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Da confederação tribal à monarquia: 1Samuel

Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do Trabalho
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O primeiro livro de Samuel marca a transição de Israel de uma coalizão de tribos rebeldes para uma monarquia com um governo central em Jerusalém. A história começa com o nascimento e o chamado do profeta Samuel e continua com a transição para a monarquia e os reinados de Saul e Davi. Esta é a história da formação do Estado, da centralização do poder e do culto e do estabelecimento de uma nova ordem política, militar e social.

O chamado de Samuel (1Samuel 1—3)

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Pelas palavras finais do livro de Juízes e pelos capítulos iniciais de 1Samuel, sabemos que os israelitas não tinham liderança e estavam desconectados de Deus. A coisa mais próxima que eles têm de um líder nacional é o sacerdote Eli, que administra com seus filhos o santuário de Siló. A prosperidade política, militar e econômica dos israelitas depende de sua fidelidade a Deus. Assim, o povo traz suas ofertas e sacrifícios a Deus no santuário, mas os sacerdotes zombam da interação com Deus. “Os filhos de Eli eram ímpios... eles estavam tratando com desprezo a oferta do Senhor” (1Sm 2.12,17). Eles não são confiáveis ​​como líderes humanos e não honram a Deus em seu coração. Os adoradores descobrem que aqueles que deveriam direcioná-los para uma experiência de adoração estão, em vez disso, roubando deles.

Os perigos da autoridade herdada

Um tanto ameaçador para uma nação prestes a se tornar uma monarquia, a primeira coisa que observamos é que a autoridade herdada é inerentemente perigosa por duas razões. A primeira é que não há garantia de que os descendentes, mesmo do maior líder, sejam competentes e fiéis. A segunda é que ter nascido para o poder é muitas vezes uma influência corruptora, resultando com muita frequência em complacência ou — como no caso dos filhos de Eli — em alegação de direitos. Eli realiza seu trabalho como um encargo sagrado de Deus (1Sm 2.25), mas seus filhos veem aquilo como uma propriedade pessoal (1Sm 2.14). Crescendo em uma atmosfera um tanto análoga a de uma empresa familiar, eles esperam, desde cedo, herdar os privilégios de seu pai. Como essa “empresa familiar” é o próprio santuário de Deus — o que dá à família o direito de ter autoridade divina sobre a população —, a má conduta de seus filhos é ainda mais prejudicial.

Empresas familiares e dinastias políticas no mundo de hoje têm paralelos com a situação de Eli. O fundador da empresa ou da organização política pode ter trazido um grande bem ao mundo, mas, se os herdeiros o virem como um meio de ganho pessoal, aqueles a quem eles devem servir sofrerão danos. Todos ganham quando os fundadores e seus sucessores são fiéis ao propósito original e bom. O mundo é um lugar melhor, os negócios e a comunidade prosperam e a família está bem abastecida. Mas, quando o propósito original é negligenciado ou corrompido, a empresa ou a comunidade sofre, e a organização e a família correm perigo.

A triste história do poder herdado em governos, igrejas, empresas e outras organizações nos adverte de que aqueles que esperam receber o poder como um direito muitas vezes não sentem necessidade de desenvolver a habilidade, a autodisciplina e a atitude de serviço necessárias para ser bons líderes. Essa realidade deixou o mestre de Eclesiastes perplexo. “Desprezei todas as coisas pelas quais eu tanto me esforçara debaixo do sol, pois terei que deixá-las para aquele que me suceder. E quem pode dizer se ele será sábio ou tolo? Todavia, terá domínio sobre tudo o que realizei com o meu trabalho e com a minha sabedoria” (Ec 2.18-19). O que era verdade para ele é verdade para nós hoje. As famílias que obtêm riqueza e poder com o sucesso de um empreendedor em uma geração costumam perder esses ganhos na terceira geração e também sofrem brigas familiares devastadoras e infortúnios pessoais. [1] Isso não quer dizer que o poder ou a riqueza herdados sempre levem a resultados ruins, mas que a herança é uma política perigosa para a governança. Famílias, organizações ou governos que passam autoridade por meio de herança farão bem em desenvolver uma multiplicidade de meios para neutralizar os perigos que a herança acarreta. Existem consultorias e organizações especializadas em apoiar famílias e empresas em processos de herança.

Deus chama Samuel para suceder a Eli

Se não fossem seus filhos ímpios, quem sucederia a Eli como sacerdote? Em 1Samuel 3.1—4.1 e 1Samuel 7.3-17 é revelado o plano de Deus para levantar o jovem Samuel como sucessor de Eli. Samuel recebe um dos poucos chamados audíveis de Deus registrados na Bíblia, mas observe que esse não é um chamado para um tipo de trabalho ou ministério. (Samuel servia na casa do Senhor desde os dois ou três anos de idade, e a escolha da profissão havia sido feita por sua mãe. Veja 1Sm 1.20-28 e 2.18-21.) No entanto, é um chamado para uma tarefa: dizer a Eli que Deus decidiu trazer castigo sobre ele e seus filhos, que em breve serão removidos do cargo de sacerdotes de Deus. Depois de cumprir esse chamado, Samuel continua a servir sob o comando de Eli até que seja reconhecido como profeta por direito próprio (1Sm 4.1) e suceda a Eli após a morte deste (1Sm 4.18). Samuel se torna o líder do povo de Deus, não por ambição egoísta ou por um senso de direito, mas porque Deus tinha lhe dado uma visão (1Sm 3.10-14) e os dons e habilidades para levar as pessoas a realizar aquela visão (1Sm 3.19-4.1). Ver Visão geral da vocação para saber mais sobre o tema do chamado para o trabalho.

Os perigos de tratar Deus como um amuleto de boa sorte (1Samuel 4)

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Não está claro se a corrupção do líder, Eli, causa a corrupção do povo ou vice-versa, mas os capítulos 4—6 retratam o desastre que acontece àqueles que não são bem governados. Israel está engajado em uma luta secular contra o país vizinho dos filisteus. Um novo ataque é feito pelos filisteus, que derrotam os israelitas, resultando em 4.000 baixas (1Sm 4.1-3). Os israelitas reconhecem a derrota como um sinal do desfavor de Deus. Mas, em vez de examinar sua falta, arrepender-se e buscar orientação do Senhor, eles tentam manipular Deus para que sirva a seus propósitos. Eles pegam a arca da aliança de Deus e avançam para a batalha contra os filisteus, presumindo que a arca os tornará invencíveis. Os filhos de Eli emprestam uma aura de autoridade ao plano. Mas os filisteus massacram Israel na batalha, matando 30.000 soldados israelitas, capturando a arca, matando os filhos de Eli e causando a própria morte de Eli (1Sm 4.4-19).

Os filhos de Eli, ao lado dos líderes do exército, cometeram o erro de pensar que, por levarem o nome do povo de Deus e possuírem os símbolos da presença de Deus, podiam comandar o poder de Deus. Talvez os responsáveis ​​acreditassem que poderiam realmente controlar o poder de Deus carregando a arca. Ou talvez tenham se enganado ao pensar que, por serem o povo de Deus, tudo o que quisessem para si seria o que Deus queria para eles. De qualquer forma, eles descobriram que a presença de Deus não é uma garantia para projetar o poder de Deus, mas um convite para receber a orientação de Deus. Ironicamente, a arca continha o maior meio de orientação de Deus — os Dez Mandamentos (Dt 10.5) — mas os filhos de Eli não se preocuparam em buscar qualquer tipo de orientação de Deus antes de atacar os filisteus.

Será que muitas vezes caímos no mesmo mau hábito em nosso trabalho? Quando enfrentamos oposição ou dificuldade em nosso trabalho, buscamos a orientação de Deus em oração ou apenas lançamos uma oração rápida pedindo a Deus que faça o que queremos? Consideramos os possíveis cursos de ação à luz das Escrituras ou apenas mantemos uma Bíblia em nossa mesa? Examinamos nossas motivações e avaliamos nossas ações com abertura à transformação de Deus ou simplesmente nos enfeitamos com símbolos cristãos? Se nosso trabalho parece insatisfatório ou se nossa carreira não está progredindo como esperamos, é possível que estejamos usando Deus como um amuleto da sorte, em vez de segui-lo como o mestre de nosso trabalho?

As oportunidades que surgem do trabalho fiel (1Samuel 5—7)

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Os filisteus não se saem melhor com a arca do que os israelitas, e ela se torna uma propriedade perigosa para ambos os lados, até que seja retirada do uso militar e Samuel chame Israel para se comprometer novamente com o próprio Senhor (1Sm 5.1—7.3). O povo atende ao seu chamado e volta a adorar ao Senhor, e a carreira de Samuel se expande rapidamente. Seu papel como sacerdote logo cresce para “juiz” (ou seja, um governador militar) e ele lidera a defesa bem-sucedida contra os filisteus (1Sm 7.4-13). Seu papel logo abrange a realização de um tribunal itinerante para questões legais (1Sm 7.16). Por trás de todas as suas tarefas está seu chamado para ser “profeta do Senhor” (1Sm 3.20).

Obreiros habilidosos e confiáveis, que são fiéis aos caminhos de Deus, muitas vezes descobrem que seu trabalho vai além da descrição de seu trabalho. Diante de responsabilidades cada vez maiores, a resposta de Samuel não é: “Esse não é o meu trabalho”. Em vez disso, ele vê as necessidades cruciais à sua frente, reconhece que tem a capacidade de atendê-las e intervém para resolvê-las. Ao fazer isso, Deus aumenta sua autoridade e eficácia para corresponder à sua disposição.

Uma lição que podemos tirar disso é responder a Deus com a mesma disposição de servir demonstrada por Samuel. Você vê oportunidades à sua frente no trabalho que, estritamente falando, não se encaixam na descrição de sua função? Seus supervisores ou colegas parecem esperar que você assuma mais responsabilidades em áreas que não fazem parte formalmente de sua função? Geralmente, essas são oportunidades de crescimento, desenvolvimento e avanço (a menos que seus supervisores não gostem da ideia de você assumir responsabilidades adicionais). O que seria necessário para você aproveitar essas oportunidades? Da mesma forma, você pode ver necessidades ao seu redor que poderia ajudar a atender se tivesse confiança e coragem para responder. O que seria necessário para desenvolver sua confiança em Deus e receber a coragem necessária para seguir sua orientação?

O relato final do governo de Samuel (1Sm 7.15-17) diz que ele percorria ano após ano as cidades de Israel, governando e administrando a justiça. O capítulo termina dizendo: “e naquele lugar construiu um altar em honra ao Senhor”. Seus serviços civis e militares a Israel foram baseados em sua fidelidade e adoração ao Senhor ao longo da vida.

Os filhos de Samuel decepcionam (1Samuel 8.1-3)

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À medida que Samuel envelhece, ele repete o erro de Eli e nomeia seus próprios filhos para suceder-lhe. Como os filhos de Eli, eles se revelaram gananciosos e corruptos (1Sm 8.1-3). A decepção causada por filhos de grandes líderes é um tema recorrente em Samuel e Reis. (A tragédia do filho de Davi, Absalão, ocupa a maior parte dos capítulos 13-19 de 2Samuel, e isso será abordado mais tarde. Veja “O tratamento disfuncional de Davi com os conflitos familiares leva à guerra civil (2Samuel 13-19)”.) Isso nos lembra que o trabalho dos pais é tão desafiador quanto qualquer outra ocupação, mas muito mais intenso emocionalmente. Nenhuma solução é dada no texto, mas podemos observar que Eli, Samuel e Davi parecem ter dado a seus filhos problemáticos muitos privilégios, mas pouco envolvimento paterno. No entanto, também sabemos que mesmo os pais mais dedicados podem enfrentar o desgosto de filhos rebeldes. Em vez de culpar ou criar estereótipos para as causas, observemos simplesmente que criar filhos é uma ocupação que exige tanta oração, habilidade, apoio da comunidade, boa sorte e amor quanto qualquer outra, se não mais. Em última análise, ser pai ou mãe — quer nossos filhos tragam alegria, decepção ou um pouco de ambos — é depender da graça e da misericórdia de Deus e esperar por uma redenção além do que vemos durante nossa vida. Talvez nosso conforto mais profundo seja lembrar que Deus também experimentou o desgosto de um pai por seu Filho condenado, mas superou tudo por meio do poder do amor.

Os israelitas pedem um rei (1Samuel 8.4-22)

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Vendo a inadequação dos filhos de Samuel, os israelitas pediram a ele: “Escolhe agora um rei para que nos lidere, à semelhança das outras nações”. Esse pedido desagrada a Samuel (1Sm 8.4-6). Samuel adverte o povo, mostrando que os reis costumam impor fardos pesados ​​a uma nação.

O rei que reinará sobre vocês reivindicará como seu direito o seguinte: ele tomará os filhos de vocês para servi-lo em seus carros de guerra e em sua cavalaria, e para correr à frente dos seus carros de guerra. Colocará alguns como comandantes de mil e outros como comandantes de cinquenta. Ele os fará arar as terras dele, fazer a colheita, e fabricar armas de guerra e equipamentos para os seus carros de guerra. Tomará as filhas de vocês para serem perfumistas, cozinheiras e padeiras. Tomará de vocês o melhor das plantações, das vinhas e dos olivais, e o dará aos criados dele. (1Sm 8.10-17)

De fato, os reis seriam tão vorazes que, por fim, o povo acabaria clamando a Deus para salvá-los dos reis (1Sm 8.18).

Deus concorda que pedir um rei é uma má ideia, porque equivale a uma rejeição do próprio Deus como rei. No entanto, o Senhor decide permitir que o povo escolha sua forma de governo e diz a Samuel: “Atenda a tudo o que o povo está lhe pedindo; não foi a você que rejeitaram; foi a mim que rejeitaram como rei” (1Sm 8.7). Como observa o estudioso bíblico John Goldingay: “Deus começa com seu povo onde eles estão; se eles não conseguem lidar com seu caminho mais elevado, ele entalha um caminho mais baixo. Quando eles não respondem ao espírito do Senhor ou quando todos os tipos de espíritos os levam à anarquia, ele fornece... a salvaguarda institucional dos governantes terrenos”. Às vezes, Deus permite instituições que não fazem parte de seu propósito eterno, e a monarquia de Israel é um dos exemplos mais flagrantes.

Tanto Deus quanto Samuel mostraram grande humildade, resiliência e graça ao permitir que Israel fizesse escolhas e cometesse erros, aprendendo com as consequências. Existem muitas situações institucionais e no ambiente de trabalho em que a liderança deve se ajustar às más escolhas das pessoas e, ao mesmo tempo, tentar oferecer oportunidades de crescimento e graça. A advertência de Samuel a Israel poderia facilmente servir de advertência a nações, empresas, igrejas, escolas e outras organizações do mundo de hoje. Em nosso mundo decaído, as pessoas abusam do poder e temos de nos ajustar e, ao mesmo tempo, fazer o que podemos para mudar as coisas. Nossa aspiração é amar a Deus e tratar as outras pessoas como Deus ordena na lei dada a Moisés, algo que o povo de Deus teve muita dificuldade em cumprir em todas as épocas.

A tarefa de escolher um rei (1Samuel 9—16)

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Saul é escolhido como primeiro rei de Israel

A primeira escolha de Deus para ser rei é Saul (c. 1050-1010 a.C.), alguém que se destacava — ele literalmente era “sem igual entre os israelitas; os mais altos batiam nos seus ombros” (1Sm 9.2). Além disso, ele obteve vitórias militares, a principal razão para ter um rei (1Sm 11.1-11). No início, ele serviu fielmente (1Sm 11.13-14), mas rapidamente se tornou desobediente a Deus (1Sm 13.8-15) e arrogante com seu povo (1Sm 14.24-30). Tanto Samuel quanto Deus ficaram exasperados com ele e começaram a procurar seu substituto (1Sm 16.1). Mas, antes de compararmos as ações de Saul com as expectativas da liderança do século 21, devemos observar que ele simplesmente fez o que faziam os reis no antigo Oriente Próximo. O povo conseguiu o que pediu (e contra o que Samuel havia advertido): um tirano militarista, carismático e que exaltava a si mesmo.

Como devemos avaliar o primeiro rei de Israel? Deus cometeu um erro ao levar Samuel a ungir o jovem Saul como rei? Ou a escolha de Saul foi uma lição prática para os israelitas não serem seduzidos pelas aparências externas — bonito por fora, mas vazio por dentro? Ao pedir um rei, os israelitas mostraram sua falta de fé em Deus. O rei que eles receberam, em última análise, demonstrou a mesma falta de fé em Deus. A principal tarefa de Saul como rei era garantir a segurança dos israelitas contra ataques dos filisteus vizinhos e de outras nações. Mas, quando enfrentou Golias, o medo de Saulo superou sua fé e ele se mostrou inapto para seu papel (1Sm 17.11). Ao longo de seu reinado, Saul igualmente duvidou de Deus, buscando conselho nos lugares errados e, finalmente, cometendo suicídio, enquanto seu exército era derrotado pelo inimigo (1Sm 31.4).

Davi é escolhido para suceder a Saul

Enquanto Samuel procura o substituto de Saul, ele quase comete o erro de julgar pelas aparências uma segunda vez (1Sm 16.1-4). O menino Davi parece insignificante para Samuel, mas, com a ajuda de Deus, ele finalmente reconhece em Davi o escolhido de Deus para ser rei de Israel. Na aparência externa, Davi não projeta a imagem de seriedade que as pessoas esperam de um líder (1Sm 16.6-11). Um pouco mais tarde na história, o gigante filisteu Golias se mostra igualmente desdenhoso (1Sm 17.42). Davi é um candidato não convencional por razões que vão além de sua juventude. Ele é o último filho em uma sociedade baseada na primazia do filho mais velho. Além disso, ele é etnicamente misto, não um israelita puro, porque uma de suas bisavós era Rute (Rt 4.21-22), uma imigrante do reino de Moabe (Rt 1.1-4). Embora Davi tenha contra ele vários aspectos, Deus vê nele uma grande promessa.

Ao pensarmos sobre a seleção de liderança hoje, é valioso lembrar a palavra de Deus a Samuel: “O Senhor não vê como o homem: o homem vê a aparência, mas o Senhor vê o coração” (1Sm 16.7). No reino invertido de Deus, o último ou o esquecido pode acabar sendo a melhor escolha. O melhor líder pode ser aquele que ninguém está procurando. Pode ser tentador partir para o candidato inicialmente impressionante, aquele que transborda carisma, a pessoa que outras pessoas parecem querer seguir. Mas o excesso de autoconfiança, na verdade, leva a um desempenho inferior, de acordo com um artigo de 2012 da Harvard Business Review. [1] O carisma não é o que Deus valoriza. O caráter é. O que seria necessário para aprender a ver o caráter de uma pessoa pelos olhos de Deus?

É significativo que Davi estivesse fazendo seu trabalho como pastor, cuidando conscientemente das ovelhas de seu pai, quando Samuel o encontrou. O desempenho fiel no trabalho em questão é uma boa preparação para um trabalho maior, como no caso de Davi (1Sm 17.34-37; veja também Lc 16.10; 19.17). Samuel logo descobre que Davi é o líder forte, confiante e competente pelo qual o povo ansiava, que “sairá à nossa frente para combater em nossas batalhas” (1Sm 8.20). Ao longo de sua carreira, Davi mantém em mente que está servindo à vontade de Deus para cuidar do povo de Deus (2Sm 6.21). Deus o chama de “homem segundo o meu coração” (At 13.22).

Deus escolheu Davi para suceder a Saul. Agora, Samuel deve ungir Davi como rei enquanto Saul ainda está no trono. Samuel duvida das perspectivas de sucesso. Samuel diz: “Como poderei ir? Saul saberá disto e me matará” (1Sm 16.2). A resposta de Deus é que Samuel vá disfarçado. “Leve um novilho com você e diga que foi sacrificar ao Senhor. Convide Jessé para o sacrifício, e eu lhe mostrarei o que fazer. Você irá ungir para mim aquele que eu indicar” (1Sm 16.2-3). Em outras palavras, vá abertamente à casa de Jessé (onde o novo rei será encontrado), mas disfarce seu propósito ao ir para lá. Seguindo a orientação de Deus, Samuel consegue ungir Davi como rei.

Em nosso trabalho, também podemos enfrentar o desafio de lidar com um sistema abusivo ou um líder tirânico. Falamos claramente, como se tivéssemos um alvo nas costas, esperando para ser abatidos? Ou transitamos sutilmente, esperando que isso nos dê a chance de afetar mais positivamente o resultado final? O que significa ser “astutos como as serpentes e sem malícia como as pombas”, como Jesus disse? (Mt 10.16). Para saber mais sobre o tópico de quando o engano pode ser moralmente necessário, veja o artigo “Quando alguém não tem direito à verdade”.

Há um momento para ser claro sobre o que defendemos, e há um momento para agir de forma mais discreta, mantendo o objetivo em mente. Como podemos identificar a diferença? A pista está aqui no texto, no qual Samuel está continuamente conversando com Deus em busca de orientação. Sob pressão, podemos tomar esse tipo de decisão por conta própria, mas é provável que isso gravite em direção ao que é mais confortável para nós mesmos, e não ao que Deus deseja. No entanto, temos a promessa de Jesus de que recebermos ajuda do Espírito Santo de Deus (Jo 14.26). Samuel tinha o hábito de conversar com Deus em seu ambiente de trabalho, e isso o levou a lidar com a situação moralmente ambígua à luz de Deus para entender os propósitos de Deus corretamente. Podemos fazer o mesmo em nosso próprio ambiente de trabalho, levar nossas dúvidas e incertezas a Deus em oração? Para obter ajuda com isso, veja o plano de leitura da Bíblia, “Como tomar a decisão certa”.

A ascensão de Davi ao poder (1Samuel 17—30)

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Ao contrário de Saul, que começou seu reinado logo depois que Samuel o ungiu (1Sm 11.1), Davi tem um aprendizado longo e difícil antes de ser aclamado rei em Hebrom. Seu primeiro sucesso público veio ao matar o gigante Golias, que ameaçava a segurança militar de Israel. Quando o exército volta para casa, uma multidão de mulheres começa a cantar: “Saul matou milhares, e Davi, dezenas de milhares” (1Sm 18.7). Isso enfurece Saul (1Sm 18.8). Em vez de reconhecer como ele e a nação podem se beneficiar das capacidades de Davi, ele o considera uma ameaça. Ele decide eliminar Davi na primeira oportunidade (1Sm 18.9-13). Assim começou uma rivalidade que acabou forçando Davi a fugir para salvar a vida, evitando Saul enquanto liderava um bando de rebeldes no deserto de Judá por dez anos.

Quando Davi tem a oportunidade de assassinar o rei Saul, ele se recusa, sabendo que o trono não é dele: é de Deus, e só ele pode dar. Como os salmos expressam: “É Deus quem julga: Humilha a um, a outro exalta” (Sl 75.7). Davi respeita a autoridade que Deus deu a Saul, mesmo quando ele age de maneira desonrosa. Isso parece uma lição para aqueles que hoje trabalham para chefes difíceis ou estão esperando ser reconhecidos por sua liderança. Mesmo que sintamos que somos chamados por Deus para uma tarefa ou posição específica, isso não nos autoriza a tomar o poder, contrariando as autoridades existentes. Se todos os que pensavam que Deus queria que eles fossem o chefe tentassem acelerar o processo tomando o poder por conta própria, toda sucessão de autoridade seria marcada pelo caos. Deus é paciente, e nós também devemos ser pacientes, assim como Davi foi.

Podemos confiar que Deus nos dará a autoridade de que precisamos, em seu tempo, para fazer a obra que ele deseja que façamos? No ambiente de trabalho, ter mais autoridade é valioso para realizar o trabalho necessário. Agarrar-se a essa autoridade prematuramente, subestimando um chefe ou empurrando um colega para fora do caminho, não cria confiança com os colegas nem demonstra confiança em Deus. Às vezes, pode ser frustrante quando parece que está demorando muito para que a autoridade necessária apareça em seu caminho, mas a verdadeira autoridade não pode ser alcançada, apenas concedida. Davi estava disposto a esperar até que Deus colocasse essa autoridade em suas mãos.

Abigail acalma uma crise entre Davi e Nabal (1Samuel 25)

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À medida que o poder de Davi cresce, ele entra em conflito com um rico proprietário de terras chamado Nabal. Por acaso, o bando de rebeldes de Davi, contra o governo de Saul, está acampado na área de Nabal há algum tempo. Os homens de Davi trataram os pastores de Nabal com bondade, protegendo-os de danos ou, pelo menos, não roubando nada (1Sm 25.15-16). Davi imagina que isso significa que Nabal deve algo a ele, e ele envia uma delegação para pedir a Nabal que doe alguns animais para um banquete para o exército de Davi. Talvez percebendo a fraqueza de sua afirmação, Davi instrui sua delegação a ser ainda mais educada com Nabal.

Nabal não aceitará nada disso. Ele não apenas se recusa a dar a Davi qualquer coisa para a festa, mas também o insulta publicamente, nega conhecê-lo e contesta a integridade de Davi por ser um rebelde contra Saul (1Sm 25.10). Os próprios servos de Nabal descrevem seu amo como “um homem tão mau que ninguém consegue conversar com ele” (1Sm 25.17). Davi imediatamente sai com 400 homens armados para matar Nabal e todos os homens de sua casa.

De repente, Davi está prestes a cometer um assassinato em massa, enquanto Nabal se preocupa mais com seu orgulho do que com seus trabalhadores e sua família. Esses dois homens arrogantes são incapazes de resolver uma discussão sobre ovelhas sem derramar o sangue de centenas de pessoas inocentes. Graças a Deus, quem intervém na discussão é Abigail, a sábia esposa de Nabal. Ela rapidamente prepara um banquete para Davi e seus homens, depois sai ao encontro de Davi com um pedido de desculpas que estabelece um novo padrão de cortesia no Antigo Testamento (1Sm 25.26-31). No entanto, envoltas em palavras de cortesia, estão algumas verdades duras que Davi precisa ouvir. Ele está prestes a derramar sangue sem motivo, trazendo sobre si uma culpa da qual nunca poderia escapar.

Davi fica comovido com as palavras dela e abandona seu plano de matar Nabal e todos os seus homens e meninos. Ele até agradece a Abigail por desviá-lo de seu plano imprudente. “Seja você abençoada pelo seu bom senso e por evitar que eu hoje derrame sangue e me vingue com minhas próprias mãos. De outro modo, juro pelo nome do Senhor, o Deus de Israel, que evitou que eu lhe fizesse mal, que, se você não tivesse vindo depressa encontrar-me, nem um só do sexo masculino pertencente a Nabal teria sido deixado vivo ao romper do dia” (1Sm 25.33-34).

O incidente mostra que as pessoas precisam responsabilizar seus líderes, embora isso possa acarretar um grande risco pessoal. Você não precisa ter status de autoridade para ser chamado a exercer influência. Mas você precisa de coragem, o que, felizmente, é algo que você pode receber de Deus a qualquer momento. A intervenção de Abigail também demonstra que mostrar respeito, mesmo ao fazer uma crítica direta, fornece um modelo para desafiar a autoridade. Nabal transformou uma pequena discussão em uma situação de risco de vida, envolvendo uma pequena disputa em um insulto pessoal. Abigail resolve uma crise com risco de vida, disfarçando uma grande repreensão em um diálogo respeitoso.

De que maneiras Deus pode estar chamando você para exercer influência a fim de responsabilizar pessoas em posições de autoridade superior? Como você pode cultivar uma atitude piedosa de respeito, juntamente com um compromisso inabalável de dizer a verdade? Que coragem você precisa de Deus para realmente fazer isso?