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A realização da fé (Hb 10.19—11.40)

Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do Trabalho
Realizing the faith

Seguir Jesus é um trabalho árduo, e somente a fé no cumprimento de suas promessas pode nos manter firmes. “Ora, a fé é a confiança daquilo que esperamos e a certeza das coisas que não vemos” (Hb 11.1). Precisamos ter fé na veracidade das promessas feitas por Deus, por mais improváveis que possam parecer nas circunstâncias atuais. Uma tradução mais precisa desse versículo nos ajuda a ver a importância prática da fé. “Ora, a fé é a realização das coisas que se esperam, a prova de coisas que não se veem”. [1] “Realização” é particularmente apropriado aqui, porque as diversas acepções dessa palavra capturam perfeitamente as nuances dos exemplos de fé dados em Hebreus 11. Quando enfim vemos as coisas com clareza, essa é uma forma de realização. Finalmente entendemos. Mas a segunda forma de realização é ver as coisas se tornarem reais, quando o que esperávamos finalmente se tornar realidade. Os heróis da fé em Hebreus 11 percebem isso de ambas as maneiras. Retomando a segunda metade do versículo, eles estão tão convencidos do que Deus disse que provam isso por suas ações.

Hebreus nos apresenta os exemplos práticos de Noé, Abraão, Moisés e outros do Antigo Testamento. Todos eles estavam ansiosos pelo cumprimento da promessa de Deus, por algo melhor do que sua experiência atual. Noé tinha fé no mundo justo além do dilúvio, e percebeu que fé significava construir uma arca para salvar sua casa (Hb 11.7). Abraão tinha fé no reino vindouro (ou “cidade”) de Deus (Hb 11.10), e percebeu que fé significava partir em uma jornada para a terra que Deus lhe havia prometido, mesmo que ele não soubesse para onde se dirigia (Hb 11.8-12). Moisés tinha fé em uma vida em Cristo que superava muito os prazeres que ele poderia ter reivindicado como filho da filha de Faraó, e percebeu que fé significava preferir “ser maltratado com o povo de Deus a desfrutar o prazer transitório do pecado”(Hb 11.25-26). Essas esperanças e promessas não foram completamente cumpridas na vida deles, mas viveram todos os dias como se já estivessem experimentando o poder de Deus para cumpri-las.

Esse tipo de fé não é ilusão. É levar a sério a autorrevelação de Deus nas Escrituras (Hb 8.10-11), combinada com um “ arrependimento de atos que conduzem à morte” (Hb 6.1), perseverança em “amor” e “boas obras” (Hb 10.24) e uma capacidade de ver a mão de Deus em ação no mundo (Hb 11.3), apesar do mal e do quebrantamento ao nosso redor. Em última análise, a fé é um dom do Espírito Santo (Hb 2.4), pois nunca poderíamos nos apegar a ela por nossa própria força de vontade.

Essa foi uma mensagem crucial para o público de hebreus, que foi tentado a jogar fora sua esperança em Cristo em troca de uma vida mais confortável, no aqui e agora. Seus olhos não estavam fixos na glória futura, mas na privação presente. A palavra de exortação do livro é que as promessas de Deus são mais duradouras, mais gloriosas e, de fato, mais reais que os prazeres fugazes do aqui e agora.

Se quisermos perceber a fé que Deus nos deu, temos de trabalhar em meio à tensão entre a promessa de Deus para o futuro e as realidades atuais. Por um lado, devemos reconhecer plenamente a natureza provisória e finita de tudo o que fazemos. Não ficaremos surpresos quando as coisas não saírem como esperávamos. “Todos estes receberam bom testemunho por meio da fé. No entanto, nenhum deles recebeu o que havia sido prometido” (Hb 11.39). Surgem situações em que nossos melhores esforços para fazer um bom trabalho são frustrados não apenas pelas circunstâncias, mas também por atos deliberados de seres humanos. Isso pode nos causar tristeza, mas não nos levará ao desespero, porque temos os olhos fixos na cidade vindoura de Deus.

Às vezes, nosso trabalho é frustrado por nossa própria fraqueza. Ficamos aquém do alvo. Considere a lista de nomes em Hebreus 11.32. Quando lemos suas histórias, vemos claramente os próprios fracassos, às vezes fracassos significativos. Se lermos sobre a timidez de Baraque como general (Jz 4.8-9) através de olhos humanos, provavelmente não veremos fé alguma. No entanto, Deus vê a fé de Baraque através dos olhos de Deus e credita o trabalho dele pela graça divina, não pela realização dele. Isso pode animar-nos quando também tropeçamos. Podemos ter falado duramente com um colega de trabalho, agido impacientemente com um aluno, ignorado nossa responsabilidade com a família e realizado mal o trabalho. Mas temos fé de que Deus é capaz de realizar sua intenção para o mundo, mesmo em meio a nossas fraquezas e fracassos.

Por outro lado, precisamente porque temos os olhos voltados para a cidade vindoura de Deus, procuramos viver de acordo com os caminhos dessa cidade, da melhor forma possível, em todos os aspectos da vida e do trabalho diários. Os heróis da fé em Hebreus realizaram sua fé em todos os tipos de locais de trabalho. Eles eram pessoas “os quais, pela fé, conquistaram reinos, praticaram a justiça, alcançaram o cumprimento de promessas, fecharam a boca de leões, apagaram o poder do fogo e escaparam do fio da espada; da fraqueza tiraram força, tornaram-se poderosos na batalha e puseram em fuga exércitos estrangeiros” (Hb 11.33-34).

Imagine um empreiteiro — uma ilustração adequada para um livro que trata da construção da casa cósmica de Deus. O contratante tem uma visão clara da vida no reino vindouro de Deus. Ele sabe que será caracterizada por justiça, relacionamentos harmoniosos e beleza duradoura. Como pessoa de fé, ele procura perceber essa visão no presente. Administra as matérias-primas da terra na construção da casa, criando um lar de beleza, mas não de opulência esbanjadora. Trata seus obreiros com a preocupação e o respeito que serão característicos da futura cidade de Deus. Mostra amor celestial a seus clientes, ouvindo suas esperanças para o lar terreno, tentando realizar essas esperanças dentro das restrições financeiras e materiais. Persevera em meio aos problemas, quando o radiador antigo é cinco centímetros maior que o necessário para o banheiro, ou quando um carpinteiro corta uma viga cara dois centímetros mais curta. Ele aceita que um terremoto ou um furacão pode destruir todo o seu trabalho em minutos, mas se dedica inteiramente ao trabalho. Em meio às alegrias e às frustrações, deseja viver os valores da cidade de Deus, mostrando amor consistente aos outros na qualidade de seus relacionamentos pessoais e na qualidade das casas que constrói. Ele confia que todo edifício, por mais frágil e imperfeito que seja, é uma testemunha diária da grande cidade que virá, “cujo arquiteto e construtor é Deus” (Hb 11.10).