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Decretos e ordenanças (Deuteronômio 4.44—28.68)

Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do Trabalho
Washington d c 227554 640

Na segunda parte de seu segundo discurso, Moisés descreve em detalhes os “decretos e ordenanças” que Deus ordena que Israel obedeça (Dt 6.1). Essas regras lidam com uma ampla gama de assuntos, incluindo guerra, escravidão, dízimos, festas religiosas, sacrifícios, comida kosher, profecia, monarquia e o santuário central. Esse material contém várias passagens que falam diretamente à teologia do trabalho. Vamos explorá-las em sua ordem bíblica.

As bênçãos de obedecer à aliança de Deus (Deuteronômio 7.12-15; 28.2-12)

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Mesmo que os mandamentos, decretos e ordenanças da aliança de Deus possam parecer não passar de um fardo para Israel, Moisés nos lembra que seu propósito principal é nos abençoar.

Se vocês obedecerem a essas ordenanças, as guardarem e as cumprirem, então o Senhor, o seu Deus, manterá com vocês a aliança e a bondade que prometeu sob juramento aos seus antepassados. Ele os amará, os abençoará e fará com que vocês se multipliquem. Ele abençoará os seus filhos e os frutos da sua terra: o cereal, o vinho novo e o azeite, as crias das vacas e das ovelhas, na terra que aos seus antepassados jurou dar a vocês. (Dt 7.12-13)

Todas estas bênçãos virão sobre vocês e os acompanharão, se vocês obedecerem ao Senhor, o seu Deus: “Vocês serão abençoados na cidade e serão abençoados no campo. Os filhos do seu ventre serão abençoados, como também as colheitas da sua terra e os bezerros e os cordeiros dos seus rebanhos. A sua cesta e a sua amassadeira serão abençoadas. Vocês serão abençoados em tudo o que fizerem... O Senhor lhes concederá grande prosperidade, no fruto do seu ventre, nas crias dos seus animais e nas colheitas da sua terra, nesta terra que ele jurou aos seus antepassados que daria a vocês. O Senhor abrirá o céu, o depósito do seu tesouro, para enviar chuva à sua terra no devido tempo e para abençoar todo o trabalho das suas mãos”. (Dt 28.2-7,11-12)

A obediência à aliança deve ser uma fonte de bênção, prosperidade, alegria e saúde para o povo de Deus. Como Paulo diz: “A Lei é santa, e o mandamento é santo, justo e bom” (Rm 7.12), e “O amor é o cumprimento da Lei” (Rm 13.10).

Isso não deve ser confundido com o chamado “Evangelho da Prosperidade”, que afirma incorretamente que Deus inevitavelmente traz riqueza e saúde aos indivíduos que ganham seu favor. Significa que, se o povo de Deus vivesse de acordo com sua aliança, o mundo seria um lugar melhor para todos. Obviamente, o testemunho cristão é que não somos capazes de cumprir a lei por meio de qualquer poder que possamos ter. É por isso que há uma nova aliança em Cristo, na qual a graça de Deus se torna disponível para nós por meio da morte e ressurreição de Cristo, em vez de ser limitada por nossa própria obediência. Ao viver em Cristo, descobrimos que somos capazes de amar e servir a Deus, e que, por fim, recebemos as bênçãos descritas por Moisés, de modo parcial nos dias atuais e de modo completo depois, quando Cristo levar o Reino de Deus ao seu cumprimento.

De qualquer forma, a obediência à aliança de Deus é o tema abrangente que atravessa o livro de Deuteronômio. Além dessas três passagens extensas, o tema é abordado em muitas ocasiões breves ao longo do livro, e Moisés retorna a ele em seu discurso final, ao fim de sua vida, nos capítulos 29 e 30.

Os perigos da prosperidade (Deuteronômio 8.11-20)

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Em contraste com a alegre obediência a Deus está a arrogância que muitas vezes acompanha a prosperidade. Isso é semelhante ao perigo da acomodação sobre o qual Moisés adverte em Deuteronômio 4.25-40, mas com foco no orgulho ativo, em vez de no direito passivo.

Não aconteça que, depois de terem comido até ficarem satisfeitos, de terem construído boas casas e nelas morado, de aumentarem os seus rebanhos, a sua prata e o seu ouro, e todos os seus bens, o seu coração fique orgulhoso e vocês se esqueçam do Senhor, o seu Deus, que os tirou do Egito, da terra da escravidão. (Dt 8.12-14)

Quando, depois de muitos anos de suor, uma pessoa vê um negócio, uma carreira, um projeto de pesquisa, a criação dos filhos ou outro trabalho se tornar um sucesso, ela terá um senso de orgulho justificável. Mas podemos abrir as portas para que o orgulho alegre se transforme em arrogância. Deuteronômio 8.17-18 nos lembra: “Não digam, pois, em seu coração: ‘A minha capacidade e a força das minhas mãos ajuntaram para mim toda esta riqueza’. Mas, lembrem-se do Senhor, o seu Deus, pois é ele que lhes dá a capacidade de produzir riqueza, confirmando a aliança que jurou aos seus antepassados, conforme hoje se vê”. Como parte de sua aliança com seu povo, Deus nos dá a capacidade de nos engajarmos na produção econômica. Precisamos lembrar, no entanto, que isto é um dom de Deus. Quando atribuímos nosso sucesso inteiramente a nossas habilidades e esforços, esquecemos que Deus nos deu essas habilidades, bem como a própria vida. Não criamos a nós mesmos. A ilusão de autossuficiência nos torna insensíveis. Como sempre, a adoração adequada e a consciência da dependência de Deus fornecem o antídoto (Dt 8.18).

Generosidade e bênção de Deus (Deuteronômio 15.7-11)

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O tema da generosidade surge em Deuteronômio 15.7-8: “Se houver algum israelita pobre em qualquer das cidades da terra que o Senhor, o seu Deus, lhes está dando, não endureçam o coração, nem fechem a mão para com o seu irmão pobre. Ao contrário, tenham mão aberta”. Generosidade e compaixão são a essência da aliança. “Dê-lhe generosamente, e sem relutância no coração; pois, por isso, o Senhor, o seu Deus, o abençoará em todo o seu trabalho e em tudo o que você fizer” (Dt 15.10). Nosso trabalho só se torna plenamente abençoado quando abençoa os outros. Como Paulo disse: “o amor é o cumprimento da Lei” (Rm 13.10).

Para a maioria de nós, o dinheiro ganho com o trabalho nos dá os meios para sermos generosos. Será que realmente usamos isso generosamente? Além disso, há maneiras em que podemos ser generosos em nosso próprio trabalho? A passagem fala da generosidade especificamente como um aspecto do trabalho (“todo o seu trabalho”). Se um colega de trabalho precisa de ajuda para desenvolver uma habilidade ou capacidade, ou de uma palavra honesta de recomendação nossa, ou de paciência para lidar com suas deficiências, essas poderiam ser oportunidades de praticar a generosidade? Esses tipos de generosidade podem nos custar tempo e dinheiro, ou podem ainda exigir que reconsideremos nossa autoimagem, examinemos nossa conivência e questionemos nossos motivos. Se pudéssemos de bom grado fazer esses sacrifícios, será que abriríamos uma nova porta para a bênção de Deus por meio de nosso trabalho?

Escravidão (Deuteronômio 15.12-18)

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Um tópico preocupante em Deuteronômio é a escravidão. A permissão da escravidão no Antigo Testamento gera muito debate, e não podemos resolver todas as questões aqui. Não devemos, no entanto, equiparar a escravidão israelita à escravidão na era moderna. A última envolveu o sequestro de africanos ocidentais de sua terra natal para venda como escravos, seguido pela escravização perpétua de seus descendentes. O Antigo Testamento condena esse tipo de prática (Am 1.6) e a torna punível com a morte (Dt 24.7; Êx 21.16). Os israelitas se tornavam escravos uns dos outros, não por sequestro ou nascimento infeliz, mas por causa de dívidas ou pobreza (Dt 15.12). A escravidão era preferível à fome, e as pessoas podiam se vender como escravas para pagar uma dívida e pelo menos ter onde morar. Mas a escravidão não deveria durar a vida toda. “Se seu compatriota hebreu, homem ou mulher, vender-se a você e servi-lo seis anos, no sétimo ano dê-lhe a liberdade” (Dt 15.12). Após a libertação, os ex-escravos deveriam receber uma parte da riqueza que seu trabalho havia gerado. “Não o mande embora de mãos vazias. Dê-lhe com generosidade dos animais do seu rebanho e do produto da sua eira e do seu tanque de prensar uvas. Dê-lhe conforme a bênção que o Senhor, o seu Deus, lhe tem dado” (Dt 15.13-14).

Em algumas partes do mundo, as pessoas ainda são vendidas (geralmente pelos pais) para pagar uma dívida — uma forma de trabalho que é escravidão em tudo, menos no nome. Outros podem ser atraídos para o tráfico sexual, do qual é difícil ou impossível escapar. Em alguns lugares, os cristãos estão liderando a erradicação dessas práticas, mas muito mais pode ser feito. Imagine a diferença que faria se muito mais igrejas e cristãos fizessem disso uma alta prioridade para a missão e a ação social.

Nos países mais desenvolvidos, trabalhadores desesperados não são vendidos para o trabalho involuntário, mas aceitam quaisquer empregos que possam encontrar. Se Deuteronômio contém proteções até mesmo para escravos, essas proteções não se aplicam também aos trabalhadores? Deuteronômio exige que os senhores cumpram os termos do contrato e os regulamentos trabalhistas, incluindo a data fixa de liberação, o fornecimento de comida e abrigo e a responsabilidade pelas condições de trabalho. As horas de trabalho devem ser razoavelmente limitadas, incluindo um dia de folga semanal (Dt 5.14). Mais significativamente, os senhores devem considerar os escravos como iguais aos olhos de Deus, lembrando que todo o povo de Deus é formado por escravos resgatados. “Lembre-se de que você foi escravo no Egito e que o Senhor, o seu Deus, o redimiu. É por isso que hoje lhe dou essa ordem” (Dt 15.15).

Empregadores modernos podem abusar de trabalhadores desesperados de maneira semelhante à forma como os antigos senhores abusavam de escravos. Será que os trabalhadores perdem essas proteções simplesmente porque não são realmente escravos? De qualquer maneira, os empregadores têm o dever de, pelo menos, não tratar os trabalhadores como se fossem escravos. Os trabalhadores vulneráveis ​​de hoje podem enfrentar imposições para trabalhar horas extras sem remuneração, dar comissões a gerentes, trabalhar em condições perigosas ou tóxicas, pagar pequenos subornos para conseguir turnos, sofrer assédio sexual ou tratamento degradante, receber benefícios inferiores, sofrer discriminação ilegal e outras formas de maus-tratos. Mesmo trabalhadores abastados podem ver que lhes é negada injustamente uma parte razoável dos frutos de seu trabalho.

Para os leitores modernos, a aceitação da escravidão temporária pela Bíblia parece difícil de aceitar — embora reconheçamos que a escravidão antiga não era o mesmo que a escravidão dos séculos 16 ao 19 — e podemos ser gratos pelo fato de a escravidão ser, pelo menos tecnicamente, ilegal em todos os lugares hoje. Mas, em vez de considerar obsoleto o ensino bíblico sobre a escravidão, faríamos bem em trabalhar para abolir as formas modernas de servidão involuntária, ao mesmo tempo em que devemos seguir e promover as proteções da Bíblia para os membros economicamente desfavorecidos da sociedade.

Suborno e corrupção (Deuteronômio 16.18-20)

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A eficácia dos direitos de propriedade e da proteção dos trabalhadores geralmente depende da aplicação da lei e dos sistemas judiciais. A imposição de Moisés para com os juízes e oficiais é especialmente importante quando se trata de trabalho. “Não pervertam a justiça nem mostrem parcialidade. Não aceitem suborno, pois o suborno cega até os sábios e prejudica a causa dos justos” (Dt 16.19). A justiça imparcial seria fundamental: “Sigam única e exclusivamente a justiça, para que tenham vida e tomem posse da terra que o Senhor, o seu Deus, lhes dá” (Dt 16.20).

Os ambientes de trabalho e as sociedades modernas não estão menos suscetíveis ao suborno, à corrupção e ao preconceito do que o antigo Israel. De acordo com as Nações Unidas, o maior impedimento ao crescimento econômico nos países menos desenvolvidos são as falhas na aplicação imparcial das leis. [1] Em lugares onde a corrupção é endêmica, pode ser impossível ganhar a vida, atravessar a cidade ou viver em paz sem pagar suborno. Essa lei parece reconhecer que, em geral, aqueles que têm o poder de exigir subornos são mais culpados do que aqueles que concordam em pagá-los, pois a proibição é contra aceitar subornos, não contra pagá-los. Mesmo assim, tudo o que os cristãos podem fazer para reduzir a corrupção — seja no dar ou no receber — é uma contribuição para as decisões justas (Dt 16.18), que são sagradas para o Senhor. (Para uma exploração mais aprofundada das aplicações econômicas do estado de direito, veja “Propriedade da terra e direitos de propriedade” em Números 26—27; 36.1-12.

Obedecer às decisões dos tribunais (Deuteronômio 17.8-13)

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Moisés estabelece um sistema de tribunais de primeira instância e tribunais de apelação que são surpreendentemente semelhantes à estrutura dos tribunais de justiça modernos. Ele ordena ao povo que obedeça às suas decisões. “Procedam de acordo com a sentença e as orientações que eles lhes derem. Não se desviem daquilo que eles lhes determinarem, nem para a direita, nem para a esquerda” (Dt 17.11).

Os ambientes de trabalho hoje são regidos por leis, regulamentos e costumes, com procedimentos, tribunais e processos de apelação para interpretá-los e aplicá-los adequadamente. Devemos obedecer a essas estruturas legais, como Paulo também afirmou (Rm 13.1). Em alguns países, leis e regulamentos são rotineiramente ignorados por quem está no poder ou burlados por suborno, corrupção ou violência. Em outros países, as empresas e outras instituições de trabalho raramente infringem a lei intencionalmente, mas podem tentar infringi-la por meio de ações judiciais incômodas, favores políticos ou lobbies que se opõem ao bem comum. Mas os cristãos são chamados a respeitar o estado de direito, bem como obedecer, defender e procurar fortalecê-lo. Isso não quer dizer que a desobediência civil nunca tenha lugar. Algumas leis são injustas e devem ser quebradas se a mudança não for viável. Mas esses casos são raros e sempre envolvem sacrifício pessoal em busca do bem comum. Subverter a lei para fins de interesse próprio, por outro lado, não é justificável.

De acordo com Deuteronômio 17.9, tanto sacerdotes quanto juízes — ou, como poderíamos dizer hoje, tanto o espírito quanto a letra — são essenciais para a Lei. Se nos encontrarmos presos a certos pontos, explorando tecnicalidades legais para justificar práticas questionáveis, talvez precisemos de um bom teólogo tanto quanto de um bom advogado. Precisamos reconhecer que as decisões que as pessoas tomam no trabalho “secular” são questões teológicas, não meramente jurídicas e técnicas. Imagine um cristão moderno pedindo a seu pastor que o ajude a pensar em uma decisão importante no trabalho, quando as questões éticas ou legais parecerem complicadas. Para que isso valha a pena, o pastor precisa entender que o trabalho é um empreendimento profundamente espiritual e que eles precisam aprender a oferecer assistência útil aos trabalhadores. Talvez um primeiro passo seja simplesmente perguntar às pessoas sobre seu trabalho. “Que ações e decisões você toma diariamente?” “Quais desafios você enfrenta?” “Sobre quais assuntos você gostaria de ter alguém para conversar?” “Como posso orar por você?"

Usando a autoridade com justiça (Deuteronômio 17.14-20)

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Assim como pessoas e instituições não devem violar a autoridade legítima, pessoas em posições de poder não devem usar sua autoridade de forma ilegítima. Moisés lida especificamente com o caso de um rei.

Esse rei, porém, não deverá adquirir muitos cavalos... Ele não deverá tomar para si muitas mulheres; se o fizer, desviará o seu coração. Também não deverá acumular muita prata e muito ouro. Quando subir ao trono do seu reino, mandará fazer num rolo, para o seu uso pessoal, uma cópia da lei... Trará sempre essa cópia consigo e terá que lê-la todos os dias da sua vida, para que aprenda a temer o Senhor, o seu Deus, e a cumprir fielmente todas as palavras desta lei, e todos estes decretos (Dt 17.16-19).

Nesse texto, vemos duas restrições ao uso da autoridade — aqueles que exercem autoridade não estão acima da lei, mas devem sujeitar-se a ela e defendê-la; e aqueles que exercem autoridade não devem abusar de seu poder para enriquecer.

Hoje, pessoas em posições de autoridade podem tentar se colocar acima da lei, como, por exemplo, quando policiais e agentes judiciais “dão um jeitinho” em multas de trânsito para si e para seus amigos, ou quando funcionários públicos de alto escalão ou funcionários de empresas não obedecem às políticas de despesas a que outros estão sujeitos. Da mesma forma, os funcionários podem usar seu poder para enriquecer recebendo subornos, isenções de zoneamento e licenciamento, acesso a informações privilegiadas ou uso pessoal de propriedade pública ou privada. Às vezes, benefícios especiais são concedidos aos que estão no poder por uma questão de política ou lei, mas isso não elimina realmente a infração. A ordem de Moisés aos reis não é para se certificar de obter autorização legal para seus excessos, mas para evitar completamente os excessos. Quando aqueles que estão no poder usam sua autoridade não apenas para obter privilégios especiais, mas para criar monopólios para seus comparsas, apropriar-se de terras e de bens ou, ainda, prender, torturar ou matar oponentes, as apostas se tornam mortais. Não há diferença de tipo entre pequenos abusos de poder e opressão totalitária, apenas em grau.

Quanto mais autoridade você tiver, maior será a tentação de agir como se estivesse acima da lei. Moisés prescreve um antídoto. O rei deve ler a lei (ou palavra) de Deus todos os dias de sua vida. Ele não apenas deve ler, mas deve desenvolver a habilidade de interpretar e aplicar essa lei de maneira correta e justa. Ele deve desenvolver o hábito de obedecer à palavra de Deus, de colocá-la em prática em seu trabalho, a fim de “cumprir fielmente todas as palavras desta lei” (Dt 17.19). Por meio disso, o rei aprende a reverenciar o Senhor e a cumprir as responsabilidades que Deus lhe deu. Assim ele é lembrado de que também está debaixo de uma autoridade. Deus não lhe dá o privilégio de fazer uma lei para si mesmo, mas o dever de cumprir a lei de Deus para o benefício de todos.

O mesmo vale hoje para aqueles que exercem autoridade de qualquer tipo, mesmo que seja mera autoridade para fazer seu próprio trabalho. Para exercer autoridade com justiça, você precisa se envolver novamente com as Escrituras todos os dias de sua vida e procurar aplicá-las todos os dias às circunstâncias comuns do trabalho. Isso sugere que os trabalhadores cristãos precisam saber o suficiente sobre as Escrituras para aplicá-las ao seu trabalho, e as igrejas precisam treinar pessoas na habilidade de aplicá-las ao ambiente de trabalho. Somente pela arte da prática contínua, não nos voltando nem para a esquerda nem para a direita da palavra de Deus, podemos domar o impulso de fazer mau uso da autoridade. O resultado é que o líder serve à comunidade (Dt 17.20), e não o contrário.

Combine essa percepção com nossa observação anterior de que pastores e teólogos precisam aprender o suficiente sobre o trabalho para saber como oferecer assistência útil aos trabalhadores. Isso sugere que as igrejas e as instituições que treinam e apoiam os líderes da igreja precisam criar diálogos significativos entre pastores e trabalhadores, para que possam entender mais sobre o trabalho uns dos outros.

Empregando recursos para o bem comum (Deuteronômio 23.1—24.13)

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Deuteronômio exige que os proprietários de recursos produtivos os empreguem para beneficiar a comunidade, e faz isso de maneira clara. Por exemplo, os proprietários de terras devem permitir que os vizinhos usem suas terras para ajudar a atender às suas necessidades imediatas. “Se vocês entrarem na vinha do seu próximo, poderão comer as uvas que desejarem, mas nada poderão levar em sua cesta. Se entrarem na plantação de trigo do seu próximo, poderão apanhar espigas com as mãos, mas nunca usem foice para ceifar o trigo do seu próximo” (Dt 23.24-25). Essa era a lei que permitia aos discípulos de Jesus colher grãos dos campos locais enquanto seguiam seu caminho (Mt 12.1). Os respigadores eram responsáveis ​​por colher alimentos para si mesmos, e os proprietários de terras eram responsáveis ​​por dar-lhes acesso para fazê-lo. (Veja “Colheita e respiga” em Levítico 19.9-10 para saber mais sobre essa prática.)

Da mesma forma, aqueles que emprestam dinheiro não devem exigir termos que ponham em risco a saúde ou a subsistência que quem toma o empréstimo (Dt 23.19-20; 24.6,10-13). Em alguns casos, eles devem até estar dispostos a emprestar quando houver probabilidade de perda, simplesmente porque a necessidade do próximo é muito grande (Dt 15.7-9). Veja “Empréstimos e garantias” em Êxodo 22.25-27 para obter mais detalhes.

Deus exige que nossos recursos estejam disponíveis aos necessitados, ao mesmo tempo em que devemos exercer uma boa mordomia dos recursos que ele nos confia. Por um lado, tudo o que temos pertence a Deus, e seu mandamento é que usemos o que é dele para o bem da comunidade (Dt 15.7). Por outro lado, Deuteronômio não trata o campo de uma pessoa como propriedade comum. Os forasteiros não podiam levar tanto quanto quisessem. A exigência de contribuição para o bem público é estabelecida dentro de um sistema de propriedade privada como principal meio de produção. O equilíbrio entre propriedade privada e pública e a adequação de vários sistemas econômicos às sociedades de hoje são questões de debate para a qual a Bíblia pode contribuir com princípios e valores, mas não pode prescrever regulamentos.

Justiça econômica (Deuteronômio 24.14-15; 25.19; 27.17-25)

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Diferenças de classe e riqueza podem criar oportunidades para injustiça. O que se exige é que os trabalhadores sejam tratados com justiça. Lemos em Deuteronômio 24.14: “Não se aproveitem do pobre e necessitado, seja ele um irmão israelita ou um estrangeiro que viva numa das suas cidades”. Nem os pobres nem os estrangeiros tinham posição na comunidade para desafiar os ricos proprietários de terras nos tribunais e, portanto, eram vulneráveis ​​a esse tipo de abuso. Tiago 5.4 contém uma mensagem semelhante. Os empregadores devem considerar como sagradas e irrevogáveis suas obrigações para com todos os funcionários, mesmo os mais humildes.

O que se espera também é que os clientes com justiça. “Não tenham na bolsa dois padrões para o mesmo peso, um maior e outro menor” (Dt 25.13). Os pesos em questão são usados ​​para medir grãos ou outras commodities em uma venda. O vendedor poderia obter vantagens se pesasse o grão usando um peso mais leve do que o informado. O comprador lucraria usando um peso falsamente mais pesado. Mas Deuteronômio exige que uma pessoa sempre use o mesmo peso, seja comprando ou vendendo. A proteção contra fraudes não se limita a vendas feitas a clientes, mas a todos os tipos de negócios com todas as pessoas ao nosso redor.

Maldito quem mudar o marco de divisa da propriedade do seu próximo. (Dt 27.17)
Maldito quem fizer o cego errar o caminho. (Dt 27.18)
Maldito quem negar justiça ao estrangeiro, ao órfão ou à viúva. (Dt 27.19)
Maldito quem aceitar pagamento para matar um inocente. (Dt 27.25)

Em princípio, essas regras proíbem todo tipo de fraude. Como uma analogia moderna, uma empresa pode conscientemente vender um produto defeituoso, sem se importar com as implicações morais. Os clientes podem abusar das políticas da loja ao devolver mercadorias usadas. As empresas podem emitir demonstrações financeiras sem respeitar os princípios contábeis geralmente aceitos. Os trabalhadores, durante seu horário de trabalho, podem cuidar de assuntos pessoais e deixar de realizar seu trabalho. Essas práticas não são apenas injustas, mas também violam o compromisso de adorar somente a Deus: “Vocês serão um povo santo para o Senhor, o seu Deus” (Dt 26.19).