Bootstrap

Os Dez Mandamentos (Deuteronômio 5.6-21)

Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do Trabalho
Cloud 143152 620

Os Dez Mandamentos trazem grandes contribuições para a teologia do trabalho. Eles descrevem os requisitos essenciais da aliança de Israel com Deus e são os princípios fundamentais que governam a nação e o trabalho de seu povo. A exposição de Moisés começa com a declaração mais memorável do livro: “Ouça, ó Israel: O Senhor, o nosso Deus, é o único Senhor. Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todas as suas forças” (Dt 6.4-5). Como Jesus apontou séculos depois, esse é o maior mandamento de toda a Bíblia. Então Jesus acrescentou uma citação de Levítico 19.18: “E o segundo é semelhante a ele: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’” (Mt 22.37-40). Embora o “segundo” maior mandamento não seja declarado explicitamente em Deuteronômio, veremos que os Dez Mandamentos realmente nos apontam para o amor a Deus e ao próximo.

A passagem é praticamente idêntica à Êxodo 20.1-17 — variações gramaticais à parte — exceto por algumas diferenças no quarto (guardar o sábado), quinto (honrar mãe e pai) e décimo (cobiçar) mandamentos. Curiosamente, as variações desses mandamentos abordam especificamente o trabalho. Repetiremos o comentário de Êxodo e o trabalho aqui, com acréscimos que exploram as variações entre os relatos de Êxodo e Deuteronômio.

“Não terás outros deuses além de mim” (Êxodo 20.3; Deuteronômio 5.7)

Voltar ao índice Voltar ao índice

O primeiro mandamento nos lembra que tudo na Torá flui do amor que temos por Deus, que é uma resposta ao amor que ele tem por nós. Este amor foi demonstrado pela libertação de Israel operada por Deus “da terra da escravidão” no Egito (Dt 5.6). Nada na vida deve nos preocupar mais do que nosso desejo de amar e ser amado por Deus. Se nós tivermos alguma outra preocupação mais forte em relação a nós do que nosso amor por Deus, não significa tanto que estarmos quebrando as regras de Deus, mas sim que não estamos realmente em um relacionamento com Deus. A outra preocupação — seja dinheiro, poder, segurança, reconhecimento, sexo ou qualquer outra coisa — tornou-se nosso deus. Esse deus terá seus próprios mandamentos em desacordo com os de Deus, e inevitavelmente violaremos a Torá se cumprirmos as exigências desse deus. A observância dos Dez Mandamentos só é concebível para aqueles que começam não tendo outro deus além de Deus.

No campo do trabalho, isso significa que não devemos permitir que o trabalho ou seus requisitos e frutos substituam Deus como nossa preocupação mais importante na vida. “Nunca permita que alguém ou alguma coisa ameace o lugar central de Deus em sua vida”, como diz David Gill. [1]

Como muitas pessoas trabalham principalmente para ganhar dinheiro, um desejo excessivo por dinheiro provavelmente seja o perigo mais comum do trabalho em relação ao primeiro mandamento. Jesus advertiu exatamente sobre esse perigo. “Ninguém pode servir a dois senhores... Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro” (Mt 6.24). Mas quase tudo relacionado ao trabalho pode se tornar distorcido em nossos desejos, a ponto de interferir em nosso amor por Deus. Quantas carreiras chegam a um fim trágico porque os meios para realizar coisas pelo amor de Deus — como poder político, sustentabilidade financeira, compromisso com o trabalho, status entre colegas ou desempenho superior — tornam-se um fim em si mesmos? Quando, por exemplo, o reconhecimento no trabalho se torna mais importante do que o caráter no trabalho, não é um sinal de que a reputação está substituindo o amor de Deus como a preocupação principal?

“Não farás para ti nenhum ídolo” (Êxodo 20.4; Deuteronômio 5.8)

Voltar ao índice Voltar ao índice

O segundo mandamento levanta a questão da idolatria. Ídolos são deuses que nós mesmos criamos, deuses que nada têm em si próprios a não ser o que nós mesmos criamos, deuses sobre os quais pensamos ter controle. Nos tempos antigos, a idolatria muitas vezes assumia a forma de adoração a objetos físicos. Mas a questão é realmente de confiança e devoção. Em última análise, em que depositamos nossa esperança de bem-estar e sucesso? Qualquer coisa que não seja capaz de cumprir nossa esperança — ou seja, qualquer coisa que não seja Deus — é um ídolo, seja ou não um objeto físico. A história de uma família que forja um ídolo com a intenção de manipular Deus, bem como as desastrosas consequências pessoais, sociais e econômicas que se seguem, são memoravelmente contadas em Juízes 17—21.

No mundo do trabalho, é comum falar em dinheiro, fama e poder como ídolos em potencial, e com razão. Eles não são ídolos em si e, de fato, podem ser necessários para cumprirmos nossos papéis na obra criadora e redentora de Deus no mundo. No entanto, começamos a cair na idolatria quando imaginamos que temos total controle sobre eles, ou que, ao alcançá-los, nossa segurança e prosperidade serão garantidas. O mesmo pode ocorrer com praticamente todos os outros elementos do sucesso, incluindo preparação, trabalho árduo, criatividade, risco, riqueza e outros recursos e circunstâncias favoráveis. Somos capazes de reconhecer quando começamos a idolatrar essas coisas? Pela graça de Deus, podemos vencer a tentação de adorar essas coisas no lugar de Deus.

“Não tomarás em vão o nome do Senhor, o teu Deus” (Êxodo 20.7; Deuteronômio 5.11)

Voltar ao índice Voltar ao índice

O terceiro mandamento literalmente proíbe o povo de Deus de tomar “em vão” o nome de Deus. Isso não precisa se restringir ao nome “YHWH” (Dt 5.11), mas inclui “Deus”, “Jesus”, “Cristo” e assim por diante. Mas o que significa tomar em vão? Isso inclui, é claro, o uso desrespeitoso para xingar, caluniar e blasfemar. Mas, mais significativamente, inclui atribuir falsamente desígnios humanos a Deus. Isso nos proíbe de reivindicar a autoridade de Deus para nossas próprias ações e decisões. Lamentavelmente, alguns cristãos parecem acreditar que seguir a Deus no trabalho consiste principalmente em falar por Deus com base em seu entendimento individual, em vez de trabalhar respeitosamente com os outros ou assumir a responsabilidade por suas ações. “A vontade de Deus é que…” ou “Deus está punindo você por…” são coisas muito perigosas de se dizer e quase nunca válidas quando ditas por um indivíduo sem o discernimento da comunidade de fé (1Ts 5.20-21). À luz disso, talvez a tradicional reticência dos judeus em proferir até mesmo o termo traduzido por “Deus” — sem falar do próprio nome divino — demonstre uma sabedoria que os cristãos muitas vezes carecem. Se fôssemos um pouco mais cuidadosos ao usar a palavra “Deus”, talvez fôssemos mais criteriosos ao afirmar que conhecemos a vontade de Deus, especialmente no que se refere a outras pessoas.

O terceiro mandamento também nos lembra que respeitar os nomes humanos é importante para Deus. O Bom Pastor “chama as ovelhas pelo nome” (Jo 10.3), enquanto nos adverte que, se você chamar outra pessoa de “louco” (ou “tolo”, NAA), então “corre o risco de ir para o fogo do inferno” (Mt 5.22). Tendo isso em mente, não devemos fazer uso indevido do nome de outras pessoas ou chamá-las por apelidos desrespeitosos. Usamos o nome das pessoas de forma errada quando o fazemos para amaldiçoar, humilhar, oprimir, excluir e fraudar. Usamos bem o nome das pessoas quando o fazemos para encorajar, agradecer, demonstrar solidariedade e acolher. Simplesmente aprender e dizer o nome de alguém é uma bênção, especialmente se essa pessoa é frequentemente tratada como alguém sem nome, invisível ou insignificante. Você sabe o nome da pessoa que esvazia sua lixeira, atende sua ligação telefônica ou dirige o ônibus que você pega todos os dias? Se esses exemplos não dizem respeito ao próprio nome do Senhor, eles dizem respeito ao nome daqueles que foram feitos à sua imagem.

“Lembra-te do dia de sábado, para santificá-lo” (Êxodo 20.8-11; Deuteronômio 5.12)

Voltar ao índice Voltar ao índice

A questão do sábado é complexa, não apenas nos livros de Deuteronômio, Êxodo e no Antigo Testamento, mas também na teologia e na prática cristãs. A aplicabilidade exata do quarto mandamento — guardar o sábado — aos crentes gentios tem sido uma questão de debate desde os tempos do Novo Testamento (Rm 14.5-6). No entanto, o princípio geral do sábado se aplica diretamente à questão do trabalho.

O sábado e o trabalho que fazemos (Deuteronômio 5.13)
Voltar ao índice Voltar ao índice

A primeira parte do mandamento exige que se pare de trabalhar um dia a cada sete. Por um lado, esse foi um presente incomparável para o povo de Israel. Nenhum outro povo antigo tinha o privilégio de descansar um dia em cada sete. Por outro lado, exigia uma confiança extraordinária na provisão de Deus. Seis dias de trabalho tinham de ser suficientes para plantar, colher, carregar água, fiar e tirar o sustento da criação. Enquanto Israel descansava um dia por semana, as nações ao redor continuavam a forjar espadas, preparar flechas e treinar soldados. Israel tinha de confiar em Deus para não deixar que um dia de descanso levasse a uma catástrofe econômica e militar.

Enfrentamos a mesma questão de confiança na provisão de Deus hoje. Se obedecermos ao mandamento de Deus de observar o próprio ciclo de trabalho e descanso de Deus, seremos capazes de competir na economia moderna? São necessários sete dias de trabalho para ter um emprego (ou dois ou três empregos), limpar a casa, preparar as refeições, cortar a grama, lavar o carro, pagar as contas, terminar os trabalhos da escola e comprar roupas? Ou podemos confiar em Deus para nos sustentar, mesmo que tiremos um dia de folga durante o curso de cada semana? Podemos reservar um tempo para adorar a Deus, orar e nos reunir com outras pessoas para estudo e encorajamento e, se o fizermos, isso nos tornará mais ou menos produtivos em geral? O quarto mandamento não explica como Deus fará com que tudo dê certo para nós. Ele simplesmente nos diz para descansar um dia a cada sete.

Os cristãos, com algumas exceções significativas, geralmente adotam como dia de descanso o Dia do Senhor (domingo, o dia da ressurreição de Cristo), mas a essência do sábado não é escolher um dia específico da semana em detrimento de outro (Rm 14.5-6). A polaridade que realmente está na base do sábado é trabalhar e descansar. Tanto o trabalho quanto o descanso estão incluídos no quarto mandamento. Os seis dias de trabalho fazem parte do mandamento tanto quanto o dia de descanso. Embora muitos cristãos corram o risco de permitir que o trabalho consuma o tempo reservado para o descanso, outros correm o risco de evitar o trabalho e tentar levar uma vida de lazer e preguiça. Isso é ainda pior do que negligenciar o sábado, pois “se alguém não cuida de seus parentes, e especialmente dos de sua própria família, negou a fé e é pior que um descrente” (1Tm 5.8). O que precisamos é de um ritmo adequado de trabalho e descanso, que, juntos, sejam bons para nós, nossa família, nossos funcionários e nossos hóspedes. O ritmo pode ou não incluir vinte e quatro horas contínuas de descanso, caindo no domingo (ou sábado). As proporções podem mudar devido a necessidades temporárias ou a necessidades mutáveis ​​das fases da vida.

Se o excesso de trabalho é o nosso principal perigo, precisamos encontrar uma maneira de honrar o quarto mandamento sem instituir um novo e falso legalismo que oponha o espiritual (adoração no domingo) contra o secular (trabalho de segunda a sábado). Se evitar o trabalho é o nosso perigo, precisamos aprender a encontrar alegria e significado em trabalhar como um serviço a Deus e ao próximo (Ef 4.28).

O sábado e o trabalho que as pessoas fazem por nós
Voltar ao índice Voltar ao índice

Das poucas variações entre as duas versões dos Dez Mandamentos, a maioria ocorre como acréscimos ao quarto mandamento em Deuteronômio. Primeiro, a lista daqueles que você não pode forçar a trabalhar no sábado é expandida para incluir “teu boi, teu jumento ou qualquer dos teus animais”. (Dt 5.14a). Em segundo lugar, é dada uma razão pela qual você não pode forçar escravos a trabalhar no sábado: “para que o teu servo e a tua serva descansem como tu. Lembra-te de que foste escravo no Egito” (Dt 5.14b-15a). Por fim, acrescenta-se um lembrete de que sua capacidade de descansar com segurança em meio à concorrência militar e econômica de outras nações é um dom de Deus, que protege Israel “com mão poderosa e com braço forte” (Dt 5.15b).

Uma distinção importante entre os dois textos sobre esse mandamento é seu fundamento na criação e na redenção, respectivamente. Em Êxodo, o sábado está enraizado nos seis dias da criação, seguidos por um dia de descanso (Gn 1.3—2.3). Deuteronômio acrescenta o elemento da redenção de Deus. “O Senhor, o teu Deus, te tirou de lá com mão poderosa e com braço forte. Por isso o Senhor, o teu Deus, te ordenou que guardes o dia de sábado” (Dt 5.15). Ao juntar os dois, vemos que os fundamentos para guardar o sábado são a maneira como Deus nos criou e a maneira como ele nos redime.

Esses acréscimos destacam a preocupação de Deus por aqueles que trabalham sob a autoridade de outros. Não é você apenas quem deve descansar, mas aqueles que trabalham para você — escravos, outros israelitas e até animais — também devem descansar. Quando você se lembra de que foi “escravo no Egito”, isso o lembra de não ter seu próprio descanso como um privilégio especial, mas de trazer descanso aos outros, assim como o Senhor o trouxe a você. Não importa que religião eles sigam ou o que possam escolher fazer com o tempo. Eles são trabalhadores, e Deus nos orienta a fornecer descanso para aqueles que trabalham. Podemos estar acostumados a pensar em guardar o sábado para nosso descanso, mas quanto pensamos no descanso daqueles que trabalham para nos servir? Muitas pessoas trabalham em horários que interferem em seus relacionamentos, ritmos de sono e oportunidades sociais, a fim de tornar a vida mais conveniente para os outros.

As chamadas “leis azuis” (ou “leis do domingo”) visavam proteger — ou impedir, dependendo do ponto de vista — as pessoas de trabalharem o tempo todo, mas acabaram desaparecendo na maioria dos países desenvolvidos. Sem dúvida, isso abriu muitas novas oportunidades para os trabalhadores e as pessoas a quem servem. Mas isso é sempre algo de que devemos fazer parte? Quando fazemos compras tarde da noite, vamos ao clube no domingo de manhã ou assistimos a eventos esportivos que continuam depois da meia-noite, consideramos como isso pode afetar aqueles que trabalham nesses horários? Talvez nossas ações ajudem a criar uma oportunidade de trabalho que, de outra forma, não existiria. Por outro lado, talvez simplesmente exigimos que alguém trabalhe em um horário miserável, sendo que poderia trabalhar em um horário mais conveniente.

A rede de restaurantes de fast-food Chick-fil-A é conhecida por fechar aos domingos. Muitas vezes, presume-se que isso se deva à interpretação particular do quarto mandamento do fundador Truett Cathy. Mas, de acordo com o site da empresa, “sua decisão foi tão prática quanto espiritual. Ele acredita que todos os dirigentes e funcionários dos restaurantes franqueados da Chick-fil-A devem ter a oportunidade de descansar, passar tempo com a família e os amigos e adorar a Deus, se assim o desejarem”. É claro que ler o quarto mandamento como uma forma de cuidar das pessoas que trabalham para você é uma interpretação particular, mas não uma interpretação sectária ou legalista. A questão é complexa e não há uma resposta única para todos. Mas, como consumidores e, em alguns casos, como empregadores, tomamos decisões que afetam as horas e as condições de descanso e trabalho de outras pessoas.

“Honra teu pai e tua mãe” (Êxodo 20.12; Deuteronômio 5.16)

Voltar ao índice Voltar ao índice

O quinto mandamento diz que devemos respeitar a autoridade mais básica entre os seres humanos, a dos pais em relação aos filhos. Em outras palavras, ser pai ou mãe está entre os tipos mais importantes de trabalho que existem no mundo e merece e requer o maior respeito. Há muitas maneiras de honrar — ou desonrar — seu pai e sua mãe. Nos dias de Jesus, os fariseus queriam restringir isso a falar bem deles. Mas Jesus salientou que obedecer a esse mandamento inclui trabalhar para sustentar seus pais (Mc 7.9-13). Honramos as pessoas trabalhando para o bem delas.

Para muitas pessoas, um bom relacionamento com os pais é uma das alegrias da vida. Servir com amor a eles é um deleite, e obedecer a esse mandamento é fácil. Mas somos postos à prova por esse mandamento quando achamos difícil trabalhar em favor de nossos pais. Podemos ter sido maltratados ou negligenciados por eles. Eles podem ser controladores e intrometidos. Estar perto deles pode minar nosso senso de identidade, nosso compromisso com nosso cônjuge (incluindo nossas responsabilidades sob o terceiro mandamento) e até mesmo nosso relacionamento com Deus. Mesmo que tenhamos um bom relacionamento com nossos pais, pode chegar um momento em que cuidar deles seja um grande fardo, simplesmente por causa do tempo e do trabalho que isso exige. Se o envelhecimento ou a demência começarem a roubar sua memória, suas capacidades e sua boa índole, cuidar deles pode se tornar uma profunda tristeza.

No entanto, o quinto mandamento vem com uma promessa: “para que tenhas longa vida e tudo te vá bem na terra que o Senhor, o teu Deus, te dá” (Dt 5.16). Por meio da devida honra aos pais, os filhos aprendem o respeito adequado em todos os outros tipos de relacionamento, incluindo aqueles em seus futuros ambientes de trabalho. A obediência a esse mandamento nos permite viver muito e fazer o bem, porque desenvolver relacionamentos adequados de respeito e autoridade é essencial para o sucesso individual e a ordem social.

Como essa é uma ordem para trabalhar em benefício dos pais, é inerentemente uma ordem do ambiente de trabalho. O ambiente de trabalho pode ser onde ganhamos recursos para sustentá-los ou pode ser onde os ajudamos nas tarefas da vida cotidiana. Ambos são trabalho. Quando aceitamos um emprego porque ele nos permite viver perto deles, enviamos dinheiro para eles, fazemos uso dos valores e dons que eles desenvolveram em nós ou ainda fazemos coisas que eles nos ensinaram como sendo importantes, então estamos honrando-os. Quando nós limitamos nossas carreiras para que possamos estar presentes com eles, limpar e cozinhar para eles, dar-lhes banho e abraçá-los, levá-los aos lugares de que gostam ou diminuir seus medos, estamos honrando-os.

Os pais, portanto, têm o dever de ser dignos de confiança, respeito e obediência. Criar filhos é uma forma de trabalho, e nenhum ambiente de trabalho exige padrões mais elevados de confiabilidade, compaixão, justiça e equidade. Como o apóstolo Paulo disse: “Pais, não irritem seus filhos; antes criem-nos segundo a instrução e o conselho do Senhor” (Ef 6.4). Somente pela graça de Deus alguém poderia esperar servir adequadamente como pai, outra indicação de que a adoração a Deus e a obediência aos seus caminhos estão implícitas em todo o Deuteronômio.

Em nosso ambiente de trabalho, podemos ajudar outras pessoas a cumprir o quinto mandamento, assim como nós mesmos obedecemos. Podemos lembrar que funcionários, clientes, colegas de trabalho, chefes, fornecedores e outros também têm família e, então, podemos ajustar nossas expectativas para apoiá-los a honrar suas famílias. Quando outras pessoas compartilham ou reclamam sobre suas dificuldades com os pais, podemos ouvi-las com compaixão, apoiá-las de forma prática (talvez oferecendo-se para fazer um turno no trabalho para que elas possam estar com os pais), talvez oferecer uma perspectiva piedosa para que considerem. Por exemplo, se um colega focado na carreira revela uma crise familiar, temos a chance de orar pela família e sugerir que ele pense em reequilibrar o tempo entre a carreira e a família.

“Não matarás” (Êxodo 20.13; Deuteronômio 5.17)

Voltar ao índice Voltar ao índice

Infelizmente, o sexto mandamento tem uma aplicação muito prática no ambiente de trabalho moderno, onde 10% de todas as mortes relacionadas ao trabalho (nos Estados Unidos) são homicídios. [1] No entanto, admoestar os leitores deste artigo para que “não mate ninguém no trabalho”, provavelmente não mudará muito essa estatística.

Mas o assassinato não é a única forma de violência no ambiente de trabalho, apenas a mais extrema. Jesus disse que até mesmo a ira é uma violação do sexto mandamento (Mt 5.21-22). Como Paulo observou, podemos não ser capazes de evitar o sentimento de raiva, mas podemos aprender a lidar com ele. “Quando vocês ficarem irados, não pequem. Apazigúem a sua ira antes que o sol se ponha” (Ef 4.26). A implicação mais significativa do sexto mandamento para o trabalho, então, pode ser: “Se você ficar com raiva no trabalho, procure ajuda para controlar a raiva”. Muitos empregadores, igrejas, entidades governamentais e organizações sem fins lucrativos oferecem aulas e aconselhamento sobre controle da raiva, e aproveitá-las pode ser uma maneira altamente eficaz de obedecer ao sexto mandamento.

Assassinato é homicídio intencional, mas a jurisprudência que decorre do sexto mandamento mostra que também temos o dever de evitar mortes não intencionais. Um caso que serve de ilustração é quando um boi (um animal de trabalho) chifra um homem ou uma mulher até a morte (Êx 21.28-29). Se o evento era previsível, o dono do boi deve ser tratado como um assassino. Em outras palavras, os proprietários/gerentes são responsáveis ​​por garantir a segurança no ambiente de trabalho dentro do razoável. Esse princípio está bem estabelecido na lei na maioria dos países, e a segurança no ambiente de trabalho é objeto de atenção significativa do governo, da autorregulamentação do setor e de políticas e práticas organizacionais. No entanto, ambientes de trabalho de todos os tipos continuam a exigir ou permitir que as pessoas trabalhem em condições desnecessariamente inseguras. Os cristãos que de alguma maneira ajudam a estabelecer as condições de trabalho, supervisionar os trabalhadores ou modelar as práticas no ambiente de trabalho são lembrados pelo sexto mandamento de que condições seguras de trabalho estão entre suas maiores responsabilidades no mundo do trabalho.

“Não adulterarás” (Êxodo 20.14; Deuteronômio 5.18)

Voltar ao índice Voltar ao índice

O ambiente de trabalho é um dos ambientes mais comuns de adultério, não necessariamente porque o adultério ocorre no próprio ambiente de trabalho, mas porque surge das condições de trabalho e do relacionamento com colegas de trabalho. A primeira aplicação ao ambiente de trabalho, então, é literal. As pessoas casadas não devem fazer sexo com pessoas que não sejam seus cônjuges, no trabalho ou por causa de seu trabalho. Algumas profissões, como a prostituição e a pornografia, quase sempre violam esse mandamento, pois quase sempre envolvem sexo entre pessoas que são casadas com outras pessoas. Mas qualquer tipo de trabalho que corroa os laços do casamento infringe o sétimo mandamento. Existem muitas maneiras pelas quais isso pode ocorrer. Um trabalho que incentiva fortes laços afetivos entre colegas de trabalho, sem apoiar adequadamente seus compromissos com os cônjuges, como pode acontecer em hospitais, empreendimentos, instituições acadêmicas e igrejas, entre outros lugares. Condições de trabalho que colocam as pessoas em contato físico próximo por períodos prolongados ou que não incentivam limites razoáveis ​​para encontros fora do expediente, como pode acontecer em tarefas de campo prolongadas. O trabalho pode sujeitar as pessoas a assédio sexual e a pressão para fazer sexo com aqueles que detêm poder sobre elas. O trabalho pode inflar o ego das pessoas ou expô-las à bajulação, como pode ocorrer com celebridades, atletas famosos, gurus dos negócios, altos funcionários do governo e os super-ricos. O trabalho pode exigir tanto tempo longe — física, mental ou emocionalmente — que desgasta os laços entre os cônjuges. Tudo isso pode representar perigos que os cristãos fariam bem em reconhecer e evitar, melhorar ou resguardar-se.

“Não furtarás” (Êxodo 20.15; Deuteronômio 5.19)

Voltar ao índice Voltar ao índice

O oitavo mandamento é outro que tem o trabalho como seu assunto principal. Roubar é uma violação do trabalho adequado, porque priva a vítima dos frutos de seu trabalho. Também é uma violação do mandamento de trabalhar seis dias por semana, já que, na maioria dos casos, o roubo é um atalho em relação ao trabalho honesto, o que mostra novamente a inter-relação dos Dez Mandamentos. Portanto, podemos tomar como palavra de Deus que não devemos roubar daqueles para quem, com quem ou entre quem trabalhamos.

A própria ideia de que existe algo como “roubar” implica a existência de propriedade e direitos de propriedade. Existem apenas três maneiras de adquirir coisas — fabricando-as nós mesmos, pela troca voluntária de bens e serviços com outras pessoas (comércio ou presentes) ou pelo confisco. O roubo é a forma mais flagrante de confisco, quando alguém toma o que pertence a outro e foge. Mas o confisco também ocorre em uma escala maior e mais sofisticada, como quando uma corporação frauda clientes ou um governo impõe uma tributação desastrosa a seus cidadãos. Essas instituições não respeitam os direitos de propriedade. Este não é o lugar para fazer comparações entre o que constitui o comércio justo e o monopolista ou entre a tributação legítima e a excessiva. Mas o oitavo mandamento nos diz que nenhuma sociedade pode prosperar quando os direitos de propriedade são violados impunemente por indivíduos, gangues criminosas, empresas ou governos.

Em termos práticos, isso significa que o furto ocorre de muitas formas, além do roubo propriamente dito. Sempre que nos apossamos de algo de valor sem consentimento de seu legítimo dono, estamos cometendo um roubo. Apropriar-se indevidamente de recursos ou fundos para uso pessoal é roubar. Usar o engano para fazer vendas, ganhar participação no mercado ou aumentar os preços é roubar, porque o engano significa que aquilo que o comprador adquire não é o que realmente pensava ser. (Veja a seção sobre “Exagero” em Verdade e Engano em www.teologiadotrabalho.org para saber mais sobre esse assunto.) Da mesma forma, lucrar tirando vantagem do medo, vulnerabilidade, impotência ou desespero das pessoas é uma forma de roubo, porque seu consentimento não é verdadeiramente voluntário. Violar patentes, direitos autorais e outras leis de propriedade intelectual é roubar porque priva os proprietários da capacidade de lucrar com sua criação, nos termos da lei civil.

O respeito pela propriedade e pelos direitos dos outros significa que não tomamos o que é deles nem nos intrometemos em seus assuntos. Mas isso não significa que olhamos apenas para nós mesmos. Deuteronômio 22.1 declara: “Se o boi ou a ovelha de um israelita se extraviar e você o vir, não ignore o fato, mas faça questão de levar o animal de volta ao dono”. Dizer “Não é da minha conta” não é desculpa para a insensibilidade.

Lamentavelmente, muitos trabalhos parecem incluir um elemento de aproveitar-se da ignorância dos outros ou da falta de alternativas para forçá-los a fazer transações com as quais, de outra forma, não concordariam. Empresas, governos, indivíduos, sindicatos e outros podem usar seu poder para coagir outras pessoas quanto a pagamento de salários, preços, termos financeiros, condições de trabalho, horários ou outros fatores injustos. Podemos até não estar roubando bancos, roubando de nossos empregadores ou furtando lojas, mas muito provavelmente podemos estar participando de práticas injustas ou antiéticas que privam outras pessoas de certos direitos que deveriam ser delas. Resistir a essas práticas pode ser difícil e até mesmo trazer consequências para nossa carreira, mas, mesmo assim, somos chamados a fazer isso.

“Não dirás falso testemunho contra o teu próximo” (Êxodo 20.16; Deuteronômio 5.20)

Voltar ao índice Voltar ao índice

O nono mandamento honra o direito à própria reputação. [1] Ele encontra aplicação direta em processos judiciais em que o que as pessoas dizem retrata a realidade e determina o curso da vida. Decisões judiciais e outros processos legais exercem grande poder. Manipulá-los mina o tecido ético da sociedade e, portanto, constitui uma ofensa muito grave. Walter Brueggemann diz que esse mandamento reconhece “que a vida em comunidade não é possível, a menos que haja uma arena na qual haja confiança pública de que a realidade social será descrita e relatada de forma confiável”. [2]

Embora afirmado na linguagem do tribunal, o nono mandamento também se aplica a uma ampla gama de situações que afetam praticamente todos os aspectos da vida. Nunca devemos dizer ou fazer algo que desvirtue outra pessoa. Brueggemann novamente fornece uma perspectiva:

Os políticos procuram destruir uns aos outros em campanhas negativas; colunistas de fofocas se alimentam de calúnias; e nas salas de estar cristãs, reputações são manchadas ou destruídas enquanto o café é servido em porcelana fina com a sobremesa. Esses tribunais informais são conduzidos sem o devido processo legal. Acusações são feitas; boatos são permitidos; difamações, perjúrios e comentários caluniosos são proferidos sem objeção. Sem provas, sem defesa. Como cristãos, devemos nos recusar a participar ou a tolerar qualquer conversa em que uma pessoa esteja sendo difamada ou acusada sem que a pessoa esteja presente para se defender. É errado transmitir boatos de qualquer forma, mesmo como pedidos de oração ou preocupações pastorais. Mais do que simplesmente não participar, cabe aos cristãos impedir os rumores e aqueles que os espalham. [3]

Isso sugere ainda que a fofoca no ambiente de trabalho é uma ofensa grave. Parte disso diz respeito a assuntos pessoais e externos, o que é bastante maligno. E quanto aos casos em que um funcionário mancha a reputação de um colega de trabalho? A verdade pode realmente ser dita quando aqueles de quem se fala não estão lá para falar por si mesmos? E as avaliações de desempenho? Que medidas devem ser adotadas para garantir que os relatórios sejam justos e precisos? Em larga escala, o negócio de marketing e propaganda opera no espaço público entre organizações e indivíduos. No interesse de apresentar os próprios produtos e serviços da melhor maneira possível, até que ponto se pode apontar as falhas e fraquezas da concorrência, sem incorporar a perspectiva dela? É possível que os direitos do seu “próximo” incluam os direitos de outras empresas? O escopo de nossa economia global sugere que esse mandamento pode ter uma aplicação muito ampla.

O mandamento proíbe especificamente falar falsamente sobre outra pessoa, mas levanta a questão de saber se devemos dizer a verdade em todo tipo de situação. A emissão de demonstrações financeiras falsas ou enganosas é uma violação do nono mandamento? E o que dizer de alegações de publicidade exageradas, mesmo que não depreciem falsamente os concorrentes? E quanto às garantias da administração que enganam os funcionários sobre demissões iminentes? Em um mundo em que a percepção muitas vezes conta para a realidade, a retórica da persuasão eficaz pode ou não ter muito a ver com a verdade genuína. A origem divina desse mandamento nos lembra de que as pessoas podem não ser capazes de detectar quando nossa representação dos outros é precisa ou não, mas Deus não pode ser enganado. Ao mesmo tempo, reconhecemos que o engano às vezes é praticado, aceito e até aprovado nas Escrituras. Uma teologia completa da verdade e do engano baseia-se em textos que incluem, mas não se limitam ao nono mandamento. (Veja Verdade e engano em www.teologiadotrabalho.org para uma discussão muito mais completa desse tópico, incluindo se a proibição de “falso testemunho contra o próximo” abrange todas as formas de mentira e engano.)

“Não cobiçarás a casa do teu próximo [...] nem coisa alguma que lhe pertença” (Êxodo 20.17; Deuteronômio 5.21)

Voltar ao índice Voltar ao índice

O décimo mandamento proíbe cobiçar qualquer coisa que pertença ao próximo (Dt 5.21). Não é errado notar as coisas que pertencem ao próximo, nem mesmo desejar obter essas coisas para nós mesmos legitimamente. A cobiça acontece quando alguém vê a prosperidade, as conquistas ou os talentos de outra pessoa e, em seguida, se ressente com isso, ou quer tomar aquilo para si, ou quer punir a pessoa bem-sucedida. É o dano a outra pessoa, o “próximo” — não o desejo de ter algo — que é proibido aqui.

Podemos nos inspirar no sucesso dos outros ou podemos cobiçar. A primeira atitude leva ao trabalho árduo e à prudência. A segunda atitude causa preguiça, gera desculpas para o fracasso e provoca atos de confisco. Nunca teremos sucesso se nos convencermos de que a vida é um jogo de soma zero e que, de alguma forma, somos prejudicados quando outras pessoas se saem bem. Nunca faremos grandes coisas se, em vez de trabalhar arduamente, fantasiarmos que as conquistas de outras pessoas são nossas. Aqui, novamente, o fundamento último desse mandamento é o mandamento de adorar somente a Deus. Se Deus é o foco de nossa adoração, o desejo por ele substitui todo desejo profano e cobiçoso por qualquer outra coisa, incluindo o que pertence ao próximo. Como o apóstolo Paulo disse: “Aprendi a ficar satisfeito com o que tenho” (Fp 4.11, NVT).

Deuteronômio, em relação a Êxodo, acrescenta as palavras “nem sua propriedade” à lista das coisas do próximo que não se deve cobiçar. Como nas outras adições aos Dez Mandamentos em Deuteronômio, esta chama a atenção para o ambiente de trabalho. Uma propriedade ou campo é um ambiente de trabalho, e cobiçar isso é cobiçar os recursos produtivos que outra pessoa possui.

A inveja e a ganância são de fato especialmente perigosas no trabalho, onde status, salário e poder são fatores rotineiros em nossos relacionamentos com as pessoas com quem passamos muito tempo. Podemos ter muitos bons motivos para desejar realizações, promoções ou recompensas no trabalho. Mas a inveja não é um deles, assim como não é um bom motivo trabalhar obsessivamente por inveja da posição social que isso pode possibilitar.

Em particular, enfrentamos no trabalho a tentação de inflar falsamente nossas realizações às custas dos outros. O antídoto é simples, embora às vezes difícil de fazer. Torne uma prática consistente reconhecer as realizações dos outros e dar a eles todo o crédito que merecem. Se pudermos aprender a nos alegrar com — ou pelo menos reconhecer — os sucessos dos outros, cortaremos a força vital da inveja e da cobiça em ação. Melhor ainda, se pudermos aprender a trabalhar para que nosso sucesso ande de mãos dadas com o sucesso dos outros, a cobiça será substituída pela colaboração e a inveja, pela unidade.

Leith Anderson, ex-pastor da Wooddale Church, em Eden Prairie, Minnesota, diz: “Como pastor titular, é como se eu tivesse um suprimento ilimitado de moedas no bolso. Sempre que dou crédito a um membro da equipe por uma boa ideia, elogio o trabalho de um voluntário ou agradeço a alguém, é como se estivesse enfiando uma moeda do meu bolso no dele. Esse é o meu trabalho como líder, passar moedas do meu bolso para o bolso dos outros, para aumentar o apreço que outras pessoas têm por elas.” [1]