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A concubina do levita: a depravação humana e a cumplicidade das autoridades religiosas (Juízes 18—21)

Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do Trabalho
Aaa le vengeur inconnu

O episódio final de Juízes é o acontecimento mais terrível na longa queda de Israel para a depravação, a idolatria e a anarquia. Alguns homens da tribo de Dã fogem com todo o empreendimento religioso de Mica, incluindo o levita e o ídolo (Jz 18.1-31). O levita leva uma concubina de uma aldeia distante (Belém, por acaso), mas, depois de uma briga doméstica, ela volta para a casa de seu pai. O levita vai a Belém para recuperá-la. Depois de uma bebedeira de cinco dias com o pai dela, o levita começa, tolamente, a jornada de volta para casa, pouco antes do pôr do sol. Eles se encontram sozinhos à noite, na praça de uma aldeia da tribo de Benjamim. Ninguém os acolheu, até que, por fim, um velho oferece a hospitalidade de um lugar para passar a noite.

Naquela noite, os homens da cidade cercam a casa e exigem que o velho traga o estranho para que possam abusar dele (Jz 19.22). O velho tenta proteger o estranho, mas sua ideia de proteger os visitantes é de virar o estômago, para dizer o mínimo. A fim de poupar o levita, o homem oferece sua própria filha e a concubina do levita para que os homens abusem delas. O próprio levita expulsa a concubina porta afora, talvez no mais antigo exemplo registrado em que uma autoridade religiosa se mostra cúmplice com o abuso sexual. “E eles a violentaram e abusaram dela a noite toda. Ao alvorecer a deixaram” (Jz 19.25). Seu corpo é posteriormente desmembrado e disperso para as tribos de Israel, que quase exterminam a tribo de Benjamim em represália (Jz 20—21). A influência cananeia sobre os israelitas era completa. [1]

A linha final do livro resume as coisas de forma sucinta. “Naquela época não havia rei em Israel; cada um fazia o que lhe parecia certo” (Jz 21.25). Caso não seja óbvio, isso significa que, sem uma liderança que levasse o povo a servir ao Senhor, as pessoas seguiam seus próprios artifícios e desejos malignos, não que a bússola moral inerente às pessoas as levasse a fazer o que é certo sem precisar de supervisão.

Em nossas esferas de trabalho hoje, as ameaças contra os mais fracos — incluindo o abuso de mulheres e estrangeiros — continuam a ser surpreendentemente comuns. Individualmente, temos de escolher se ficamos ao lado daqueles que enfrentam injustiça — sem dúvida, um risco para nós mesmos — ou se ficamos quietos até que o dano tenha passado.

Organizacional e socialmente, temos de decidir se trabalhamos por sistemas e estruturas que restringem os males do comportamento humano ou se ficamos de lado enquanto todos fazem o que acham certo aos seus próprios olhos. Mesmo nossa passividade pode contribuir para abusos em nosso ambiente de trabalho, especialmente se não estivermos em posições de autoridade. Mas, sempre que os outros perceberem que você tem poder — por exemplo, porque você é mais velho, trabalha na empresa há mais tempo, está mais bem vestido, é visto frequentemente conversando com o chefe, pertence a um grupo étnico ou linguístico privilegiado, tem mais educação ou é melhor em se expressar — e você não consegue defender aqueles que estão sendo abusados, está contribuindo para o sistema de abuso. Por exemplo, se as pessoas tendem a pedir ajuda, isso significa que você tem uma quantidade significativa de poder percebido. Se, então, você fica de braços cruzados quando uma piada depreciativa é contada ou um novo funcionário é intimidado, está adicionando seu peso ao fardo da vítima e ajudando a preparar o caminho para o próximo abuso.

Ler os acontecimentos horríveis nos últimos capítulos de Juízes pode nos tornar gratos por não vivermos naqueles dias. Mas, se estivermos realmente conscientes, podemos ver que o simples ato de trabalhar é tão carregado de significado moral quanto o trabalho de qualquer líder ou pessoa no antigo Israel.