamente que a graça de Deus não apenas perdoa nossos pecados, mas também nos treina a “renunciar à impiedade e às paixões mundanas e a viver de maneira sensata, justa e piedosa nesta era presente” (Tt 2.12). Jesus se entregou para que ele pudesse “nos remir de toda a maldade e purificar para si mesmo um povo particularmente seu, dedicado à prática de boas obras” (Tt 2.14). A maravilhosa seção de Tito 3.3-7 descreve a misericórdia de Deus na conversão e na justificação como a base do mandamento para que os crentes “se sujeitem aos governantes e às autoridades, sejam obedientes, estejam sempre prontos a fazer tudo o que é bom, não caluniem ninguém, sejam pacíficos, amáveis e mostrem sempre verdadeira mansidão para com todos os homens” (Tt 3.1-2). A graça que Deus concede na salvação resulta em uma vida piedosa (embora imperfeita) de obediência e boas obras. Lembrar-nos dessa realidade ao longo das atividades do dia nos levaria a nos tornarmos servos de Cristo mais eficazes e mordomos da criação?

Em segundo lugar, esta seção de Tito nos lembra dos propósitos das boas obras. Elas visam atender às necessidades dos outros e tornar produtivo nosso lugar da criação de Deus (Tt 3.14). Isso remonta ao mandato de lavrar a terra e torná-la frutífera (Gn 2.5, 15). As boas obras servem a Deus e às pessoas, mas não objetivam principalmente ganhar o favor de Deus e das pessoas. A produção de boas obras não é o oposto da fé, mas a consequência essencial da fé. É a resposta que damos a Deus depois de recebermos o “lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt 3.5). “Justificados por sua graça, nos [tornamos] seus herdeiros, tendo a esperança da vida eterna” (Tt 3.7) e, como resultado, nos dedicamos e nos empenhamos na prática de boas obras. “Tais coisas são excelentes e úteis aos homens” (Tt 3.8). Paulo não está falando sobre fazer pregações, distribuir folhetos ou falar às pessoas sobre Jesus. Ele está falando sobre boas obras no sentido comum de fazer o que os outros reconhecem que atenderão às necessidades das pessoas. Em termos de local de trabalho, poderíamos dizer que ele quer dizer algo como ajudar novos colegas a se acostumarem com o trabalho, mais do que convidá-los a participar de um estudo bíblico.

Além disso, o comportamento piedoso é encorajado “a fim de que a palavra de Deus não seja difamada” (Tt 2.5) e “para que aqueles que se opõem a você fiquem envergonhados por não poderem falar mal de nós” (Tt 2.8). Colocado positivamente, o comportamento piedoso é encorajado para os cristãos “para que assim tornem atraente, em tudo, o ensino de Deus, nosso Salvador” (Tt 2.10). A doutrina correta leva a boas obras, e as boas obras tornam a verdade de Deus atraente para os outros. Esse é o objetivo por trás da devoção dos trabalhadores cristãos às boas obras no trabalho — viver por meio de suas ações a verdade que proclamam com os lábios. Isso pode ser um testemunho poderoso, tanto para desarmar a antipatia em relação aos cristãos quanto para apelar aos incrédulos para que eles mesmos sigam a Cristo.

Ao longo da carta, Paulo dá instruções práticas para realizar boas obras. A maioria delas pode ser aplicada ao local de trabalho. Tiramos nossa sugestão disso da própria carta. Nada nas instruções às mulheres mais velhas, por exemplo (serem reverentes, não caluniarem, não serem escravas da bebida, ensinarem o que é bom), sugere que apenas mulheres mais velhas devem segui-las, assim como nada nas instruções de Timóteo sugere que elas possam ser aplicadas na igreja. (Sobre a questão de saber se as instruções aos escravos podem ser aplicadas aos empregados modernos, ver Colossenses 3.18—4.1 em “Colossenses, Filemom e o trabalho”.)

Praticamente qualquer local de trabalho que procura uma declaração de valores organizacionais e de boas práticas começaria bem simplesmente recortando e colando de Tito. O conselho de Paulo inclui o seguinte:

Respeito

  • Mostre respeito a todos (Tt 3.1).

  • Seja hospitaleiro (Tt 1.8).

  • Seja bondoso (Tt 2.5).

  • Não se envolva em conflitos sobre questões inconsequentes (Tt 3.9).

  • Não seja orgulhoso, briguento ou ávido por lucro desonesto (Tt 1.7,8)

  • Não use a violência como meio de supervisão (Tt 1.7). Em vez disso, use a gentileza (Tt 3.1).

Autocontrole

  • Tenha domínio próprio (Tt 1.8; 2.6).

  • Não seja ganancioso (Tt 1.7).

  • Não se torne viciado em álcool (Tt 1.7; 2.3).

  • Evite inveja e maldade (Tt 3.3).

Integridade

  • Seja justo (Tt 1.8).

  • Amigo do bem (Tt 1.8).

  • Submeta-se àqueles que têm autoridade sobre você no local de trabalho (Tt 2.9). Obedeça às autoridades civis (Tt 3.1).

  • Respeite a propriedade dos outros (Tt 2.10) e administre-a fielmente em nome deles, se você tiver um dever fiduciário (Tt 2.5).

Autoridade e dever

  • Exerça a autoridade que lhe foi dada (Tt 2.15).

  • Seja prudente (Tt 1.8).

  • Silencie pessoas rebeldes, faladoras, enganadoras, caluniadoras e aquelas que intencionalmente causam divisões pessoais (Tt 1.10; 2.3; 3.10). Repreenda-as severamente (Tt 1.13).

  • Treine outros sob sua liderança nessas mesmas virtudes (Tt 2.2-10).

Devemos ter cuidado para não transformar tais aplicações em um dogma simplista. “Seja prudente”, portanto, não precisa significar que nunca há um momento adequado para assumir riscos instruídos. “Mostre mansidão” não significa nunca exercer poder. Essas são aplicações para locais de trabalho modernos de uma antiga carta para a igreja. Esses itens de Tito servem como uma excelente fonte de princípios e valores adequados à boa liderança, tanto na igreja quanto no local de trabalho.

Resumo e conclusão das epístolas pastorais

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As epístolas pastorais enfocam organização, relacionamentos e liderança dentro da família de Deus. Esta começa com a família, se estende até a igreja e, muitas vezes, se aplica ao local de trabalho. O Deus que criou a família e a igreja é também o Deus que criou o trabalho. Ele estabeleceu para a igreja uma ordem que traz paz, prosperidade e estabilidade. A mesma ordem — ou uma muito semelhante — pode trazer as mesmas bênçãos para outros locais de trabalho.

A primeira tarefa para qualquer organização é entender a verdadeira natureza de Deus e de sua criação. Todo local de trabalho precisa ser fundamentado na “coluna e fundamento da verdade” (1Tm 3.15), para que seja eficaz. Começamos reconhecendo a verdade da boa criação de Deus, a queda da humanidade, a persistência da graça de Deus no mundo, a missão de Cristo e da igreja de redimir o mundo e seu povo, e a promessa da restauração da perfeita ordem. Reconhecemos que a redenção surge apenas como um dom gratuito de Deus, resultando em nosso desejo e capacidade de realizar todo tipo de boas obras. Dessa forma, tornamos o mundo produtivo e atendemos às necessidades das pessoas.

As epístolas pastorais expõem as implicações dessa verdade para a organização da igreja, com uma preocupação especial com liderança e bons relacionamentos. As considerações também se aplicam a locais de trabalho fora da igreja, desde que sejam respeitadas as diferenças entre a igreja e as demais organizações. As aplicações das epístolas pastorais no local de trabalho nem sempre são diretas nem óbvias, mas a verdade encontrada nessas cartas, quando aplicadas em espírito de oração ao local de trabalho, pode manifestar a maneira de Deus ordenar a realidade e, assim, trazer glória àquele “a quem ninguém viu nem pode ver” (1Tm 6.16).

Versículos e temas-chave nas epístolas pastorais

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Versículos

Temas

1Timóteo 1.3-5 Partindo eu para a Macedônia, roguei que você permanecesse em Éfeso para ordenar a certas pessoas que não mais ensinem doutrinas falsas e que deixem de dar atenção a mitos e genealogias intermináveis, que causam controvérsias em vez de promoverem a obra de Deus, que é pela fé. O objetivo desta instrução é o amor que procede de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera.

A crença afeta o comportamento ou a doutrina afeta a prática.

1Timóteo 1.3-4 Quando parti para a Macedônia, pedi a você que ficasse em Éfeso e advertisse certas pessoas de que não ensinassem coisas contrárias à verdade, nem desperdiçassem tempo com discussões intermináveis sobre mitos e genealogias, que só levam a especulações sem sentido em vez de promover o propósito de Deus, que é realizado pela fé. (Nova Versão Transformadora)

1Timóteo 3.5 Pois, se alguém não sabe governar sua própria família, como poderá cuidar da igreja de Deus?

1Timóteo 3.14-15 Escrevo estas coisas, embora espere ir vê-lo em breve; mas, se eu demorar, saiba como as pessoas devem comportar-se na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e fundamento da verdade.

A maneira de Deus ordenar a realidade, conforme vista nos lares e nas igrejas, deve de alguma forma se refletir também nas organizações empresariais.

1Timóteo 2.1-2 Antes de tudo, recomendo que se façam súplicas, orações, intercessões e ações de graças por todos os homens; pelos reis e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranquila e pacífica, com toda a piedade e dignidade.

1Timóteo 2.8-9 Quero, pois, que os homens orem em todo lugar, levantando mãos santas, sem ira e sem discussões. Da mesma forma, quero que as mulheres se vistam modestamente, com decência e discrição [...].

Os cristãos devem orar pela paz e pela ordem de sua igreja, de sua sociedade e de seu local de trabalho.

1Timóteo 3.2-3 É necessário, pois, que o bispo seja irrepreensível, marido de uma só mulher, moderado, sensato, respeitável, hospitaleiro e apto para ensinar; não deve ser apegado ao vinho nem violento, mas sim amável, pacífico e não apegado ao dinheiro

1Timóteo 3.10 Devem ser primeiramente experimentados; depois, se não houver nada contra eles, que atuem como diáconos.

Tito 1.7-8 Por ser encarregado da obra de Deus, é necessário que o bispo seja irrepreensível: não orgulhoso, não briguento, não apegado ao vinho, não violento, nem ávido por lucro desonesto. Ao contrário, é preciso que ele seja hospitaleiro, amigo do bem, sensato, justo, consagrado, tenha domínio próprio.

A liderança que agrada a Deus é caracterizada por integridade moral e confiabilidade.

1Timóteo 4.4-5 Pois tudo o que Deus criou é bom, e nada deve ser rejeitado, se for recebido com ação de graças, pois é santificado pela palavra de Deus e pela oração.

A criação é boa e nosso envolvimento com ela pode ser santificado pela palavra de Deus e pela oração.

1Timóteo 4.7-8 [...] e exercite-se na piedade. O exercício físico é de pouco proveito; a piedade, porém, para tudo é proveitosa, porque tem promessa da vida presente e da futura

O treinamento na piedade é um componente essencial do desenvolvimento profissional.

1Timóteo 5.1-2 Não repreenda asperamente o homem idoso, mas exorte-o como se ele fosse seu pai; trate os jovens como a irmãos; as mulheres idosas, como a mães; e as moças, como a irmãs, com toda a pureza.

1Timóteo 6.2 Os que têm senhores crentes não devem ter por eles menos respeito, pelo fato de serem irmãos; ao contrário, devem servi-los ainda melhor, porque os que se beneficiam do seu serviço são fiéis e amados. Ensine e recomende essas coisas.

Os cristãos devem tratar seus colegas de trabalho com o respeito e o cuidado que demonstrariam aos membros de sua família ou à igreja.

1Timóteo 6.6-8 De fato, a piedade com contentamento é grande fonte de lucro, pois nada trouxemos para este mundo e dele nada podemos levar; por isso, tendo o que comer e com que vestir-nos, estejamos com isso satisfeitos.

1Timóteo 6.17-19 Ordene aos que são ricos no presente mundo que não sejam arrogantes, nem ponham sua esperança na incerteza da riqueza, mas em Deus, que de tudo nos provê ricamente, para a nossa satisfação. Ordene-lhes que pratiquem o bem, sejam ricos em boas obras, generosos e prontos a repartir. Dessa forma, eles acumularão um tesouro para si mesmos, um firme fundamento para a era que há de vir, e assim alcançarão a verdadeira vida.

Os cristãos devem se contentar com as provisões de Deus e não amar o dinheiro. Os ricos justos devem ser generosos e buscar a recompensa celestial.

2Timóteo 1.5 Recordo-me da sua fé não fingida, que primeiro habitou em sua avó Loide e em sua mãe, Eunice, e estou convencido de que também habita em você.

2Timóteo 2.2 [...] E as palavras que me ouviu dizer na presença de muitas testemunhas, confie-as a homens fiéis que sejam também capazes de ensiná-las a outros.

Um legado piedoso é transmitido de geração em geração.

2Timóteo 2.22-25 Fuja dos desejos malignos da juventude e siga a justiça, a fé, o amor e a paz, com aqueles que, de coração puro, invocam o Senhor. Evite as controvérsias tolas e inúteis, pois você sabe que acabam em brigas. Ao servo do Senhor não convém brigar mas, sim, ser amável para com todos, apto para ensinar, paciente. Deve corrigir com mansidão os que se lhe opõem, na esperança de que Deus lhes conceda o arrependimento, levando-os ao conhecimento da verdade.

Os cristãos devem se esforçar para alcançar maturidade e semelhança com Cristo em seu local de trabalho.

2Timóteo 3.1 Saiba disto: nos últimos dias sobrevirão tempos terríveis.

2Timóteo 3.12 De fato, todos os que desejam viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos.

Os cristãos devem esperar dificuldades, às vezes, no local de trabalho.

Tito 2.9-12 Ensine os escravos a se submeterem em tudo a seus senhores, a procurarem agradá-los, a não serem respondões e a não roubá-los, mas a mostrarem que são inteiramente dignos de confiança, para que assim tornem atraente, em tudo, o ensino de Deus, nosso Salvador. Porque a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens. Ela nos ensina a renunciar à impiedade e às paixões mundanas e a viver de maneira sensata, justa e piedosa nesta era presente.

Tito 3.14 Quanto aos nossos, que aprendam a dedicar-se à prática de boas obras, a fim de que supram as necessidades diárias e não sejam improdutivos.

Jesus nos purificou para que possamos nos dedicar às boas obras. Essas boas obras adornam os princípios de Deus e manifestam a produtividade com a qual ele criou o mundo.