Bootstrap

Abraão (Gênesis 12.1—25.11)

Comentário Bíblico / Produzido por Projeto Teologia do Trabalho
2740898

A fidelidade de Abraão em contraste com a falta de fé de Babel (Gênesis 12.1-3)

Voltar ao índice Voltar ao índice

Deus chamou Abraão para uma aliança de serviço fiel, como é dito no início de Gênesis 12. Ao deixar o território de sua parentela descrente e seguir o chamado de Deus, Abraão se distinguiu fortemente de seus parentes distantes que permaneceram na Mesopotâmia e tentaram construir a torre de Babel, como foi contado no final de Gênesis 11. A comparação entre a família imediata de Abraão, no capítulo 12, e os outros descendentes de Noé, no capítulo 11, destaca cinco contrastes.

Primeiro, Abraão deposita sua confiança na orientação de Deus, e não em artifícios humanos. Em contraste, os construtores da torre acreditavam que, por sua própria habilidade e engenhosidade, poderiam conceber uma torre “que chegue até o céu” (Gn 11.4) e, ao fazê-lo, conseguir significado e segurança de uma forma que usurpasse a autoridade de Deus. [1]

Em segundo lugar, os construtores procuraram fazer um nome para si mesmos (Gn 11.4), mas Abraão confiou na promessa de Deus de que ele engrandeceria o nome de Abraão (Gn 12.2). A diferença não era o desejo de alcançar a grandeza em si, mas o desejo de buscar a fama em seus próprios termos. Deus realmente tornou Abraão famoso, não por si mesmo, mas pela promessa de que, por meio dele, “todas as famílias da terra serão abençoadas” (Gn 12.3). Os construtores da torre buscaram a fama por si mesmos, mas permanecem anônimos até hoje.

Terceiro, Abraão estava disposto a ir aonde quer que Deus o levasse, enquanto os construtores tentavam se amontoar em seu espaço habitual. Eles criaram seu projeto por medo de que fossem espalhados por toda a terra (Gn 11.4). Ao fazer isso, rejeitaram o propósito de Deus para a humanidade de encher a terra (Gn 1.28). Parece que estavam com medo de que ser espalhados em um mundo aparentemente hostil fosse muito difícil para eles. Mesmo sendo criativos e tecnologicamente inovadores (Gn 11.3), não estavam dispostos a abraçar plenamente o propósito de Deus: “sejam férteis e multipliquem-se” (Gn 1.28). Seu medo de se engajar na plenitude da criação coincidiu com sua decisão de substituir a orientação e a graça de Deus pela engenhosidade humana. Quando deixamos de aspirar por mais do que podemos alcançar por conta própria, nossas aspirações se tornam insignificantes.

Em contraste, Deus fez de Abraão o empreendedor original, sempre seguindo em frente para novos empreendimentos em novos locais. Deus o chamou para longe da cidade de Harã, em direção à terra de Canaã, onde Abraão nunca se estabeleceria em um endereço fixo. Ele ficou conhecido como um “arameu errante” (Dt 26.5). Esse estilo de vida era inerentemente mais centrado em Deus, pois Abraão teria de depender da palavra e da liderança de Deus para encontrar seu significado, segurança e sucesso. Como Hebreus 11.8 coloca, ele teve de partir, “embora não soubesse para onde estava indo”. No mundo do trabalho, os crentes devem perceber o contraste nessas duas orientações fundamentais. Todo trabalho envolve planejamento e construção. O trabalho ímpio decorre do desejo de não depender de ninguém além de nós mesmos, e se restringe estritamente a beneficiar apenas a nós mesmos e aos poucos que possam estar próximos de nós. A obra piedosa está disposta a depender da orientação e da autoridade de Deus e deseja crescer amplamente como uma bênção para todo o mundo.

Quarto, Abraão estava disposto a permitir que Deus o conduzisse a novos relacionamentos. Enquanto os construtores da torre procuravam se fechar em uma fortaleza vigiada, Abraão confiou na promessa de Deus de que sua família se tornaria um grande povo (Gn 12.2; 15.5). Embora vivessem entre estrangeiros na terra de Canaã (Gn 17.8), tinham bom relacionamento com aqueles com quem entravam em contato (Gn 21.22-34; 23.1-12). Esse é o dom da comunidade. Outro tema-chave emerge, portanto, para a teologia do trabalho: o desígnio de Deus é que as pessoas trabalhem em redes saudáveis ​​de relacionamento.

Por fim, Abraão foi abençoado com a paciência de ter uma visão de longo prazo. As promessas de Deus deveriam ser cumpridas no tempo da descendência de Abraão, não no tempo do próprio Abraão. O apóstolo Paulo interpretou a “descendência” como sendo Jesus (Gl 3.19), o que significa que a data da recompensa seria mais de mil anos no futuro. De fato, a promessa feita a Abraão não será cumprida completamente até o retorno de Cristo (Mt 24.30-31). Seu progresso não pode ser adequadamente medido por relatórios trimestrais! Os construtores das torres, em comparação, não pensaram em como seu projeto afetaria as gerações futuras, e Deus os criticou explicitamente por esse lapso (Gn 11.6).

Em suma, Deus prometeu a Abraão fama, descendência e bons relacionamentos, o que significava que ele e sua família abençoariam o mundo inteiro e, no devido tempo, seriam abençoados além da imaginação (Gn 22.17). Ao contrário de outros, Abraão percebeu que uma tentativa de entender essas coisas por conta própria seria inútil, ou pior. Em vez disso, ele confiou em Deus e dependeu todos os dias da orientação e provisão de Deus (Gn 22.8-14). Embora essas promessas não tenham sido totalmente cumpridas até o final de Gênesis, elas iniciaram a aliança entre Deus e o povo de Deus, por meio da qual a redenção do mundo será completada no dia de Cristo (Fp 1.10).

Deus prometeu uma nova terra à família de Abraão. Fazer uso da terra requer muitos tipos de trabalho; portanto, o fato de dar terras reitera que o trabalho é uma esfera essencial da preocupação de Deus. Trabalhar a terra exigiria habilidades ocupacionais de pastoreio, fabricação de tendas, proteção militar e produção de uma ampla gama de bens e serviços. Além disso, os descendentes de Abraão se tornariam uma nação populosa, cujos membros seriam tão inumeráveis ​​quanto as estrelas do céu. Isso exigiria o trabalho de desenvolver relacionamentos pessoais, paternidade, política, diplomacia e administração, educação, artes da cura e outras ocupações sociais. Para trazer tais bênçãos a toda a terra, Deus chamou Abraão e seus descendentes e disse: “ande segundo a minha vontade e seja íntegro” (Gn 17.1). Isso exigia o trabalho de adoração, expiação, discipulado e outras ocupações religiosas. O trabalho de José foi criar uma solução que respondesse ao impacto da fome e, às vezes, nosso trabalho é curar o quebrantamento. Todos esses tipos de trabalho, e os trabalhadores que se envolvem neles, estão sob a autoridade, a orientação e a provisão de Deus.

O estilo de vida pastoril de Abraão e sua família (Gênesis 12.4-7)

Voltar ao índice Voltar ao índice

Quando Abraão deixou sua casa em Harã e partiu para a terra de Canaã, sua família provavelmente já era bem grande para os padrões modernos. Sabemos que sua esposa Sara e seu sobrinho Ló foram com ele, assim como um número não especificado de pessoas e bens (Gn 12.5). Em breve, Abraão se tornaria muito rico, tendo adquirido servos e gado, bem como prata e ouro (Gn 12.16; 13.2). Ele ganhou pessoas e animais do faraó durante sua estadia no Egito, e os metais preciosos teriam sido resultado de transações comerciais, indicando o Senhor como responsável final por conceder bênçãos. [1] A evidência de que Abraão e Ló haviam se tornado bem-sucedidos está na briga que irrompeu entre os pastores de cada família sobre a incapacidade da terra para prover pasto que sustentasse tantos animais. Por fim, os dois tiveram de se separar para sustentar suas atividades comerciais (Gn 13.11).

Estudos antropológicos desse período e região sugerem que as famílias nessas narrativas praticavam uma mistura de pastoreio seminômade e criação de rebanhos (Gn 13.5-12; 21.25-34; 26.17-33; 29.1-10; 37.12-17). [2] Essas famílias precisavam de mobilidade sazonal e, portanto, viviam em tendas de couro, feltro e lã. Possuíam propriedades que podiam ser carregadas por burros ou, se alguém fosse rico o suficiente, também por camelos. Encontrar o equilíbrio entre a disponibilidade ideal de terra para pastagem e água exigia bom senso e conhecimento profundo do clima e da geografia. Os meses mais úmidos, de outubro a março, forneciam pastagens nas planícies mais baixas, enquanto nos meses mais quentes e secos, de abril a setembro, os pastores levavam seus rebanhos para maiores altitudes, em busca de nascentes e vegetação mais verde. [3] Como uma família não podia ser inteiramente sustentada pelo pastoreio, era necessário praticar a agricultura local e o comércio com aqueles que viviam em comunidades mais assentadas. [4]

Pastores nômades cuidavam de ovelhas e cabras para obter leite e carne (Gn 18.7-8; 27.9; 31.38), lã e outros produtos feitos de produtos animais, como couro. Jumentos carregavam cargas (Gn 42.26), e os camelos eram especialmente adequados para viagens mais longas (Gn 24.10,64; 31.17). As habilidades necessárias para manter esses rebanhos envolveriam pastorear e dar água, realizar partos, tratar os animais doentes e feridos e garantir proteção contra predadores e ladrões, além de buscar animais que se perdessem.

As variações no clima e o tamanho do crescimento da população dos rebanhos e manadas teriam afetado a economia da região. Grupos mais fracos de pastores poderiam facilmente ser deslocados ou assimilados por aqueles que precisavam de mais território para suas propriedades em expansão. [5] O lucro do pastoreio não era armazenado como poupança ou investimentos acumulados em nome dos proprietários e cuidadores, mas compartilhado por toda a família. Da mesma forma, os efeitos das dificuldades decorrentes das condições de fome teriam sido sentidos por todos. Embora os indivíduos certamente tivessem suas próprias responsabilidades e fossem responsáveis ​​por suas ações, a natureza comunitária dos negócios da família geralmente destoa de nossa cultura contemporânea, que foca na realização pessoal e na busca de lucros cada vez maiores. A responsabilidade social teria sido uma preocupação diária, não uma opção.

Nesse modo de vida, os valores compartilhados eram essenciais para a sobrevivência. A dependência mútua entre os membros de uma família ou tribo e a consciência de sua ancestralidade comum teriam resultado em grande solidariedade, bem como em hostilidade vingativa em relação a quem a perturbasse (Gn 34.25-31). [6] Os líderes precisavam saber como aproveitar a sabedoria do grupo para tomar decisões acertadas sobre para onde viajar, quanto tempo permanecer e como dividir os rebanhos. [7] Eles deviam ter alguma maneira de se comunicar com pastores que levavam os rebanhos a distâncias maiores (Gn 37.12-14). As habilidades de resolução de conflitos eram necessárias para resolver disputas inevitáveis ​​envolvendo terras de pastagem e direitos sobre a água de poços e nascentes (Gn 26.19-22). A alta mobilidade da vida no campo e a vulnerabilidade de alguém aos saqueadores tornavam a hospitalidade muito mais do que uma cortesia. Em geral, era considerada um requisito para pessoas decentes oferecer bebidas, comida e hospedagem. [8]


As narrativas patriarcais mencionam repetidamente a grande riqueza de Abraão, Isaque e Jacó (Gn 13.2; 26.13; 31.1). O pastoreio e a criação de animais eram áreas de trabalho honrosas e podiam ser lucrativas, e a família de Abraão tornou-se muito rica. Por exemplo, para abrandar a atitude de Esaú, seu irmão ofendido, antes do encontrá-lo depois de tantos anos, Jacó conseguiu selecionar de sua propriedade um presente de pelo menos 550 animais: 200 cabras com 20 machos, 200 ovelhas com 20 carneiros, 30 camelas com seus bezerros, 40 vacas com 10 touros e 20 jumentas com 10 machos (Gn 32.13-15). Portanto, é apropriado que, no final de sua vida, quando Jacó conferiu bênçãos a seus filhos, ele dê um belo testemunho sobre o Deus de seus pais: “o Deus que tem sido o meu pastor em toda a minha vida até o dia de hoje” (Gn 48.15). Embora muitas passagens na Bíblia avisem que a riqueza é muitas vezes inimiga da fidelidade (por exemplo, Jr 17.11, Hc 2.5, Mt 6.24), a experiência de Abraão mostra que a fidelidade de Deus também pode ser expressa em prosperidade. Como veremos, isso não é de forma alguma uma promessa de que o povo de Deus deva esperar prosperidade continuamente.

A jornada de Abraão começa com desastre no Egito (Gênesis 12.8—13.2)

Voltar ao índice Voltar ao índice

Os resultados iniciais das viagens de Abraão não foram promissores. Havia uma disputa feroz pela terra (Gn 12.6), e Abraão passou muito tempo tentando encontrar um pedaço de terra para ocupar (Gn 12.8-9). Por fim, a deterioração das condições econômicas o obrigou a abandonar completamente o lugar e a levar sua família para o Egito, a centenas de quilômetros de distância da terra prometida por Deus (Gn 12.10).

Como migrante econômico para o Egito, a posição vulnerável de Abraão o deixou com medo. Ele temia que os egípcios pudessem assassiná-lo para ficar com sua bela esposa, Sara. Para evitar isso, Abraão pediu que Sara dissesse que era sua irmã, e não sua esposa. Como Abraão havia pensado, um dos egípcios — o próprio faraó — desejou Sara e ela “foi levada ao seu palácio” (Gn 12.15). Como resultado, “o Senhor puniu o faraó e sua corte com graves doenças” (Gn 12.17). Quando o faraó descobriu o motivo — que ele havia tomado a esposa de outro homem —,devolveu Sara a Abraão e imediatamente ordenou que ambos saíssem de seu país (Gn 12.18-19). No entanto, o faraó os enriqueceu com ovelhas e gado, jumentos e jumentas, servos e servas, bem como camelos (Gn 12.16), além de prata e ouro (Gn 13.2), uma indicação adicional de que a riqueza de Abraão (Gn 13.2) se devia aos presentes reais. [1]

Esse incidente indica dramaticamente os dilemas morais que se apresentam diante de grandes disparidades de riqueza e pobreza e os perigos de perder a fé diante de tais problemas. Abraão e Sara estavam fugindo da fome. Pode ser difícil de imaginar que alguém seja tão desesperadamente pobre ou tenha medo de que uma família sujeite suas mulheres a serviços sexuais para sobreviver economicamente, mas ainda hoje milhões de pessoas enfrentam essa escolha. Faraó repreende Abraão por agir dessa maneira, mas a resposta de Deus a um incidente posterior semelhante (Gn 20.7,17) mostra mais compaixão do que julgamento.

Por outro lado, Abraão havia recebido a promessa direta de Deus: “Farei de você um grande povo” (Gn 12.2). Sua fé em Deus para cumprir suas promessas falhou tão rapidamente? A sobrevivência realmente exigia que ele mentisse e permitisse que sua esposa se tornasse uma concubina, ou Deus teria providenciado outra maneira? Os temores de Abraão parecem tê-lo feito esquecer sua confiança na fidelidade de Deus. Da mesma forma, pessoas em situações difíceis geralmente se convencem de que não têm escolha a não ser fazer algo que consideram errado. No entanto, fazer escolhas desagradáveis, não importa nossos sentimentos em relação a elas, não é o mesmo que não ter escolha.

Abraão e Ló se separam: a generosidade de Abraão (Gênesis 13.3-18)

Voltar ao índice Voltar ao índice

Quando Abraão e sua família entraram novamente em Canaã e chegaram à região ao redor de Betel, o atrito que eclodiu entre os pastores de Abraão e os de seu sobrinho Ló forçou Abraão a fazer uma escolha em relação à escassez de terra. Uma divisão precisava ser feita, e Abraão assumiu o risco de oferecer a Ló a chance de ser o primeiro a escolher a propriedade. A cordilheira central de terra em Canaã é rochosa e abriga muita vegetação para pastagem. Os olhos de Ló caíram para o leste e para a planície ao redor do rio Jordão, que ele considerava “como o jardim do Senhor”, então ele escolheu essa porção melhor para si (Gn 13.10). A confiança de Abraão em Deus o libertou da ansiedade de cuidar de si mesmo. Não importa como Abraão e Ló prosperassem no futuro, o fato de Abraão ter deixado Ló fazer a escolha demonstrou generosidade e estabeleceu confiança entre ele e Ló.

A generosidade é uma característica positiva nos relacionamentos pessoais e nos negócios. Talvez nada estabeleça confiança e bons relacionamentos com tanta solidez quanto a generosidade. Colegas, clientes, fornecedores e até adversários reagem fortemente à generosidade e se lembram dela por muito tempo. Quando Zaqueu, o cobrador de impostos, recebeu Jesus em sua casa e prometeu dar metade de seus bens aos pobres e retribuir quatro vezes aqueles a quem ele havia enganado, Jesus o chamou de “filho de Abraão” por sua generosidade e fruto do arrependimento (Lc 19.9). Zaqueu estava respondendo, é claro, à generosidade relacional de Jesus, que inesperadamente, e de forma incomum para o povo da época, abriu seu coração para um detestável cobrador de impostos.

A hospitalidade de Abraão e Sara (Gênesis 18.1-15)

Voltar ao índice Voltar ao índice

A história da generosa hospitalidade de Abraão e Sara para com três visitantes que foram até eles, junto aos carvalhos de Manre, é contada em Gênesis 18. A vida seminômade no país costumava colocar pessoas de diferentes famílias em contato umas com as outras, e o caráter de Canaã como uma ligação natural por terra entre a Ásia e a África tornou-a uma rota comercial popular. Na ausência de uma indústria formal de hospitalidade, as pessoas que viviam em cidades e acampamentos tinham a obrigação social de acolher estranhos. A partir de descrições do Antigo Testamento e de outros textos antigos do Oriente Próximo, Matthews derivou sete códigos de conduta que definem o que é importante para a boa hospitalidade, que mantém a honra das pessoas, de seus lares e das comunidades, recebendo e oferecendo proteção a estranhos. [1] Em torno de um assentamento havia uma zona na qual os indivíduos e a cidade eram obrigados a mostrar hospitalidade.

1. Nessa zona, os moradores eram responsáveis ​​por oferecer hospitalidade a estranhos.

2. O estrangeiro deve ser transformado de uma potencial ameaça em um aliado, por meio da oferta de hospitalidade.

3. Somente o chefe de família do sexo masculino ou um cidadão do sexo masculino de uma cidade ou aldeia pode oferecer o convite de hospitalidade.

4. O convite pode incluir uma declaração sobre o período de hospitalidade, mas esta pode ser estendida, se ambas as partes concordarem, mediante novo convite do anfitrião.

5. O estrangeiro tem o direito de recusa, mas isso pode ser considerado uma afronta à honra do anfitrião e pode ser causa de hostilidades ou conflitos imediatos.

6. Uma vez que o convite é aceito, os papéis do anfitrião e do convidado são definidos pelas regras do costume. O hóspede não deve pedir nada. O anfitrião oferece o melhor que tem à disposição, mesmo que a oferta inicial de hospitalidade seja algo modesto. Espera-se que o hóspede retribua imediatamente com notícias, previsões de boa sorte ou expressões de gratidão pelo que recebeu, além de elogios à generosidade e à honra do anfitrião. O anfitrião não deve fazer perguntas pessoais ao hóspede. Esses assuntos só podem ser oferecidos voluntariamente pelo hóspede.

7. O hóspede permanece sob a proteção do anfitrião até que tenha deixado a zona de obrigação do anfitrião.

Esse episódio fornece o pano de fundo para o mandamento do Novo Testamento: “Não se esqueçam da hospitalidade; foi praticando-a que, sem o saber, alguns acolheram anjos” (Hb 13.2).

Hospitalidade e generosidade são frequentemente subestimadas nos círculos cristãos. No entanto, a Bíblia retrata o Reino dos Céus como um banquete generoso e até extravagante (Is 25.6-9; Mt 22.2-4). A hospitalidade promove bons relacionamentos, e a hospitalidade de Abraão e Sara fornece uma visão bíblica inicial de como os relacionamentos e o compartilhamento de uma refeição andam de mãos dadas. Esses estranhos obtiveram uma compreensão mais profunda um do outro compartilhando uma refeição e um encontro prolongado. Isso continua sendo verdade hoje. Quando as pessoas partem o pão juntas ou desfrutam de momentos de descontração ou entretenimento, geralmente passam a se entender e apreciar melhor. Melhores relações de trabalho e uma comunicação mais eficaz são frequentemente frutos da hospitalidade.

Na época de Abraão e Sara, a hospitalidade quase sempre era oferecida na casa do anfitrião. Hoje, isso nem sempre é possível, ou mesmo desejável, e a indústria da hospitalidade surgiu para facilitar e oferecer hospitalidade de várias maneiras. Se você deseja oferecer hospitalidade e sua casa é muito pequena ou suas habilidades culinárias são muito limitadas, você pode levar alguém a um restaurante ou hotel e, ainda assim, desfrutar da companhia e aprofundar relacionamentos. Os profissionais do setor o ajudariam a oferecer hospitalidade. Além disso, os trabalhadores do setor têm, eles próprios, a oportunidade de oferecer descanso às pessoas, criar bons relacionamentos, fornecer abrigo e servir aos outros, assim como Jesus fez quando transformou água em vinho (Jo 2.1-11) e lavou os pés dos discípulos (Jo 13.3-11). A indústria da hospitalidade responde por 9% do produto interno bruto mundial e emprega 98 milhões de pessoas, [2] incluindo muitos dos trabalhadores menos qualificados e imigrantes, que representam uma parcela em rápido crescimento da igreja cristã. Um número ainda maior de pessoas se envolve em hospitalidade não remunerada, oferecendo-a aos outros como um ato de amor, amizade, compaixão e engajamento social. O exemplo de Abraão e Sara mostra que esse trabalho pode ser profundamente importante como um serviço a Deus e à humanidade. Como poderíamos fazer mais para encorajar uns aos outros a ser generosos na hospitalidade, não importa quais sejam nossas profissões?

A disputa de Abraão com Abimeleque (Gênesis 20.1-16; 21.22-34)

Voltar ao índice Voltar ao índice

Quando Abraão e Sara entraram no país do rei Abimeleque, este inadvertidamente violou as regras de hospitalidade e, como compensação, concedeu a Abraão direitos de pastagem gratuitos para qualquer terra que quisesse (Gn 20.1-16). Posteriormente, surgiu uma disputa sobre um certo poço de água que Abraão havia originalmente cavado, mas os servos de Abimeleque acabaram tomando posse (Gn 21.25). Aparentemente sem estar ciente da situação, quando Abimeleque ouviu a queixa, entrou em um acordo juramentado iniciado por Abraão, por meio do qual reconhecia publicamente o direito de Abraão ao poço e, portanto, o direito de continuar sua atividade comercial na região (Gn 21.27-31).

Em outros lugares, vimos Abraão abrir mão do que era seu por direito (Gn 14.22-24). Aqui, no entanto, Abraão protege obstinadamente o que é seu. O narrador não sugere que Abraão esteja novamente vacilando na fé, pois o relato termina com uma adoração (Gn 21.33). Em vez disso, ele é um modelo de pessoa sábia e trabalhadora, que conduz seus negócios abertamente e faz uso justo das proteções legais apropriadas. Por lidar com o pastoreio, o acesso à água era essencial. Sem isso, Abraão não poderia ter continuado a sustentar seus animais, empregados e família. Portanto, era importante que Abraão protegesse os direitos à água, bem como os meios pelos quais esses direitos lhe foram garantidos.

Como Abraão, as pessoas em todos os tipos de trabalho precisam discernir quando devem agir generosamente para beneficiar os outros e quando devem proteger recursos e direitos para o benefício de si mesmas ou de suas organizações. Não há um conjunto de regras e regulamentos que possam nos levar a uma resposta automática. Em todas as situações, somos mordomos dos recursos de Deus, embora nem sempre fique claro se os propósitos de Deus são melhores alcançados doando recursos ou protegendo-os. Mas o exemplo de Abraão destaca um aspecto que é fácil de esquecer. A decisão não é apenas uma questão de quem está certo, mas também de como a decisão afetará nosso relacionamento com as pessoas ao nosso redor. No caso anterior de dividir a terra com Ló, o fato de Abraão oferecer voluntariamente a primeira escolha a Ló lançou as bases para um bom relacionamento de trabalho de longo prazo. No presente caso, em que ele exigiu acesso ao poço de acordo com seus direitos no tratado, Abraão garantiu os recursos necessários para manter seu empreendimento funcionando. Além disso, parece que a determinação de Abraão realmente melhorou o relacionamento entre ele e Abimeleque. Lembre-se de que a disputa entre eles surgiu porque Abraão não afirmou sua posição ao encontrar Abimeleque pela primeira vez (Gn 20).

Um sepultamento para Sara (Gênesis 23.1-20)

Voltar ao índice Voltar ao índice

Quando Sara morreu, Abraão se envolveu em uma negociação exemplar para comprar um local para sepultá-la. Ele conduziu as negociações de forma aberta e honesta, na presença de testemunhas, tomando o devido cuidado com as próprias necessidades e as do vendedor (Gn 23.10-13,16,18). A propriedade em questão é claramente identificada (Gn 23.9), e o uso pretendido por Abraão como local de sepultamento é mencionado várias vezes (Gn 23.4,6,9,11,13,15,20). O diálogo da negociação é excepcionalmente claro, socialmente adequado e transparente. Acontece no portão da cidade, onde os negócios eram feitos em público. Abraão inicia o pedido de compra de uma propriedade. Os hititas locais oferecem gratuitamente uma tumba de sua escolha. Abraão hesita, pedindo-lhes que contatem o proprietário de um campo onde havia uma caverna apropriada para um local de sepultamento, para que ele pudesse comprá-la pelo “preço justo”. Efrom, o proprietário, ouviu o pedido e ofereceu o campo como presente. Como isso não resultaria em um direito permanente de Abraão, ele educadamente se ofereceu para pagar o valor de mercado por ele. Ao contrário da barganha encenada que era típica das transações comerciais (Pv 20.14), Abraão imediatamente concordou com o preço de Efrom e o pagou “de acordo com o peso corrente entre os mercadores” (Gn 23.16). Essa expressão significava que o negócio estava em conformidade com o padrão para prata usado em vendas de imóveis. [1] Abraão poderia ter sido tão rico a ponto de não precisar barganhar e/ou poderia estar desejando comprar uma medida de boa vontade junto com a terra. Além disso, ele poderia ter desejado evitar qualquer questionamento sobre a venda e seu direito à terra. No final, ele recebeu a escritura da propriedade com sua caverna e árvores (Gn 23.17-20). Aquele foi o importante local de sepultamento de Sara e, mais tarde, do próprio Abraão, bem como de Isaque e Rebeca e de Jacó e Lia.

Nesse assunto, as ações de Abraão modelaram valores fundamentais de integridade, transparência e perspicácia nos negócios. Ele honrou sua esposa lamentando e cuidando adequadamente de seus restos mortais. Ele compreendeu seu status na terra e tratou com respeito seus residentes de longa data. Negociou aberta e honestamente, fazendo isso na frente de testemunhas. Ele se comunicou com clareza. Foi sensível ao processo de negociação e evitou educadamente aceitar a terra como presente. Pagou rapidamente o valor combinado. Usou o local apenas para o propósito que declarou durante as negociações. Assim, ele manteve um bom relacionamento com todos os envolvidos.