Bootstrap

Jesus ensina Nicodemos (Jo 3.1-21)

Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do Trabalho
Jesus hand all things

Os debates de Jesus com Nicodemos e com seus discípulos guardam inúmeros tesouros. Começaremos com um versículo que tem profundas implicações para o trabalho humano. “O Pai ama o Filho e entregou tudo em suas mãos” (Jo 3.35). Embora o contexto imediato destaque o fato de que o Filho fala as palavras do Pai, o restante do Evangelho deixa claro que “tudo” significa realmente “tudo”. Deus autorizou seu Messias a criar todas as coisas, Deus sustenta todas as coisas por meio dele e, através dele, Deus levará todas as coisas ao seu objetivo designado.

Essa passagem reitera o que aprendemos no prólogo: o Pai envolve o Filho na fundação e na sustentação do mundo. O fato novo é a revelação do motivo pelo qual o Pai escolheu incluir o Filho, em vez de simplesmente criar por si mesmo. Foi um ato de amor. O Pai mostra seu amor pelo Filho colocando todas as coisas em suas mãos, a começar pelo ato da criação. O mundo é um “trabalho de amor” no sentido mais amplo da expressão. O trabalho precisa ser algo mais maravilhoso do que costumamos acreditar se aumentar a carga de trabalho de alguém for um ato de amor. Desenvolveremos ainda mais essa ideia tão importante à medida que virmos Jesus em ação ao longo do restante do Evangelho.

Mas o capítulo 3 faz mais do que reiterar como a Palavra assumiu a condição humana. Também ilustra o processo inverso, ou seja, como a carne humana pode se tornar cheia do espírito de Deus. “Digo a verdade: Ninguém pode entrar no Reino de Deus se não nascer da água e do Espírito” (Jo 3.5). Recebemos o Espírito de Deus (“entrar no Reino de Deus”) por meio de uma forma de nascimento. O nascimento é um processo que ocorre na carne. Quando nos tornamos verdadeiramente espirituais, não abandonamos a carne e entramos em algum estado imaterial. Em vez disso, nascemos de forma mais perfeita — nascidos “de novo” (Jo 3.3) — em um estado de união de Espírito e carne, como o próprio Jesus.

Durante sua conversa com Nicodemos, Jesus diz que “quem pratica a verdade vem para a luz, para que se veja claramente que as suas obras são realizadas por intermédio de Deus” (Jo 3.21). Mais tarde, ele usa a metáfora de andar na luz para ilustrar a mesma ideia (Jo 8.12; 11.9-10; 12.35-36). Isso tem implicações éticas importantes para o trabalho. Se realizarmos todo o nosso trabalho abertamente, teremos uma ferramenta poderosa para permanecermos fiéis à ética do reino de Deus. Contudo, esconder ou obscurecer nosso trabalho poderá ser uma forte indicação de que estamos seguindo um caminho antiético. Não se trata de uma regra rígida, pois o próprio Jesus às vezes agia em segredo (Jo 7.10), assim como seus seguidores, como José de Arimateia (Jo 19.38). Mas, pelo menos, poderíamos perguntar: “A quem meu segredo está realmente protegendo?”.

Considere, por exemplo, uma pessoa que faz negócios em um local onde as autoridades locais solicitam suborno frequentemente. A solicitação é sempre feita em segredo. Não se trata de um pagamento documentado e aberto, como é o caso de uma gorjeta ou de uma taxa de urgência. Não há recibos, e a transação não é registrada em lugar algum. As palavras de João 3.20-21: “quem pratica a verdade vem para a luz", podem ser uma inspiração para dar transparência a essas solicitações. O empresário poderia dizer ao funcionário que está solicitando o suborno: "Não sei muito sobre esse tipo de pagamento. Gostaria de chamar o embaixador ou a gerência para documentá-lo". Não se trata de uma recusa direta, mas de uma solicitação para que o pagamento seja feito com transparência. Algumas pessoas consideram essa resposta gentil como uma estratégia útil para lidar com expectativas de suborno.

É importante entender que a metáfora de andar na luz não constitui uma regra universal. Confidencialidade e sigilo podem ter um lugar adequado no trabalho, como em questões pessoais, privacidade on-line ou segredos comerciais. Porém, mesmo que lidemos com informações que não devem ser tornadas públicas, raramente precisamos agir em completa obscuridade. Se estivermos escondendo nossas ações das pessoas do departamento ou das que têm um interesse legítimo, ou ainda, se tivermos vergonha de ver tais ações relatadas nos noticiários, talvez seja uma boa indicação de que estamos agindo de forma antiética.